Ex-CEO da Braskem e especialista no setor petroquímico defende que o governo só interfira nos preços dos combustíveis caso haja ameaças ao consumo familiar.

Responsável pela expansão e internacionalização da Braskem até 2016, Carlos Fadigas está hoje do outro lado do balcão. Fundou recentemente a CF Partners, consultoria de negócios, usando a seu favor os 30 anos de mercado, parte deles em cargos de liderança no setor petroquímico. A nova empreitada de Fadigas teve início após seu afastamento da Novonor (ex-Odebrecht), na qual permaneceu por dois anos como assessor direto tanto no processo de recuperação judicial do grupo quanto nas duas tentativas de venda da Braskem. Com a autoridade de quem integrou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do governo e liderou entidades como o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), ele avalia que a alta do petróleo poderia ter menor impacto na economia caso o setor fosse mais industrializado.

DINHEIRO — O governo demonstrou dificuldade de achar um nome capaz de presidir a Petrobras. Qual é a necessidade da empresa neste momento?
CARLOS FADIGAS— É preciso alguém com boa experiência no mercado de energia, capacidade de comunicação e de diálogo com os setores público e privado. Não existe mágica. A Petrobras precisa de uma gestão que defenda os interesses da empresa e de seus acionistas, sem deixar de lado o papel estratégico no fornecimento de energia para o País.

Como avalia a gestão do governo do presidente Jair Bolsonaro no que diz respeito à forma de lidar com a alta dos combustíveis?
A Petrobras precisa manter a política de paridade de preços internacionais. Isso não impede que o governo, usando o lucro da sua fatia da operação, construa um programa de incentivos para combustível em períodos muito críticos. Os desafios de execução para um programa desses é definir os parâmetros para implementação. Grande parte dessas experiências é mal sucedida porque não se descola da dinâmica eleitoral. Quando não há essa separação, sejamos sinceros, vira gasto de campanha disfarçado. É muito caro para o País segurar o preço da gasolina, como foi feito no passado no governo Dilma [Rousseff], que quase quebrou a Petrobras.

Estamos diante de um momento muito crítico para a economia?
Estamos diante de um momento crítico pelo preço do diesel e do gás de cozinha, mas não no que diz respeito à gasolina. Isso parte de gerir prioridades. O gás de cozinha está ligado ao consumo diário das famílias de baixa renda. O diesel é usado no transporte de mercadorias, incluindo alimentos, e o transporte público. Já a gasolina está ligada ao transporte individual. Ainda que devêssemos ter acesso a uma gasolina mais barata, a situação é menos crítica.

“Manter a política de paridade de preços internacionais não impede que o governo, usando o lucro da sua fatia da operação, construa um programa de incentivos para combustível em períodos muito críticos” (Crédito:Divulgação)

Existem outras maneiras de driblar este cenário de alta abrupta dos preços?
Há como adotar repasses periódicos. Com esse reajuste a cada dois meses, o preço sobe 20% de uma vez só. Não há margem para uma alta dessa magnitude de um dia para o outro. Falta uma dinâmica mais disciplinada na gestão do preço para permitir que o mercado absorva os reajustes.

Mas o Brasil é dono de uma grande reserva de petróleo e de gás natural. Faz sentido que os preços sofram tanta variação assim?
O Brasil precisaria ser mais industrializado, o que permitiria explorar esse petróleo e tornaria o mercado mais rico em refino. Assim, menos dependente do cenário internacional. Ainda sentiríamos a flutuação de preços, mas em posição mais confortável.

O que falta para o Brasil industrializar o setor?
Nossa matéria-prima não foi explorada nem disponibilizada para a indústria em abundância. Na época da descoberta do pré-sal [2006], em vez de o governo Lula abrir o País para a dinâmica privada e dividir esse risco, quis concentrar a exploração na esfera estatal. Levou mais de cinco anos para fazer o leilão do pré-sal. Nesse horizonte, o petróleo perdeu valor — saiu de US$ 150 o barril em 2007 para US$ 60 o barril em 2014, por causa da descoberta das reservas de xisto nos Estados Unidos nesse meio tempo.

Mas o preço subiu novamente…
O repique que estamos vendo agora e a projeção do petróleo mais alto por um período é consequência do isolamento de um grande produtor como a Rússia, mas o patamar consolidado é mais baixo. Essa riqueza deveria ter vindo para o Brasil mais rápido e ter sido explorada como insumo para a indústria brasileira.

Um desses potenciais seria o de desenvolvimento de uma indústria de fertilizantes no Brasil, já que o setor agrícola vem sofrendo com a suspensão das importações do produto russo. É possível que essa produção evolua?
Para alguns tipos de fertilizantes, sim. Pela exploração do pré-sal, seria possível produzir amônia e ureia a partir do gás natural. Mas é necessária uma agenda para fomentar essa indústria. Precisamos de visão de longo prazo e capacidade de gestão — mais do que a que temos agora.

Quais outros desafios o setor petroquímico está enfrentando com a guerra na Ucrânia?
A transição energética tem um desafio triplicado graças às mudanças climáticas e, agora, com a guerra. A migração da matriz para novas fontes por si só já é um desafio. Mas o fato de essa agenda ter sido tratada tardiamente faz com que lide ainda com a volatilidade do preço do petróleo. O Brasil tem uma vocação para liderar a agenda de energia renovável, mas não existirá solução rápida ou imediata. A questão é: o País vai aproveitar esse momento para traçar uma agenda ou continuará como mero ator nesse cenário?

O senhor vê algum ator político liderando a agenda de transição energética hoje no País?
De forma relevante, não. A agenda política se resume às eleições gerais de outubro. Precisaremos de renovação no governo, no sentido de ter uma nova equipe com horizonte para se planejar.

E fora do âmbito público?
Vejo todos os grandes grupos brasileiros se movimentando para fazer essa transição energética. As associações setoriais também estão atentas à matriz energética, que representa boa parte da composição de custos no setor produtivo. Talvez haja receptividade para essa discussão no governo depois de outubro.

De que forma o governo poderia fomentar a transição energética?
Com uma agenda com estratégias de longo prazo e incentivos. Nem é preciso avançar tanto em incentivo fiscal, basta desenvolver a regulação. O Brasil está começando a regulamentar agora os parques eólicos offshore, por exemplo, que têm um potencial enorme para geração de energia. É importante também que as agências reguladoras não sejam muito politizadas, porque o País ainda não pode abrir mão das termelétricas nem tem etanol suficiente para abandonar a gasolina. Precisamos de um lastro estável para avançar. Essa é a lógica do setor privado, principalmente entre os grupos mais bem administrados, que tratam a transição como uma oportunidade de negócio.

“O Brasil tem uma vocação para liderar a agenda de energia renovável, mas não existirá solução rápida ou imediata. A questão é: o País vai aproveitar esse momento para traçar uma agenda ou continuará como mero ator nesse cenário?” (Crédito:Istock)

Em relação a incentivos fiscais, a recente extinção do regime especial da indústria química (Reiq) deve afetar a competitividade das empresas nesse mercado?
O fim do Reiq foi uma má sinalização para a indústria. O governo defende que o setor industrial esteja mais exposto à competição, mas não discute melhorar a competitividade no mercado. O Brasil perdeu massa industrial e aumentou a fatia da agricultura na economia, mas continua com a carga tributária mais pesada sobre a indústria. Também não desenvolveu a malha logística para escoar a produção nem tratou da complexidade da legislação tributária, que leva à judicialização do setor. A extinção do Reiq surgiu como medida provisória, foi discutida no Congresso e, então, apresentada como uma proposta de redução gradual do regime. Mas neste início de ano o setor foi surpreendido com uma nova medida provisória, extinguindo o regime de forma abrupta.

E qual a consequência?
É complicado sair de um acordo com os poderes executivo e legislativo para ter essa mudança de postura em seguida. Da perspectiva de política para a indústria brasileira, é um sinal muito ruim.

Como enxerga a condução das reformas tributária e administrativa?
Não houve um plano para a reforma administrativa e tributária, nem foi implementado um grande plano de logística nacional. Agora, o governo decidiu cortar o incentivo e baixar o imposto de importação numa canetada.

O senhor esteve à frente das negociações para a venda da Braskem. Quais os obstáculos para esse negócio se consolidar?
O primeiro desafio da venda da Braskem é o tamanho da companhia, avaliada hoje em torno de R$ 35 bilhões. O segundo, a instabilidade econômica brasileira, que provoca receio no comprador de fora. Esses dois obstáculos impuseram dificuldades para esse processo de venda no passado e o influenciam hoje. Mas, em algum momento, a operação deve acontecer.