Dezenas de pessoas sentadas nos quatro degraus que dão acesso à área de liberação de corpos do Instituto Médico Legal (IML) do Rio deram o tom do dia seguinte da mais letal operação policial da história da cidade. Mães, mulheres, familiares e amigos de boa parte dos mortos estiveram no local para acelerar a liberação dos corpos para os sepultamentos. Oficialmente, a Polícia Civil diz que houve 25 vítimas, incluindo um agente da corporação. Os familiares asseguram que são mais.

Nem todos os que estiveram no IML se dispuseram a falar. Outros, receosos, pediram para não ter seus nomes divulgados. Mas há também aqueles que não se importaram em expor suas identidades. Em comum a todos, porém, era a tristeza e a indignação. Termos como “chacina”, “execução” e “derramamento de sangue” foram ouvidos repetidamente pela reportagem. A Polícia Civil sustenta que todos foram mortos em confrontos.

Richard Gabriel, de 23 anos, foi um dos mortos. Rafael, da mesma idade, foi outro. Gabriel era filho de criação de Paloma Coimbra da Silva, de 25, há 10 anos. “Isso aí não foi uma operação, não foi para prender. Eles foram ali para matar todo mundo”, disse Paloma. “Eles mataram meu filho na minha frente, e mataram meu compadre na minha frente, sem necessidade disso.”

Paloma contou que o filho de criação teve passagem pela polícia quando era menor de idade. Mas negou que estivesse em confronto armado com os policiais na quinta-feira, 6. “(Os policiais) invadiram e destruíram a casa da mulher (onde Richard e Rafael estavam) todinha. Mataram na frente da filha dela. Foi covardia”, relatou. “A gente não quer o pior. A gente queria que pelo menos fossem presos, mas nem isso eles deixaram.”

Aos prantos, segurando uma caderneta do sistema penitenciário carioca que mostrava que o marido Rômulo Oliveira Lúcio, de 29 anos, estava em liberdade condicional, Thaynara Paes, 22, clamava por justiça.

“Eles pegaram ele vivo, ele estava vivo. Ele foi executado a facadas, estraçalhou a boca do meu marido, eles furaram não sei quanto o meu marido. Ele não merecia isso”, desesperou-se. “Eu sei que as pessoas criam filhos pro mundo, e que o que ele escolheu não é o certo. Mas ele estava pagando, já tinha pagado. Ele ia terminar este ano a cadeia dele”, disse.

Segundo ela, a operação ficou especialmente violenta a partir da morte do policial civil, ocorrida ainda no início da manhã. “Eu sei que é duro a perda de um amigo deles. Mas isso não significava chegar… Depois que o policial morreu, eles chegaram com mais sangue nos olhos. Por isso que executaram todo mundo. Levaram um ou dois presos, por que executaram os demais? Ninguém estava armado mais, sem nada nas mãos. Meu marido estava sem nada, levantou as mãos para o alto e falou ‘perdi’, e os policiais mataram ele.”

Uma mulher, de 46 anos, que preferiu que seu nome não fosse divulgado, perdeu o filho, de 23. “Meu filho já tinha comprado o presentinho (de Dia das Mães) pra mim, ele ia passar esse dia comigo”, contou. “Esse dia acabou pra mim.”

A mulher relatou que o filho e mais três pessoas foram mortas quando já estavam encurraladas em uma casa no Beco do Caboclo. “Teve gente que saiu de lá baleado, só. Acabaram de matar dentro do caveirão (blindado da Polícia)”, afirmou.

A mulher de outro dos mortos afirmou que o marido, que estava armado e ferido, colocou a arma no chão junto à entrada da casa como sinal de rendição. Ele se refugiou no quarto do casal. Segundo ela, os policiais o executaram em frente à cama. Um vídeo mostra marcas de tiro na parede.

Polícia

Em entrevista após a operação, os delegados responsáveis pela ação afirmaram que, à exceção do policial, todos os mortos eram criminosos e foram alvejados em confronto. Mas não apresentaram nenhum nome.

Segundo os policiais, a única execução no Jacarezinho ocorreu na morte do inspetor André Frias, alvejado na cabeça por um criminoso. Os agentes também apresentaram armamento apreendido na operação – inclusive seis fuzis – e argumentaram que a ação foi legal e foi comunicada ao Ministério Público do Rio.