O Embaixador Especial da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas cobra das autoridades brasileiras ações em defesa do campo e adoção de uma narrativa que valorize as conquistas da agricultura sem negar que há problemas ambientais.

Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, de 2003 a 2006, Secretário de Estado da Agricultura e Abastecimento de São Paulo, na década de 1990, e produtor rural, Roberto Rodrigues conhece bem os meandros da política e as dificuldades que o agropecuarista brasileiro enfrenta para ser competitivo no mercado internacional. Com autoridade conferida por anos de carreira, alerta que é hora de o governo punir os criminosos ambientais que mancham a reputação do agronegócio profissional. Se nada for feito, os competidores usarão o maior ativo do Brasil – a sua megabiodiversidade – como argumento contra a produção de commodities agrícolas e o Brasil terá um papel marginal na era da economia verde.

DINHEIRO – No ano passado, o PIB Agro chegou a R$ 2 trilhões, aumento de 24,3% com relação ao ano anterior, mesmo com pandemia. O que esperar de 2021?
ROBERTO RODRIGUES — Em 2020, a pandemia trouxe uma preocupação mundial quanto à segurança alimentar – a capacidade dos Países de alimentar sua população. No Brasil, ainda que o primeiro pico da doença tenha sido no auge da colheita, houve uma organização multissetorial que garantiu a continuidade do agro, permitindo ao País alimentar com segurança e sustentabilidade a uma demanda internacional crescente, sem desabastecer o mercado interno. Vamos entrar na safra 2021/2022 com condições extraordinárias. Os preços das commodities estão em alta, o câmbio favorável às exportações e o produtor muito bem remunerado.

Com números excepcionais, como a previsão de um Valor Bruto de Produção (VBP) de R$ 1 trilhão, há chances do produtor ficar meio iludido? Quais riscos existem?
O primeiro ponto é compreender que esse cenário é excepcional e não se repetirá. A curva de preços está fora do padrão. É preciso enxergar também que a exportação recorde do ano passado, com perspectivas de novo marco histórico na próxima safra, é boa notícia para o produtor nacional, mas é sinônimo de desconforto nos países que concorrem conosco. E isso está provocando uma onda de neoprotecionismo contra o agronegócio nacional.

Em 2020, as exportações do campo chegaram a US$ 100 bilhões. O neoprotecionismo europeu aliado à falta de narrativas em prol do setor é uma ameaça real aos negócios?
Sem dúvida. O maior exempo é o acordo com o Mercosul que foi suspenso após mais de 20 anos de negociações. Como 2021 é ano de eleições em alguns países europeus, e ano que vem também, qualquer novidade sobre o acordo só virá em 2023. Além disso, o bloco já está trabalhando fortemente o Green Deal, uma barreira tarifária contra países e produtos com alto índice de emissão de carbono. Para o futuro, podemos esperar regras perturbadoras de acesso a mercados.

O filme no longo prazo não é bom para o Brasil. Quando essa narrativa começou?
Nos últimos dois anos vimos aumentar exponencialmente o número de ilegalidades na Amazônia e também em outros biomas. Entre elas, incêndio, desmatamento, grilagem e invasão de terras públicas e também indígenas. Tudo isso é usado como argumento pelos nossos concorrentes contra o agro nacional. Não adianta ter uma agricultura sustentável, se a nossa reputação está manchada por criminosos ambientais. Ou seja, para o próximo ano-safra, as expectativas são de uma boa colheita, com preços atrativos, porém com riscos cada vez mais relevantes no mercado global.

“De acordo com a Embrapa, do nosso território inteiro, temos 66% que são cobertos por biomas nativos. Em função do código florestal, cerca de 26% estão nas propriedades rurais” (Crédito:Istock)

O que precisa ser feito?
Precisamos falar a verdade, reconhecer que existem problemas ambientais, atacá-los e punir quem descumpre a lei. O problema do desmatamento ilegal não é do Biden (Joe Biden, presidente americano), nem do Emmanuel Macron (França), é nosso. Temos que resolver. Só assim, seremos reconhecidos pelo outro lado que é real. Somos uma nação eficiente, competitiva e sustentável do ponto de vista do agronegócio. O Brasil é a solução para a segurança alimentar mundial, mas temos que resolver as ilegalidades imediatamente. A questão é que falta vontade política para resolver os problemas ambientais.

A quem compete a solução desse problema?
Ao governo federal.

Qual o gargalo para a solução definitiva?
Nós temos regras, leis, um dos códigos florestais mais rigorosos do mundo. Mas, temos que reconhecer que o governo federal não tem capacidade para resolver esse problema sozinho. É necessária a união das demais esferas governamentais, dos produtores rurais e da iniciativa privada.

O senhor citou que o Brasil é a solução para a segurança alimentar, mas para isso será preciso incrementar a produção de alimentos em 40%. Como fazer isso, sem desmatar terras?
De acordo com a Embrapa, do nosso território inteiro, 9% são ocupados por culturas agrícolas, 21% por pastagens e 66% por biomas nativos. Em função do código florestal, cerca de 26% do total das áreas preservadas estão nas fazendas. Por lei, qualquer produtor da região Sul precisa manter 20% de área nativa, no Cerrado esse percentual sobe para 35% e na Amazônia é de 80%. Hoje temos 130 milhões de áreas de pastagens degradadas que são o grande espaço a ser ocupado pela agricultura. Conseguimos produzir mais sem prejudicar os biomas.

Qual o espaço para ganho de produtividade?
Esse crescimento vertical é importantíssimo. Nos últimos 30 anos, a área plantada com grãos cresceu 74%, e a produção teve uma expansão de 365%, quase cinco vezes mais. Isso aconteceu graças a tecnologia. Em 15 milhões de hectares, dos 65 milhões de cultivo de grãos, temos duas ou até três safras no ano. Isso ninguém no mundo tem. Ou seja, tecnologia, técnicas de agricultura de baixo carbono (ABC), modelos como a Integração Lavoura-Pasto-Floresta (ILPF), e recuperação de áreas devastadas nos permitirão aumentar a produção de alimentos sem derrubar árvores.

Quando o assunto é agricultura sustentável, o que falta para o Brasil entrar no mercado mundial de carbono, que em 2020 movimentou mais de US$ 264 bilhões?
Regulamentação. O agro é sequestrador de carbono, mas é preciso provar. Além de ter regras claras, é preciso credenciar institutos que meçam e certifiquem o processo e façam as transações.

Há iniciativas concretas?
Aqui no Sul, temos o Bonsucro que já certifica e paga, ainda que com valores baixos, as fazendas de cana-de -açúcar que estão alinhadas com práticas ABC. Estamos entrando em um novo tempo em que os produtores poderão se beneficiar de um extra que chega com a economia verde.

Nessa nova economia, o tripé ambiental, social e de governança (ESG, em inglês) tem ganhado relevância. Por que o produtor deve estar em conformidade?
Acesso a capital. O crédito rural do governo tende a diminuir, até a desaparecer. Os títulos verdes e as cooperativas de crédito são grandes alternativas para o financiamento do campo. Neste ano, as cooperativas responderão por quase 20% das transações no País. É um novo cenário.

Os recursos para investimento do Plano Safra 2020/2021 acabaram em novembro.Para o Plano Safra 2021/2022, é possível pensar em mais orçamento?
Uma coisa é fato. O governo federal nunca vai ter todo o dinheiro de que os produtores do campo precisam. Para solucionar esse problema, defendo uma teoria que chamo o quadrado da renda no campo.

“O problema do desmatamento ilegal não é do Biden (Joe Biden, presidente americano), nem do Emmanuel Macron (França), é nosso. Temos que resolver a questão do desmatamento, do uso ilegal de terras” (Crédito:Jim WATSON/AFP)

No que consiste?
O primeiro vértice é o seguro rural, único instrumento de qualquer governo que garante a estabilidade financeira no campo. Mas, no Brasil, não temos nem 10% da agricultura assegurada. E nenhuma empresa fará um seguro sem a tecnologia. Quem tiver tecnologia, terá seguro e terá crédito, porque os bancos terão confiança. Então temos seguro, tecnologia e crédito. Finalmente, entra a garantia. O produtor precisa ter confiança de que, em uma eventualidade, o seguro vai cobrir ao menos os custos de produção.

Quanto ao seguro. Por que uma participação tão baixa no Brasil?
O seguro é caro porque tem pouca gente fazendo seguro; e tem pouco produtor recorrendo ao instrumento, pelo seu alto valor. É o cachorro correndo atrás do rabo. Para romper o círculo vicioso é preciso recursos orçamentários fortes para que o prêmio a ser pago ao produtor seja subsidiado. O seguro tem que funcionar para todos os elos da cadeia. Ele pode ser fundamental para manter a economia de cidades brasileiras inteiras funcionando em caso de uma catástrofe climática, por exemplo.

No mercado internacional, percebemos um fortalecimento do discurso ambiental também de China e Estados Unidos. Quais são os riscos do Brasil nesse contexto?
Joe Biden já mostrou que vai levar os EUA para uma participação mais ativa no Acordo de Paris e na Organização Mundial de Comércio (OMC) o que levará, provavelmente, a uma melhora nas relações deles com a China. O Brasil corre grandes riscos de ver as exportações para os dois países caírem. Mas há um gigantesco mercado potencial para acordos bilaterais ou multilaterais com países relevantes. O xadrez internacional está mais complexo, temos que eliminar os ilegais para fazer parte do jogo.

Qual recado o senhor daria para autoridades públicas com o poder de mudar a reputação do Brasil no cenário global?
É fundamental combater toda e qualquer ilegalidade; investir em tecnologia e educação para gerar ciência; criar uma estrutura logística que garanta competitividade; fazer as reformas de que o Brasil precisa; e avançar nas privatizações. Para isso é preciso vontade política e visão estratégica.