Há três anos no comando da Escola Superior de Propaganda e Marketing, o publicitário que fez carreira em grandes agências e presidiu a Ogilvy e a Carillo Pastore Euro RSCG vem transformando a maneira de formar as futuras lideranças empresariais do País

Quando deixou a correria do mundo da publicidade para se dedicar à presidência de uma instituição acadêmica, Dalton Pastore imaginou que sua vida ficaria mais calma. Ledo engano. A intensa demanda por atualização dos cursos e até das instalações da ESPM ocupam seu tempo em uma jornada que inclui até mesmo a própria reciclagem, em um MBA voltado para transformação digital. Na segunda-feira 21, quando Pastore recebeu a reportagem da DINHEIRO, o Yduqs, ex-Estácio, anunciou a compra da rede americana Adtalem no Brasil – que controla, entre outros, Ibmec e Dalmásio Educacional. A consolidação do setor abriu a entrevista, que tratou ainda dos desafios da formação de jovens e de executivos no País.

DINHEIRO – O setor de educação tem passado por grandes transformações, incluindo um processo de consolidação, com fusões e aquisições. Como isso afeta o negócio?

DALTON PASTORE – A transformação tem sido enorme e será ainda mais. Podemos dividir esta sinalização de como será o futuro a partir de sinais estatísticos, de mercado e de hábito. Do ponto de vista demográfico, com os casais tendo menos filhos, o número de entrantes no sistema de ensino será reduzido. Nos últimos cinco anos, comparados aos cinco anos anteriores, o Ensino Médio no Brasil teve 4,5% a menos de matriculados. Isso terá impacto nas matrículas em faculdades. Ao mesmo tempo, o mercado se profissionalizou, com grupos de investidores. Um exemplo é a Estácio comprando todo o ativo que era da Adtalem (leia mais sobre o negócio aqui). Essas empresas multiplicaram o número de vagas oferecidas. O setor que estava acostumado a ter, por décadas, mais compradores do que produtos à venda, viu essa relação se inverter de repente.

Qual a causa dessa reviravolta?

Isso foi em grande parte motivado pelo Fies (Fundo de Financiamento Estudantil). Ele foi uma bênção para muitas instituições. Em alguns casos, mais de 70% das matrículas vinham do Fies. Como ele praticamente acabou, essas faculdades ficaram sem alunos. Já nas escolas mais de nicho, como a ESPM, FAAP, Insper, FGV, o crescimento foi muito menor e a queda também será menor. Mas aquele cenário no qual havia mais demanda que oferta não vai voltar jamais. Pode vir uma bonança econômica que isso acabou. Nos últimos dez anos houve uma consolidação motivada pelo capital. Agora nós veremos uma nova consolidação, motivada pela falta de mercado. As escolas médias serão vendidas ou fecharão. Isso vai aumentar nos próximos anos.

É possível reverter o desequilíbrio de oferta e demanda?

É preciso lembrar que esse mercado estava protegido não apenas pela maior demanda como por ter sido incentivado. Estamos entrando em um momento no qual o mercado é competitivo como os outros. É uma mudança grande. O que eu estou começando a ver, e que me parece positivo, é o Brasil redirecionar o investimento público para o Ensino Fundamental. Havendo melhoria do Ensino Fundamental e Médio, o número de ingressantes nas faculdades pode aumentar. Hoje o número está limitado pelo mercado, pela crise econômica que leva à evasão, e pela baixa qualidade do ensino público.

Você tem esperança de que o atual governo consiga melhorar o ensino?

A gente tem que olhar com um pouco mais de distância e não esperar resultados imediatos. O ensino público no Brasil já foi melhor que o privado. A qualidade despencou nos últimos 30 anos. É difícil corrigir esse quadro? Sim. Eu fiquei muito impressionado com o exemplo de uma fundação em Manaus que atua no Ensino Médio. Eles recebem 200 alunos, que chegam de manhã e ficam até 15h30. Tomam café da manhã, almoçam e fazem o lanche da tarde na escola. Esses alunos são selecionados por entrevistas orais, porque chegam analfabetos funcionais. Estudaram oito anos no Fundamental e não sabem fazer uma prova escrita. A seleção é pelo potencial apresentado na entrevista. O aluno fica três anos. No primeiro, eles recuperam tudo o que não foi aprendido até ali. No segundo e no terceiro ano eles fazem o colegial. E saem bem preparados. O ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica, em São José dos Campos (SP)] faz um vestibular lá, e todo ano pelo menos um aluno dessa fundação é aprovado. Com um ensino fundamental de qualidade você forma uma sociedade capaz de produzir mais e melhor. É preciso começar essa melhoria pela base. No Brasil é proibido reprovar alunos do Ensino Fundamental.

O que uma instituição de ensino pode fazer para despertar o desejo de aprender?

Uma das maneiras de incentivar o aluno passa pelo que nós estamos propondo por meio da ESPM LifeLab, que estará disponível para a toda a graduação a partir do ano que vem. Esse programa agrega aos cursos uma carga horária até 30% maior. Além de entregar tudo o que o Ministério da Educação determina, nós acrescentamos o DNA da ESPM: marketing, tecnologia e negócios. Com isso, quem estuda design, por exemplo, aprende também business. Além disso, incluímos disciplinas humanas. Cada aluno elege no mínimo seis matérias adicionais, em três pilares: cognição, pensamento quantitativo e numérico, e autoconhecimento. E incentivamos os alunos a trabalhar em parceria com os de outros cursos. Eu recebi recentemente um grupo de seis alunos do nosso curso de Tech. Eles queriam mostrar um projeto de coleta seletiva baseado em inteligência artificial para ser colocado na entrada do nosso teatro. Como as pessoas muitas vezes ficam em dúvida sobre em qual lata deve ser descartado cada resíduo, se vai na de metal, de plástico, orgânico, eles criaram um programa em que você aponta o objeto para uma câmera e um monitor indica em que recipiente jogar. Tiveram a ideia, vieram aqui fazer a demonstração. O próximo passo deles é trabalhar em parceria com os alunos de marketing para definir como promover essa ferramenta.

E do lado dos professores? De que forma eles precisam se requalificar para atender a essas novas demandas dos alunos?

Nós temos aqui a Academia de Professores com um cardápio de metodologias com cursos que a ESPM oferece gratuitamente para os professores. Estamos fazendo um específico para ensinar o professor a dar aula em ambiente de áudio e vídeo. Estamos aumentando a disponibilização desses recursos. Acabamos de reformar um andar onde temos 14 ilhas de edição, fora as sete em sala de aula.

Tudo isso gera custo. De onde vem a receita?

A nossa sorte é que a ESPM é uma associação privada sem fins lucrativos, então a gente pode reinvestir todo o resultado na própria operação. Não precisamos distribuir dividendos. A ESPM nasceu de um propósito. Em 1951, a publicidade estava se tornando um grande negócio no mundo e no Brasil também. Quatro grandes agências americanas montaram escritórios aqui para acompanhar seus clientes. Alguns jovens brasileiros foram para os Estados Unidos e voltaram querendo montar suas agências. Mas precisavam formar profissionais capacitados para trabalhar com propaganda. Para isso era fundamental ter uma escola. Um grupo se reuniu e foi até o Assis Chateaubriand buscar apoio. Ele era o grande homem da mídia na época, mas consultou o Pietro Maria Bardi, que presidia o MASP, e entendeu que a escola poderia se beneficiar de uma parceria com o museu. Então a ESPM nasceu dentro do MASP, com uma verba do Chateaubriand. Com o tempo, os professores perceberam que era preciso ter, do lado das empresas, quem entendesse de marketing. Tudo o que foi feito desde então partiu dali. A ESPM vem crescendo por poder reinvestir o resultado. Hoje nós temos o curso de Ciências Sociais do Consumo. É uma escola de negócios. E nosso índice de empregabilidade reflete isso. A média é de 85% de alunos empregados. No curso de Tech, 100%.

Esse sucesso gerou assédio por parte de outros grupos educacionais?

Claro, de todos eles. Mas nós não podemos ser vendidos. Há uma barreira estatutária. Não podemos abrir capital, nada disso. Então não há como a ESPM ser incorporada por outro grupo, a menos que o estatuto seja alterado. Precisaria da aprovação dos 34 conselheiros associados. É um pessoal que ama a ESPM, trabalha de graça pela escola, pela excelência acadêmica. O Brasil é reconhecido mundialmente pela qualidade da propaganda que produz e a gente acredita que a ESPM tem algo a ver com esse ótimo desempenho.

De que forma a transformação digital tem afetado o negócio da educação?

Nós acreditamos que toda empresa vive hoje entre dois medos. Um é que a transformação digital acabe com o negócio dela. O outro é que ela esteja perdendo uma oportunidade de multiplicar o próprio negócio por dez. Como lidar com isso? No ano retrasado a gente iniciou um trabalho profundo no nosso portfólio de pós-graduação. Renovamos 75%. Todos os nossos cursos de pós agora têm tecnologia e transformação digital. Aqui acreditamos no conceito de “life long learning”, ou seja, de que é possível seguir aprendendo em cada fase da vida, inclusive quando se chega ao topo. Temos uma escala de cursos para acompanhar o seu momento de carreira. Os mais básicos para serem a primeira pós, os que ajudam a levar para um estágio superior, e agora criamos um novo, para C-level (CEOs, CFOs, CMOs, COOs). O curso atualiza esse pessoal e prepara as empresas para a transformação digital. Um dos cursos tem parceria com a IBM. Outro, com o ITA, de tecnologia e negócios, e um terceiro que não tem currículo: você chega com um projeto e o grupo todo trabalha nele, assim como você trabalha no dos outros. Não faz sentido continuar ensinando sempre as mesmas coisas.

O futuro da educação é o modelo híbrido, com aulas presenciais e a distância integradas em um mesmo curso?

Hoje tudo é híbrido, então o modelo de educação também deverá ser. Parte da carga horária enorme que nós vamos introduzir na graduação a partir do próximo ano já será por EAD (Ensino a Distância). Aqui nós chamamos de “blended”. Isso ajuda o nosso aluno a criar a cultura de aprender a distância.