As palavras são insuficientes para descrever a tragédia material, cultural e histórica provocada pelo incêndio que destruiu o Museu Nacional na noite do domingo, 2 de setembro. Um acervo estimado em 20 milhões de itens, em sua maioria insubstituíveis, perdeu-se. Não só isso, um edifício de enorme importância pode ter sido danificado além da recuperação. Antes de sediar o museu, o prédio foi o Palácio Imperial Brasileiro. D. Pedro II nasceu lá. Em seus jardins brincaram as crianças da Família Imperial e nos seus salões costurou-se a política do Império que, com todos os erros, conseguiu manter a unidade territorial brasileira após a Independência. Agora, boa parte desse passado esvaiu-se em fumaça.

O incêndio do Museu Nacional foi o mais trágico de uma série de eventos semelhantes. Vamos listar alguns. Em 1978, o Museu de Arte Moderna no Rio incendiou-se, destruindo cerca de 200 obras, entre elas telas de Pablo Picasso e Salvador Dalí. A causa provável foi um curto-circuito em uma rede elétrica de manutenção deficiente. A repercussão foi tão ruim que levou quase uma década para o Brasil voltar a receber exposições internacionais relevantes, e os seguros ficaram muito mais caros. Os museus de fora simplesmente temiam deixar suas coleções nos congêneres brasileiros.

A destruição acelerou-se nos últimos anos. Em 2008, o Teatro Cultura Artística, no centro de São Paulo, pegou fogo. Está fechado até hoje. O ano de 2013 foi quente. Em janeiro incendiou-se o Museu de Ciências Naturais da Pontifícia Universidade Católica de Minas. Em maio, as chamas no Instituto Butantã, em São Paulo, destruíram um acervo de cerca de 70 mil espécimes de répteis, insetos e aracnídeos. E, em novembro, foi a vez do Memorial da América Latina.

No ano seguinte, as obras abrigadas no histórico Liceu de Artes e Ofícios, fundado em 1830, transformaram-se em carvão. Em 2015, os bombeiros visitaram o Museu da Língua Portuguesa. Felizmente, como o acervo era majoritariamente virtual, foi possível reduzir as perdas, apesar de o edifício histórico da Estação da Luz ter sido muito danificado. Em 2016, a Cinemateca Brasileira viu 270 títulos, entre cinejornais, curta-metragens e longas, desaparecerem de forma definitiva. Não havia cópias de segurança.

Enquanto os bombeiros ainda fazem o trabalho de rescaldo na Quinta da Boa Vista, a opinião pública busca culpados. Há vários suspeitos habituais. O principal deles é o governo, com seus cortes de custos no lugar errado e sua costumeira desídia com relação ao patrimônio cultural e ambiental brasileiro. Também é possível culpar a legislação, que torna quase impossível para as empresas patrocinar museus. No entanto, há outras causas.

Fora do Brasil há museus que são atrações em si mesmos, como o parisiense Louvre. No entanto, pensemos em um menos conhecido, a Galeria Nacional, em Washington. Ela não tem apenas obras de primeira linha, segurança, uma boa loja de lembranças e um restaurante de qualidade a preços acessíveis. Ela tem algo que falta aos museus brasileiros: visitantes. A maioria dos turistas que visita a capital americana vai à Galeria. Crianças e adultos contemplam obras que viram nas salas de aula e cuja história e importância já estudaram. Visitar museu não é obrigação, é diversão.

No Brasil ocorre o inverso. Uma estatística chamou a atenção no meio das chamas. Em 2017, enquanto o Museu Nacional recebeu 192 mil visitantes, 289 mil brasileiros giraram as catracas do Louvre, apesar de Paris ser bem mais longe que a Quinta da Boa Vista. Apagadas as chamas, a práxis brasileira é bem conhecida. Depois de ignorar a existência de seus museus, a opinião pública lamenta sua destruição e busca culpados. De quem é a culpa? É nossa. Não prestigiamos os museus brasileiros com uma visita, nem exigimos que nossos governantes tenham um mínimo de responsabilidade com a história neles preservada. Agora, não adianta chorar sobre as cinzas.