O epicentro do terremoto financeiro que abalou Wall Street e o mundo, em 2008, tem nome e sobrenome: Lehman Brothers. O banco de investimentos faliu durante a crise de empréstimos de alto risco (o subprime) nos Estados Unidos e entrou para os livros de história como sinônimo dos excessos e dos riscos cometidos pelos investidores e financistas na bolha do crédito imobiliário. Para o Barclays Bank, o Lehman Brothers teve outro significado: oportunidade.

63.jpg

Em setembro do mesmo ano, o tradicional banco inglês comprou suas operações nos Estados Unidos, por US$ 1,4 bilhão, e aproveitou para crescer no maior mercado do mundo. Hoje, 30% das receitas da divisão de investi-mentos, o Barclays Capital, vêm do outro lado do Atlântico. E agora? O desafio é crescer no Brasil e na Ásia, de onde virão um terço das receitas no futuro. Em passagem por São Paulo na terça-feira 10, o cana-dense Jerry del Missier, presidente do Barclays Capital, conver-sou com a DINHEIRO sobre a estratégia da instituição. A seguir, os principais tópicos:

O Barclays e o Brasil

 

A maior parte dos negócios está na Europa e nos Estados Unidos, onde adquirimos as operações do Lehman Brothers. O Brasil é o mercado que mais cresce, mas ainda é pequeno no grupo. Está ficando cada vez mais importante. Como a Ásia, é uma das regiões cruciais para o nosso crescimento futuro. Nos próximos dez anos, haverá equilíbrio entre os negócios nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia e no Brasil. As exportações estão ficando cada vez menos norte-sul e ficando cada vez mais leste-oeste. Atuamos em renda fixa, fusões e aquisições e renda variável, trazendo recursos do Exterior para empresas brasileiras. Recentemente, participamos das operações entre GVT e Vivendi e do SEB com o grupo Pearson. Fizemos emissões do Tesouro e do BNDES no Exterior. Já temos 150 funcionários no Brasil. Em 2011, serão 250. 

 

Importância do país

 

A economia do Brasil é bem compreendida pela primeira vez. Não é uma oportunidade de curto prazo, é resultado do trabalho duro dos últimos 15 anos. Houve avanços importantes na infraestrutura, no consumo interno, com a classe média emergente. É provavelmente o mercado individual mais importante do momento para investidores estrangeiros, pois tem infraestrutura mais bem desenvolvida. O mercado da China ainda é difícil para os estrangeiros. A Índia não tem tantas opções, não tem um mercado local muito desenvolvido. Há muito dinheiro disponível para o Brasil desenvolver seus projetos de crescimento.

  

Absorção do Lehman

 

É difícil integrar bancos de investimento. Não há muitas histórias de sucesso nas fusões desses bancos. As companhias pagam demais, destroem valor. Em nosso caso, aconteceu o contrário, a integração foi bem-sucedida e criou uma nova organização. Os dois bancos se complementaram, as culturas também. Por causa da crise, todo mundo na organização teve de manter o foco nos mercados e nos clientes desde o primeiro dia. Em três meses, estávamos integrados. Valeu a pena. Em 2009, 30% das nossas receitas vieram da parte adquirida do Lehman Brothers.

  

Saúde financeira

 

O Barclays não pegou dinheiro público na crise de 2008. Nos testes de estresse dos bancos europeus há duas semanas ficamos entre os mais capitalizados. Nossa saúde financeira está muito boa.

 

Aumento da regulação

 

O impacto total das mudanças pós-crise vai levar um bom tempo para acontecer. A lei foi assinada nos Estados Unidos, deve levar um ou dois anos para ser regulamentada. Vai demorar muito para as regras de capitalização serem adotadas. Como isso vai mudar os negócios? No caso dos derivativos, vai haver muita ênfase na compensação e liquidação (clearing), na transparência dos mercados. Isso é bom. Faz o sistema financeiro mais forte, aumenta a transparência e a liquidez. Vai ficar mais fácil para os clientes usarem derivativos para se proteger dos riscos. As regras de capital ainda precisam ser trabalhadas. O arcabouço regulatório tem de ser consistente com a função dos bancos de prover crédito, de facilitar o desenvolvimento dos mercados. 

 

Papel dos bancos

 

O papel dos bancos numa economia global será cada vez mais importante. É fator crítico que as instituições sejam bem geridas, os riscos sejam administrados e haja controles. É importante haver uma relação forte com os clientes, uma estratégia de alinhamento de interesses. As empresas que foram bem na crise tinham essas características. Bancos bem administrados não têm medo de maior regulação. O papel fundamental dos bancos não vai mudar. Em algumas áreas vai haver mudanças estruturais. Na Europa, o mercado de dívida corporativa deve tomar espaço dos empréstimos bancários. As empresas, que são muito dependentes dos bancos, irão buscar mais capital nos mercados de capitais. Isso é saudável.

 

Gestão de riscos

 

É importante gerenciar os riscos. Muitos perderam dinheiro com a crise de 2008, que foi profunda, mas não foi inédita. Estou nesse ramo há apenas 23 anos e é a quinta ou sexta crise que vi. Sempre há quem tome riscos excessivos fora de suas áreas principais de negócios. É um risco potencial que está sempre lá. Não é um risco inerente aos derivativos, pode envolver bens imobiliários e outros ativos. As pessoas podem voltar a perder dinheiro de novo nos mercados financeiros. Essa é uma característica dos mercados há 500 anos. É bom haver um aumento da transparência e da gestão de riscos. O problema é que, em vez da regulação ficar mais coordenada entre os mercados, está ficando mais fragmentada. Isso não é bom. Seria melhor se houvesse mais harmonização, sob a liderança do Grupo dos 20 (G20). A realidade é que cada país está adotando suas próprias medidas.