Emitir uma simples nota fiscal eletrônica de venda em São Paulo exige, no melhor dos casos, mais de 60 cliques e 15 minutos de muita paciência. Caso o documento registre mais de um item, a complexidade aumenta, já que muitos dos cálculos dos impostos devem ser feitos pelo próprio usuário. Essa situação da interface do programa disponibilizado pelo governo estadual é capaz de desestimular o mais entusiasmado dos empreendedores. Felizmente há uma solução. Um grupo crescente de empresas de TI oferece às pequenas e médias empresas soluções de ERP (sigla em inglês para programas de gestão) baratas e, às vezes, até de graça, que permitem emitir nota fiscal facilmente e gerenciar finanças e estoque, entre outros.

Dominado por startups, esse nicho de negócios está atraindo gigantes como a brasileira Totvs e a alemã SAP. Bem-vindos ao mundo da computação em nuvem, no qual há lugar para empresas dos mais diferentes portes. Basta ao usuário fazer um login em qualquer computador ou tablet para ter acesso ao coração da empresa. Essa onda é uma das consequências da disseminação da nota fiscal eletrônica em diversos Estados, emitida via internet, e da popularização do regime MEI (microempreendedor individual), que permitiu a abertura e a formalização de mais de 2,7 milhões de empresas em três anos.

Os pequenos empreendimentos têm um papel importante no mercado de ERPs do Brasil. Esse grupo será responsável por 22% do faturamento de R$ 2 bilhões previsto para este ano. Mais: uma a cada quatro delas já opta por usar a nuvem e o modelo de software como serviço, segundo a consultoria E-Consulting. Nesse modelo, em vez de comprar caras licenças de software, os administradores pagam por uma assinatura mensal. “Começarão a surgir versões gratuitas cada vez mais elaboradas, esse é o caminho natural da tecnologia”, afirma Daniel Domeneghetti, CEO da E-Consulting. Isso na verdade já acontece. A gaúcha Organysis Software, de Bento Gonçalves, oferece o ERP Bling no modelo freemium.

Isso significa que as empresas podem usar uma versão simplificada do sistema gratuitamente. Se quiserem habilitar mais ferramentas, precisam pagar de R$ 25 a R$ 500 por mês. “Em 2009, migramos os usuários do software para a nuvem sem problemas, todos entenderam bem as vantagens”, diz Antônio Nodari, CEO da Organysis, que tem 1.500 clientes pagantes. Um dos fatores que ajudaram nessa migração é a facilidade de atualização do software, que acontece sem o cliente precisar fazer ou pagar nada. A Organysis usa apenas o capital próprio para crescer e diz não ter interesse em receber aportes de fundos de investimento.

No caminho inverso, a catarinense ContaAzul, de Joinville, está aberta ao venture capital. Atualmente com dez mil usuários, a ContaAzul recebeu recursos dos fundos estrangeiros 500 Startups, Monashees, Ribbit, Napkn e Valar, este último controlado por Peter Thiel, o criador do Paypal. Para atrair esse pessoal, Vinicius Roveda, CEO e fundador do ContaAzul, passou uma temporada no Vale do Silício e trouxe na bagagem uma prática da região mais inovadora do mundo. “Antes de focar no equilíbrio da empresa, queremos aprimorar cada vez mais o produto e o atendimento ao cliente”, afirma. Segundo ele, quanto melhor for a interface, menos o suporte é demandado.

“Conseguimos dobrar nossa base de clientes sem precisar aumentar a equipe de atendimento”, diz Roveda, que espera fechar 2014 com 20 mil usuários. Essa filosofia é praticamente oposta à da austera Beta Labs, de São Paulo, criada pelos jovens Felipe Cataldi e Luan Gabellini, ambos de 25 anos, egressos da faculdade de administração da FGV. A empresa, que costuma presentear cada funcionário com o livro Sonho grande, com a história dos fundadores do Banco Garantia, oferece seu programa GestãoJá para pequenas empresas, mas tem como foco as de médio porte. “Nós temos condições de acompanhar o crescimento das empresas”, afirma Cataldi.

“O Gestão Já é uma espécie de vitrine do que a gente é capaz de fazer”. Para Cataldi, o atendimento de muitos pequenos empreendedores não traz lucratividade por exigirem muito suporte técnico. Já os clientes de porte médio são mais atraentes por pedirem soluções personalizadas, o que gera 95% da receita da Beta Labs. Atuar nesse filão intermediário é um desafio e tanto para a empresa de Cataldi, obrigada a concorrer com a paulista Totvs, campeã desse segmento e que por sua vez também está de olho nos pequenos. Através de seu braço de investimentos, o Totvs Ventures, a companhia controlada pelo empresário Laércio Cosentino detém uma participação na ZeroPaper, que oferece um ERP mais focado na gestão financeira dos autônomos e pequenas empresas.

“Em algum momento vamos oferecer ligação com os sistemas Totvs, o que vai facilitar a migração no momento em que os usuários começarem a crescer”, afirma André Macedo, CEO da ZeroPaper. A ZeroPaper oferece uma loja virtual para os clientes comprarem módulos e agregar funções. É possível, por exemplo, adquirir um sistema de emissão de boletos e consulta ao Serasa. “É uma maneira de integrar os dados no ZeroPaper aos serviços de outras empresas”, diz Macedo. Concorrente da Totvs, a alemã SAP também tenta conquistar espaço nessa faixa de clientes por meio do Business One Cloud.

Apesar de ter um preço mais salgado que a média – custa aproximadamente R$ 200 por mês por usuário –, a empresa aponta sua escala global como diferencial. “Uma startup se valoriza quando usa nosso sistema, que pode ser facilmente incorporado ao das empresas maiores”, afirma Sandra Vaz, diretora de ecossistema e canais da SAP América Latina. Para ela, a tendência é de que os ERPs na nuvem também passem a atender empresas de maior porte ainda resistentes à adoção completa do sistema de gestão. “Já temos clientes que faturam R$ 500 milhões por ano pedindo soluções 100% na nuvem.” Ou seja: se depender da diretora da SAP, a nuvem veio para ficar.