Para o executivo que comanda a KPMG no Brasil, as turbulências eleitorais devem atrapalhar o crescimento em 2022, mas as perspectivas para depois de 2023 são positivas.

Uma das maiores companhias de auditoria do mundo, a holandesa KPMG tem vivido seu melhor momento da história no Brasil. No último ano fiscal, encerrado em setembro, a empresa faturou R$ 1,7 bilhão no mercado brasileiro, alta de 17,1% puxada pela disparada da demanda durante a pandemia. Sob comando do executivo Charles Krieck desde 2017, a KPMG Brasil quer aproveitar a onda da digitalização, das fusões e aquisições (M&A) e da busca por práticas voltadas ao ESG para multiplicar ainda mais os resultados nos próximos anos.

DINHEIRO — A KPMG registrou recorde de R$ 1,7 bilhão no último ano fiscal. O que impulsionou esse resultado?
CHARLES KRIECK — É a combinação de muitos fatores. O primeiro foi uma série de investimentos que temos feito. Investimentos em time, em tecnologia, em soluções inovadoras. O segundo fator foi o cuidado superespecial que tivemos com as pessoas durante a pandemia. Isso fez com que todos se mantivessem motivados, com sensação de segurança. Quando estão se sentindo bem amparadas, as pessoas acabam produzindo melhor. O terceiro é o fator de mercado. A economia estava golpeada pela pandemia, mas havia uma demanda reprimida de investimentos. As empresas estavam se preparando para a retomada dos negócios.

Então a pandemia aumentou a procura por serviços de consultoria e auditoria?
A pandemia não necessariamente aumentou a demanda por serviços, mas todos queriam, e querem, estar preparados para a retomada dos negócios. E para estar preparado para essa retomada, depois que aprendemos uma série de coisas novas, como trabalhar on-line, aproveitar muito mais a tecnologia, muitos dos nossos clientes nos pediram ajuda para se ajustarem a essa nova realidade pós-pandemia.

O objetivo delas era sobreviver ou crescer num ambiente favorável a captações?
Muitas empresas se preparam para fazer IPOs, emissão de dívida ou captação. Por isso, muitas revisitaram sua estratégia para se adequar a tudo o que está acontecendo. As empresas querem estar prontas para capturar o máximo das oportunidades.

As fusões e aquisições devem se manter no pós-pandemia?
Acredito que sim. A gente aprendeu a viver com escassez de recursos. Essa é uma lição que vai ficar da pandemia. Hoje percebemos que muitas coisas que a gente fazia não eram necessárias. As empresas se uniram para ajudar quem estava mais necessitado. O senso de responsabilidade social cresceu na crise. A gente não pode esquecer que inúmeras empresas ficaram vulneráveis e se juntar com outra foi a salvação do negócio.

“O 5G será mais do que uma grande mola de desenvolvimento. Será uma turbina para uma série de coisas que precisamos fazer no Brasil” (Crédito:Divulgação)

O que se pode esperar para o ambiente de negócios em ano de eleição em 2022?
No geral, os empresários e executivos estão otimistas. Claro que ano de eleição é sempre um período mais cauteloso. Independentemente da situação de hoje, um quadro eleitoral no Brasil ou em qualquer grande economia é um cenário em que as pessoas ficam atentas, cautelosas e, num primeiro momento, esperando o que vai acontecer. Isso, normalmente, faz com que o movimento de investimentos, de fusões e aquisições possa diminuir. Por isso, esse crescimento que a gente vivenciou para alguns setores em 2021 não deve manter o ritmo. O cenário eleitoral vai fazer com que a gente cresça menos do que em 2021. Aquela demanda reprimida já foi parcialmente atendida. Então, as empresas ainda têm uma fatia para atender, mas um pedaço menor e num cenário de incerteza com a eleição.

A desvalorização do real não teria representado um aumento dos investimentos estrangeiros no País. Por quê?
Não podemos olhar para o Brasil como um lugar isolado do restante do planeta. Todos os países dependem um dos outros. E o mundo inteiro foi bastante afetado pela pandemia. Então, mesmo com os ativos mais baratos, o mundo inteiro está esperando para o que vai acontecer no pós-pandemia. A falta de investimentos de fora, ao meu ver, não é uma particularidade do Brasil. Quem é investidor ficou muito mais cuidadoso com uma série de coisas. Logicamente o dólar fez com que vários ativos no Brasil ficassem muito mais apetitosos, muito mais baratos para quem olha de fora, mas o cenário pós-pandemia, com os resquícios das incertezas, está afetando a disposição ao risco de quem investe.

Além da aversão global ao risco, algum fator interno no Brasil tem afugentado investimentos?
Tenho uma dificuldade muito grande de separar as duas coisas. Seria muito arriscado dizer que se tivéssemos um cenário X ou Y o investidor estaria mais tranquilo. Os investidores não estão investindo de uma forma geral.

Até que ponto o ESG é um movimento permanente para as empresas e os governos?
Esse é um ponto excelente. As empresas, desde sempre, tiveram algum grau de preocupação com o social, o ambiental e a governança. O fato é que a pandemia acabou acelerando isso numa velocidade sem precedentes. A pandemia acabou sendo propaganda para um monte de coisa, principalmente a transformação digital. Mas vejo que a junção dessas três letras, o ESG, mostra que muitas das coisas que as empresas faziam não eram tão necessárias e que acabavam tendo um efeito colateral ruim, isoladamente. A união das três faz com que uma coisa dependa da outra. Nunca se falou tanto em pegada de carbono, em rastreabilidade, em inclusão, em diversidade e equidade.

Quando a moda vai passar?
Não vai passar. Estamos vendo movimentos muito intensos nesse sentido. Os bancos, por exemplo, têm dado condições melhores de crédito para as empresas que estão melhor organizadas em termos de ESG. Países estão dando preferência para comprar produtos de mercados que estão mais preocupados e preparados para o ESG. Quem ignorar isso vai começar a ficar de fora. No médio e longo prazos, essas empresas vão ter problema para se posicionar no mercado.

A relação entre as pessoas e as empresas também está mudando?
A KPMG é uma empresa de pessoas. Para qualquer empresa, vai ser impossível atrair e reter pessoas sem que tenha uma história sólida para contar em termos de ESG. A nova geração e mesmo as antigas que já estão com uma nova visão não vão querer trabalhar numa empresa que seja irresponsável com o meio ambiente, que não tenha respeito com questões de inclusão, equidade e diversidade, que não tenha transparência interna e externa… Então, não é apenas uma questão de posicionamento de mercado e de produto, mas também ser competitivo na atração e retenção de talentos. A gente leva isso muito a sério e criamos uma área de especialistas para suprir as demandas de nossos clientes em ESG.

As empresas brasileiras têm avançado ou regredido nas questões de compliance?
Avançado muito. O nível dos Conselhos de Administração tem avançado muito. Ainda não estamos no nirvana do compliance. Há muita coisa para fazer. Mas a evolução é evidente e muito grande. Existem muitas entidades no mercado que têm promovido o compliance no mundo corporativo. Além de empresas como a KPMG, temos o IBGC, o Ibef e outras que estão muito ativas no mercado.

Quais são os setores da economia que devem brilhar no País nos próximos anos?
Muito difícil prever o futuro aqui no Brasil, mas os setores ligados às commodities tendem a se sair melhor do que os outros. As atividades ligadas a energia, recursos naturais, mineração e ao agronegócio, em geral, serão motivo de orgulho para a economia brasileira. Não podemos deixar de fora o setor de telecom. O 5G será mais do que uma grande mola de desenvolvimento, será uma turbina para uma série de coisas que precisamos fazer no Brasil. O final do ano será um belo termômetro para saber como a economia vai andar em 2022.

“Quanto mais a gente tirar as pessoas do desemprego, mais rápido vamos sair da crise” (Crédito:Mathilde Missioneiro)

Quais setores despertam preocupação?
A pandemia fez com que muitas empresas e setores adaptassem suas capacidades produtivas. Então, se houver uma retomada da demanda muito grande por determinadas coisas, como está ocorrendo com os semicondutores na indústria automobilística, a oferta não vai conseguir atender à demanda na mesma velocidade. Alguns setores serão impactados por isso.

A conjuntura global, com alta da inflação, aumento das taxas de juros e cautela das grandes economias, tende a prejudicar o Brasil?
Estamos numa tempestade perfeita. Olhando para fora, vemos no Hemisfério Norte uma alta dos juros que há muito tempo não se via. Mas, mesmo com tudo isso, não vejo essa conjuntura como o fim do mundo para o Brasil. Existem elementos positivos e que sustentam a perspectiva de recuperação. Temos uma oferta de crédito interessante, temos investimentos pontuais sendo feitos, temos setores reagindo. A oferta de empregos, ainda que bem devagar, está em recuperação. Quanto mais a gente tirar as pessoas do desemprego, mais rápido vamos sair da crise.

Quando o Brasil e o mundo devem superar em definitivo a crise?
Acho que 2022 ainda vai ser um ano de experimentação. Explico o porquê. As pessoas passaram os últimos dois anos em trabalho remoto. A maioria não deve voltar, mas para os que estão gradualmente voltando não está sendo fácil. Quando o funcionário e a empresa percebem que as pessoas são mais produtivas em casa, que gastar tempo de deslocamento no trânsito é ineficiente, é improdutivo e não traz benefício para nenhuma das partes, e que a flexibilidade é a melhor alternativa, 2022 será um ano de ajustes da nova rotina. Se nada mais acontecer com o vírus e as variantes, em 2023 voltamos a uma nova normalidade. Não vamos retomar a rotina de antes. Aquele velho normal não teremos mais. Mas vamos aprender a trabalhar sob uma nova realidade.