É preciso reconhecer uma característica nuclear no presidente JB, um skill que o diferencia: ele dá um azar tremendo. Além de se esforçar por quatro anos para destroçar as já frágeis instituições brasileiras, seu governo será marcado por eventos globais que o engoliram e mostraram sua pequenez — uma pandemia global e uma guerra na Europa que derruba a economia do planeta. Em relação à primeira, ele não teve competência ou iluminismo para combater. Sobre a segunda, sem que ninguém pedisse se posicionou do lado mais criticado.

Mas há algo pior que um presidente azarado, deprimente e deplorável: o atual parlamento. É o mais raso da história brasileira depois da redemocratização. Ruim, mas vorazmente sedento. Ao perceber a fragilidade técnica e moral de JB — um filhote desse tipo de estrutura política, que frequentou seus subterrâneos por quase três décadas usando auxílio-moradia “para comer gente” e (supostamente) praticando rachadinhas para construir patrimônio e filhos —, o Centrão o sequestrou. Tomou dele o poder, a Bic e o dinheiro. O Centrão é esse ser amorfo, mas paradoxalmente coeso, formado por um bando de políticos que navega ideologicamente entre o dinheiro oficial e o dinheiro malandro.

Esse perfil de gente sempre criou aberrações. Nesta legislatura, monstrengos como o Orçamento Secreto. Ou tentativas ainda não domadas de tabelar preços. Assim como prefere destruir valor e reputação da Petrobras a usar seus dividendos. Uma turba que multiplica a irresponsabilidade fiscal, jogando milhões de brasileiros na rua e na fome. Esse tipo de gente comanda banco estatal em nome do Partido Liberal — pobre Friedrich von Hayek. Se brasileiro fosse queimaria toda a sua obra e morreria de desgosto. O problema de ser essa turma a mandar no dinheiro estratégico nacional é que ela se limita a uma de três alternativas: a) atrasa o Brasil, b) rouba o Brasil, c) não tem competência.

No entanto, o mamômetro é tão com concorrido que deve ser uma das poucas variáveis nacionais que crescem dois dígitos. Entre a eleição de 2014 — aquela em que Aécio Neves não soube perder e iniciou a desconstrução institucional brasileira que culminou com o bolsonarismo — teve 26.161 candidatos (a presidente, vice-presidente, governadores, vices, senadores, suplentes, deputados estaduais, federais e distritais). O pleito de 2018 teve 29.085. Alta de 11,1%. Serão renovadas agora 1,7 mil boquinhas políticas executivas e legislativas. De presidente a um deputado estadual xexelento. Ou vice-versa.

O que essa multidão produz? Pouco. Para a sociedade, realmente pouco. Vamos ficar com a turma que vai rechear o Congresso, os deputados federais e senadores. Esses senhores (até porque majoritariamente é homem) não conseguiram realizar três fundamentos para que o Brasil entrasse no século 21. Uma Reforma Previdenciária de qualidade, e justa; uma Reforma Tributária; uma Reforma Administrativa. Nem vamos trazer à agenda a Reforma Política, porque normalmente um ser doente é incapaz de autoidentificar sua moléstia ou o que levou a ela.

A segunda leitura desse retrato é que já está claro que o eleitorado brasileiro não quer votar. É um recado maior e mais sonoro do que aquele que diz que não haverá terceira via. Nas últimas eleições, foram 31,4 milhões de cidadãos (21,3%) não quiseram aparecer junto às urnas. Isso representa um a cada cinco brasileiros com mais de 16 anos. Agora seremos 152,3 milhões de eleitores, segundo o TSE. Se o porcentual se repetir, pode colocar mais 1 milhão de pessoas na conta. Se juntarmos os que anularam ou votaram em branco no segundo turno de quatro anos atrás (9,5%) teremos um terço do Brasil dizendo que não vê na eleição grande coisa. Não se trata de desapreço à democracia. Trata-se de desapreço aos que a representam. Acreditar que esse sentimento não resvala em negligenciar os ataques que parte dos eleitos faz cotidianamente às instituições é ingenuidade, a começar pelos tais ministros de altas cortes.

O Brasil real tem dito, e cada vez mais alto, que o sistema não produz qualidade. Com esse tipo de elite, e uma chance brutal de elegermos outro Congresso horrendo em outubro, é preciso que ferramentas diferentes entrem para nos salvar. E soluções tecnológicas de IA, machine learning e algorítmicas estão disponíveis. Num primeiro momento, elas podem apenas dizer ‘olha, esse dinheiro do Fundeb pode ser usado aqui e não ali’. Ou, ‘olha, essa agenda do ministro da Educação não anda fazendo sentido’. E deixar tudo público e registrado.

De verdade, precisamos de dados e inteligência computacional, não precisamos de políticos. Eles até podem existir, desde que não façam nada. Podemos até dobrar seus salários e auxílios, desde que cada vez menos decidam algo. Um pouco como macacos numa espaçonave. Sairá mais barato e menos traumático.

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.