Disraeli era um político conservador britânico. Faz tempo. Foi de uma época em que ser conservador não excluía o humor e a inteligência. A ele é atribuída a frase de que “existem apenas três tipos de mentiras: as mentiras, as mentiras deslavadas e as estatísticas”. O mais recente relatório Nielsen sobre consumo de mídia deve ser visto sob esse prisma. Cabe uma ressalva, no entanto, já que o estudo também deve ser consumido pelo que aponta, o fato de que a gente devora mais e mais mídia. E, ao contrário do que o senso comum sugere desde que a televisão dominou os lares de classe média do planeta, a partir da segunda metade do século passado, não é só vídeo que alimenta esse apetite.

O vice-presidente sênior da Nielsen e coordenador do estudo, Peter Katsingris, afirma que os dados revelam um cenário evidente. “Trata-se de quanto tempo os consumidores estão dispostos a gastar tentando encontrar conteúdo adequado”, diz. “Mas a arena pela atenção está muito mais competitiva para a descoberta desses conteúdos.” E essa é a questão. Basicamente, o que as 29 páginas do The Nielsen Total Audience Report trazem (as informações são referentes ao primeiro trimestre de 2019 no mercado americano) é que no prazo de um ano o tempo total destinado ao consumo de mídia cresceu de 11h06 minutos por semana (2018) para 11h27 (neste ano).

Esses 21 minutos a mais representam alta de 3%. O problema, para quem quer atrair a atenção dessa audiência, é que a fragmentação de dispositivos, plataformas, formatos e linguagens ocorreu a taxas muito acima. Por esse motivo é preciso olhar os números com mais mecanismos de aproximação e detalhes. E aí o que se percebe como um dos movimentos mais consistentes é o crescimento do ambiente de voz. Ouvir e falar com assistentes virtuais tornou-se o cotidiano de pessoas que nunca tiveram o rádio como referência (millenials, por exemplo). “É imprescindível sintonizar um pouco mais o universo do áudio”, diz Katsingris.

Isso ajuda a explicar por que entre as atividades mais praticadas por seres humanos que têm algum assistente de voz em dispositivos – como celulares ou em casa – seja conversar com as máquinas. Para 77% deles rola pelo menos um bate-papo semanal com Alexa, Cortana, Google Assistant ou Siri. Sim, aquele cara rindo sozinho no carro ao lado pode estar interagindo com a Siri e não um amiguinho imaginário. Esse percentual supera o número de pessoas usando sistemas de voz para fazer compras on-line ou realizar chamadas e enviar mensagens.

No primeiro trimestre de 2018, de acordo com a pesquisa, 22% das casas americanas tinham algum assistente de voz. Em apenas um ano esse número cresceu 27%. Conversar descompromissadamente com robôs e máquinas pode parecer uma anomalia tecnológica. Mas há, no universo de soluções de áudio, opções classificadas como sérias e mais adequadas.

E aí entram os podcasts. Pelo ranking de julho feito pelo PodTrac, se considerados apenas os dez projetos mais populares nos Estados Unidos, houve 560 milhões de downloads e streamings, para uma audiência única que supera 90 milhões de pessoas. Globalmente. O líder desse ranking é a emissora pública NPR. Os episódios de seus 60 programas de podcasts atraíram mais de 20 milhões de usuários no mês e geraram 141 milhões de downloads e streamings.

A despeito desse poderio sonoro relativamente recente, na prática o que a Nielsen sinaliza não é para o predomínio de um modelo em si, mas para um mosaico de soluções. “Consumidores vivem uma época em que são inundados com anúncios e conteúdos”, diz Katsingris, explicando a miríade de opções que faz com que o planeta consuma mais mídia como um todo e, paradoxalmente, menos de cada segmento. Porque, como afirma o VP da Nielsen, “esses mesmos consumidores estão se conectando a essa fragmentação a taxas incomparáveis.” O resumo da ópera dispensa o tenor e pode ser feito à capela: sim, as pessoas consomem mais mídia, mas cada vez mais de formas diferentes, e até imprevisíveis.