A estatal desenha os planos para depois de 2022, quando os terminais já não estiverem sob o guarda-chuva da empresa

Primeira mulher a exercer o cargo de presidente da Empresa de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), Martha Seillier enfrenta o desafio de convencer o governo federal de que as atividades realizadas pelo órgão vão além da administração de aeroportos. Nessa entrevista à DINHEIRO, a executiva formada em Direito e com pós-graduação em Economia explica a estratégia da estatal para continuar existindo mesmo após a sinalização contrária dada pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes.

Na quarta-feira 8, o ministério divulgou que, além das 22 privatizações previstas na próxima rodada de concessão, irá alienar as participações da Infraero em Guarulhos, Brasília, Galeão e Confins. Segundo Martha, ainda que todos os aeroportos sejam transferidos para a iniciativa privada, o poder público não pode se eximir da infraestrutura aeroportuária. “Existem mais de 500 aeroportos regionais que são ativos importantes para o desempenho do setor, mas recebem pouco investimento do governo”, diz ela.

DINHEIRO – O presidente Jair Bolsonaro sinalizou a intenção de extinguir a Infraero. Qual é a sua visão sobre isso?

MARTHA SEILLIER – A extinção foi citada no início do atual governo no sentido de conceder todos os aeroportos operados pela nossa rede para a iniciativa privada. Na época, a dúvida era sobre qual seria o papel do órgão depois disso. O que a gente tem conversado com o governo e com o próprio ministro de infraestrutura, Tarcísio Gomes, é que a empresa vai continuar desempenhando uma função muito importante no desenvolvimento da infraestrutura nacional. Não adianta apenas privatizar os aeroportos da Infraero se o poder público fechar as portas para o investimento. Temos vários aeroportos regionais que não têm conseguido se desenvolver, que estão carentes de investimento e manutenção. Como é que o governo pode abrir mão da Infraero, que tem forte experiência e dedicação ao setor? É esse reposicionamento que a gente tem reforçado.

DINHEIRO – Na hipótese de os 53 aeroportos operados pela Infraero serem privatizados, o que acontece com os funcionários da estatal?

SEILLIER – Estamos desenvolvendo programas de demissão incentivada. Só neste ano, a gente já disponibilizou 80 vagas desse tipo e abrimos agora mais 700. Outro programa que também temos avançado é o de cessão. Como temos funcionários de diferentes formações e capacidades, incentivamos que eles sejam direcionados para outros órgãos com dificuldades para repor equipes.

“Como é que o governo pode abrir mão da Infraero, que tem forte experiência e dedicação ao setor?” No início do governo, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes, afirmou que o futuro da estatal estaria comprometido após a privatização de todos os aeroportos operados por ele (Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil )

DINHEIRO – Qual é o principal papel social da Infraero como empresa pública?

SEILLIER – A Infraero é uma empresa que processa mais de 80 milhões de passageiros por ano e exerce um papel muito importante em toda a operação de aeroportos, sejam eles grandes, médios ou pequenos. Temos discutido muito sobre o futuro da companhia tendo em vista as concessões de aeroportos. O plano é reposicionar a empresa para que, depois de 2022, ela tenha uma atuação mais estratégica naquilo que o mercado atual não tem tanto interesse. A Infraero voltaria a focar esforços nos locais ainda embrionários e em desenvolvimento. Hoje existem mais de 500 aeroportos regionais que são ativos importantes para o desempenho do setor, mas que recebem pouco investimento. Vamos atuar para que esses aeroportos menores alcancem patamares maiores e se tornem atrativos para a iniciativa privada.

DINHEIRO – E como vai ser a atuação nos aeroportos menores?

SEILLIER – Estamos em contato com empresas aéreas — como a Azul, por exemplo — que têm um perfil de rotas mais regional. Muitas vezes elas questionam se nós não poderíamos operar alguns aeroportos onde há demanda e interesse, mas que a infraestrutura não está adequada. Vários aeroportos brasileiros têm potencial de ofertar voos regulares e um mercado local que justificaria a abertura de rotas, mas a estrutura não comporta, seja por algum problema na pista, sinalização, terminal de passageiros ou a própria operação. Quando você abre voos regulares para cidades que estão com uma matriz econômica enfraquecida, há a possibilidade de atrair mais indústrias e serviços. Há muito trabalho a ser feito com infraestrutura por parte do governo.

DINHEIRO – Então o modelo de concessão por blocos é a melhor alternativa para desenvolver os aeroportos de menor porte?

SEILLIER – Esse modelo foi uma evolução. Foi uma solução bem-vinda diante da dificuldade de conseguir desenvolver infraestrutura aeroportuária nos terminais menores.

DINHEIRO – Há tempos o governo discute a intenção de construir um terceiro aeroporto em São Paulo. Você acredita que há uma saturação?

SEILLIER – Esse é um trabalho que é feito pela Secretaria de Aviação Civil. Mas de fato há uma discussão sobre avaliar o crescimento da demanda em São Paulo tendo em vista que Congonhas está com operações limitadas e com dificuldades para crescer. Existem também algumas exigências contratuais no aeroporto de Guarulhos que não impedem a construção de uma nova pista. A grande dúvida é o que fazer depois que esses dois aeroportos tiverem saturados. É lógico que existe a opção de Campinas, com uma infraestrutura que ainda pode ser utilizada, mas, por ser um pouco distante, ainda se justificaria ter mais um aeroporto em São Paulo. Isso é algo que precisa ser discutido nos estudos de planejamento do setor.

DINHEIRO – De que forma a suspensão do leilão da Avianca na última semana impacta no futuro da companhia?

SEILLIER – A gente tem acompanhado de perto a questão da Avianca, mas pelas operações dos nossos aeroportos. É algo bem indesejável, não apenas pela questão financeira que a companhia tem enfrentado, mas também devido ao mercado de aviação civil que fica cada vez mais concentrado no Brasil. Hoje temos apenas quatro empresas relevantes atuando no setor. A saída da Avianca só intensifica essa concentração que não é benéfica para os passageiros. Na prática, já temos observado o aumento do preço dos bilhetes por uma questão óbvia de oferta e demanda.

DINHEIRO – A decisão do governo federal de retirar as barreiras para a entrada de capital estrangeiro no setor pode ajudar?

SEILLIER – Acho que o governo federal fez muito bem em encaminhar essa MP para o Congresso. Hoje, ela se mostra ainda mais importante porque temos o contexto do fechamento de uma companhia aérea importante para o País. Ou seja, é uma porta de entrada no mercado, antes muito fechado, para que outras empresas possam olhar para o Brasil. Temos apoiado essa medida provisória.

DINHEIRO – Existe espaço para a entrada de novas companhias?

SEILLIER – Com certeza. Em países como os Estados Unidos, por exemplo, há uma grande quantidade de empresas aéreas atuando juntas. O nosso mercado realmente está muito concentrado. Se você considerar que uma nova companhia teria prioridade na locação dos slots do aeroporto de Congonhas em relação às empresas que já atuam no mercado local… só isso já é um atrativo importante. Ela conseguiria trabalhar nos aeroportos menores, que não estão bem atendidos, mas também entrar em uma infraestrutura muito disputada, como Congonhas.

DINHEIRO – A Infraero conseguiu reduzir parte do seu prejuízo nos últimos anos. A operação financeira da empresa é sustentável atualmente?

SEILLIER – Há vários anos, o órgão tem feito um grande esforço de redução de custos e de incremento das receitas. Tudo isso gerou uma redução relevante do prejuízo. O balanço deste ano foi importante e com resultados positivos. Hoje, as nossas receitas superam as nossas despesas, mas ainda recebemos recursos do governo para conseguir investir em infraestrutura, expansão e obras. O patrimônio e os aeroportos não são da Infraero, são da União.

“O governo fez muito bem em permitir que empresas estrangeiras venham com recursos de fora para operar no Brasil” Segundo Martha, a flexibilidade é relevante para um cenário fortemente concentrado, especialmente depois dos problemas da Avianca (Crédito:Bruno Rocha /Fotoarena/Folhapress)

DINHEIRO – Quais foram as principais ações desde que assumiu o cargo e que foram relevantes para atingir esses resultados?

SEILLIER – A primeira e mais importante foi a revisão do plano estratégico da empresa alinhado com o planejamento do governo federal para o setor. Antes, a Infraero trabalhava em uma estratégia de abertura de capital e de venda de participação minoritária, o que é bem diferente da atual proposta de transferir 100% dos aeroportos para a iniciativa privada. Foi importante rever tudo isso no sentido de entender a política pública e se adequar a ela. Nós temos três grandes nortes. O primeiro deles é manter a estabilidade econômica e continuar nesse esforço de racionalizar custos. O segundo é garantir que todos os aeroportos da nossa rede sejam operados com excelência e segurança. O terceiro é garantir que as transições aconteçam de maneira suave para os nossos funcionários.

DINHEIRO – Quais são seus planos até o fim do seu mandato?

SEILLIER – Fizemos uma listagem com todos os investimentos importantes por parte da Infraero. A segurança é a nossa prioridade número um. Em segundo lugar, finalizar as obras que estão em curso. Afinal, obra paralisada é o pior investimento que existe. E, finalmente, a expansão de terminais críticos. Para este ano, priorizamos a expansão de Montes Claros (MG), Uberlândia (MG), Foz do Iguaçu (PR), Campo Grande (MS) e Navegantes (SC). É claro que nós gostaríamos de fazer muito mais, mas com o orçamento que temos, e com as prioridades que desenhamos, é isso o que estamos focando em 2019.