Reinaldo Bulgarelli, secretário executivo do Fórum das Empresas e Direitos LGBTI+, conversou com a IstoÉ Dinheiro sobre a atuação da instituição e o mercado de trabalho. Autor do livro ‘Diversos somos todos’, da editora Abrecom, ele também integra o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o Conselhão do governo Lula (PT).

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O Fórum, hoje com 278 empresas signatárias, caminha para concretizar 10 compromissos básicos para a relação do setor e pessoas LGBT+. Aparecem na lista marcas como Intel, Mastercard, CitiBank, Bradesco, Nestlé, P&G,  Pepsico, Nivea, Vivo, Sodexo e Uber.

Nas campanhas e ações, são priorizadas pessoas transexuais e negras, entendendo que cisgêneros e brancos ainda enfrentam menos barreiras no mercado.

“Quebramos o paradigma de que pessoas trans não podiam trabalhar. Já recebi telefonemas de executivos e RHs afirmando que não entrariam no Fórum porque não podiam aceitar quem não fosse cis. Hoje conseguimos pelo menos inibir que se fale uma coisa dessas”, afirma. 

Bulgarelli é um dos 246 integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o Conselhão do governo Lula (PT). Ao lado de nomes como Keila Simpson, da Articulação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA, ele avança em alianças com outros membros do grupo para elevar a pauta da diversidade dentro e fora das empresas. O próximo encontro do Conselho, que ocorreu em abril, deve acontecer presencialmente em outubro.

O ano virou e temos uma gestão nova no Executivo, com mais ministérios e representatividade. O que de fato mudou para a população LGBT nesse sentido?

O clima no país mudou com o novo governo. Bolsonaro representava pra gente nesse tema, e para as empresas uma coisa ruim, ele só não defendia como agredia. Então esse ambiente de novo também deu para as empresas um pouco mais de desenvoltura. A turma fica de olho nas políticas públicas, postura do governo. Senti que a liderança empresarial, com o Fórum tendo líderes, executivos e demais profissionais, estão mais à vontade, e isso tem facilitado que as ações do Fórum, baseadas em 10 compromissos e uma agenda de trabalho, está fluindo melhor com essa agenda do país, sendo mais respeitoso com o tema. 

Diante dessa melhora de clima no governo, e as lideranças empresariais com a pauta LGBT nas empresas, o que você vê de avanço – dito ou feito – nos primeiros meses de 2023?

Só de ter criado uma secretaria para tratar do tema, entregando-a a uma pessoa trans, já fez diferença. Uma das coisas do Fórum é exatamente ajudar na formulação e garantia de políticas públicas, mesmo que ‘afete’ as empresas, mas é um desejo que possa participar dessa promessa, ainda é promessa, de ter mais respeito a pessoas LGBT e mais políticas de acesso à saúde, educação, trabalho, previdência e cidadania. Não é um assunto da vida privada, como antes, estamos falando de cidadania. Ao ter acesso a emprego, ter benefícios que considerem a diversidade. Estamos olhando, participando, para reforçar e apoiar. 

Um exemplo é a inserção do quesito LGBTI+ nas pesquisas do IBGE, nas pesquisas e censo. Mas também queremos ver nas relações de trabalho. Assim como há outros dados no monitoramento – de gênero, população negra, PcDs, faixa etária – que passemos a monitorar esses dados no cadastro de funcionários, relatórios que vão para o governo. As empresas voluntariamente têm inserido essas informações.

Você acredita que a nova gestão, no caso de Lula e seus ministérios, podemos ver a inclusão de mais dados da população LGBT?

A esperança é a última que morre, é uma reivindicação. Sabemos que o Congresso é conversador, não é o fato de existir o Fórum que essas coisas vão mudar. É uma voz que não é só mais do movimento social tradicional falando. Agora são grupos de empresas e grandes marcas também falando a favor desses direitos e sobre políticas públicas para esse grupo.  

Apesar pesquisas de avanços sobre direitos no setor privado, o que se escuta em massa são relatos de discriminação, negação de direitos no emprego e baixa oferta de vagas. Como lidar com isso?

No canal de denúncias das empresas ou no sistema que ela tem para apurar queixas de trabalhadores, nem aparece que a questão é de uma pessoa LGBT+ reclamando. Quem está reclamando e sofrendo essa violência? Sobre o país, olhando de um lugar de um conjunto de empresas comprometidas com o tema, com algum nível de sensibilidade e que desejem caminhar para práticas de respeito à diversidade, vemos que o ambiente empresarial ainda tem relação baseada em preconceito entre fornecedores, consumidores, clientes, além do emprego em si. Não se contrata, se contrata não se trata bem, expulsa, etc. Há uma licença para matar, maltratar, odiar. 

O Fórum defende sanções mais duras para empresas que se negam a contratar pessoas LGBTQIA +?

É uma mudança cultural. A lei, com MP do Trabalho, Justiça do Trabalho, as ferramentas para punir empresas por discrimação do trabalhador. É preciso problematizar, não é visto ainda como problema, e sim como licença – para não contratar ou destratar no ambiente de trabalho. Não é diferente às vezes a postura do Estado. Devemos usar as ferramentas já existentes, com a especificidade das pessoas LGBTI+; vai ser ‘ah, era um homem e agora é uma mulher e quer ser respeitada?’ Sim. Ou, por exemplo, uma mulher casada com outra mulher e quer licença maternidade? Sim. Dê licença para homens e mulheres, casais do mesmo sexo também. Não é preciso criar novas sanções, e sim usar o que já temos.