O ministro Herman Benjamin, relator no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do processo que pede a cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, disse ao jornal O Estado de S. Paulo, em entrevista na última terça-feira, em Brasília, que não se importa “nem um pouco” se o seu voto não for acompanhado pela maioria dos sete juízes do tribunal, “desde que as regras do jogo sejam republicanas”. E acrescentou: “O que é inadmissível, e aí realmente eu não aceito, é que o argumento poderoso dos fatos seja derrotado por fundamentos que não têm sustentação, exceto no jogo do poder. Porque isso descaracteriza o estado de Direito”.

Nesta quarta-feira, 22, o ministro liberou para o colegiado do TSE seu relatório parcial, com quase 1 mil páginas. É parcial porque se antecipa às alegações finais das partes. Quando as tiver, provavelmente ainda nesta semana – o prazo é de dois dias -, ele acrescentará mais algumas páginas contemplando essas arguições. Benjamin, que também é ministro do STJ, estima entregar seu voto até a metade de abril. Então, caberá ao presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, marcar a data do julgamento.

O foco da entrevista foi, principalmente, a reforma político-eleitoral. “Essa é a reforma mais importante de todas”, disse. Ele afirmou, também, que a perda de confiança na Justiça Eleitoral “pode levar a uma situação de violência”.

Por que o relatório parcial é tão grande?

Só de testemunhas são mais de 50. O relatório tem de descrever o mínimo para que os meus colegas tenham os elementos de convencimento inicial. É um mapa da mina.

Qual é o tom do relatório?

É descritivo, absolutamente objetivo. Com muitas transcrições daquilo que é mais relevante. É o contexto. O relatório é para informar. O voto é para analisar e convencer.

A leitura já leva a uma conclusão sobre o seu voto?

Tive a preocupação de evitar prejulgar.

Não parece já estar claro que o sr. vai pedir a cassação dos dois (Michel Temer e Dilma Rousseff)?

Não se precipite. Não falo sobre o conteúdo do processo, investigados, as provas e depoimentos, nem antecipo minha posição quanto ao julgamento em si. São três grandes questões: a primeira é a da cassação; a segunda, a cisão presidente e vice; e a terceira, a inelegibilidade. Tudo vai começar e terminar com as provas. Claro que sobre a cisão há uma jurisprudência sólida no tribunal (pela indivisibilidade). Mas, por trás da jurisprudência, tem os pré-requisitos, que são os elementos de prova. Não é fácil.

Qual seria o resultado se o julgamento fosse hoje?

É absolutamente imprevisível. Porque tudo depende da disposição dos ministros em relação às provas que estão lá.

O sr. está contando que o seu voto seja acompanhado pela maioria do tribunal?

Não. Eu sou um juiz de colegiado. Não me importo nem um pouco de perder, desde que as regras do jogo sejam republicanas. Em outras palavras, as teses que eu defendo não são absolutas. A avaliação que eu venha a fazer das provas não é infalível. E, portanto, um voto por mim redigido está perfeitamente em condições de ser derrotado pelos defeitos próprios da natureza humana, que não é perfeita. Agora, o que é inadmissível, e aí realmente eu não aceito, é que o argumento poderoso dos fatos seja derrotado por fundamentos que não têm sustentação, exceto no jogo do poder. Porque isso descaracteriza o estado de Direito.

Qual é a sua preocupação com a estabilidade do País diante da hipótese de que o presidente Temer seja cassado, saia, e tenha uma eleição indireta?

É importante entender que a felicidade do povo é proporcional à quantidade de corrupção que existe no país. Peguemos o exemplo dos países escandinavos. Estão no topo dos menos corruptos, e ao mesmo tempo no topo dos países em que seus cidadãos se sentem os mais felizes do mundo. Nós temos de ter a compreensão de que práticas que desvirtuam a seriedade e a credibilidade do estado de Direito contribuem diretamente para a nossa infelicidade, como povo, como família, como indivíduo.

Dentro de pouco tempo o presidente Temer vai substituir dois ministros do TSE. Isso pode trazer alguma alteração neste processo que o sr. está relatando?

Sinceramente, não sei.

O sr. não tem receio de que um voto seu pela cassação do presidente Temer, hipoteticamente falando, traga algum estremecimento ao País?

Primeiro, eu não sei se meu voto será pela cassação. Mas eu acredito que o Brasil está mais do que preparado para receber qualquer julgamento do TSE baseado em fatos. Nós temos de acabar com a ideia de que a Constituição de 1988 foi feita por e para extraterrestres, e não por e para brasileiros. Ela dá o marco do que é sustentável. Crise é violar a Constituição. Porque se nós destruirmos a Constituição, não fica nada.

E a questão da estabilidade econômica, que parece ter uma luz no fim do túnel?

Não é possível crescimento sustentável, duradouro, em uma sociedade que tem a corrupção como um fato natural. Isso acaba se refletindo no próprio sistema eleitoral, porque o desacredita. Sem eleições livres e democráticas, da mesma forma que sem Justiça, nós não temos estado de Direito. Portanto, não há como pensar apenas a curto prazo. O mal do Brasil é querer resolver os seus problemas de largo prazo com um enfoque a curto prazo. Não conseguimos aprender com nossos equívocos, e achamos que apurar ilicitudes no processo eleitoral pode causar distúrbios.

E não é o caso?

A maior perturbação social virá da descrença no processo eleitoral, e na própria Justiça. Quando as pessoas não acreditarem mais nem no processo eleitoral, nem na Justiça, aí, sim, nós alcançaremos o fundo do poço com consequências absolutamente imprevisíveis, e talvez até violentas.

O sr. espera que qualquer resultado seja encarado com naturalidade?

O Brasil só revolverá seus problemas quando, em primeiro lugar, processos como esses não sejam considerados um ponto fora da curva, mas encarados com naturalidade. Isso tem a ver com a própria reforma político-eleitoral que o Congresso tem de fazer.

Estão em andamento, a trancos e barrancos, as da Previdência, a trabalhista, e a tributária.

As três são relevantes, mas a mais importante, porque é a mãe das reformas, é a político-eleitoral. O STF já tratou de um dos problemas – o financiamento empresarial. Um dos outros é o sistema de composições eleitorais, as coalizões sem pé nem cabeça.

Qual é a causa, aí?

Se não há a cola ideológica para juntar partidos, algum outro fator está propiciando essa junção. As coalizões são, normalmente, em torno de princípios. Mas, quando você vê óleo e água se juntando, é porque alguma coisa além da lógica está servindo de grude.

E a questão do número de partidos?

No Brasil vivemos a febre de que cada um quer ter um partido para chamar de seu. Acontece que sem o conteúdo ideológico os partidos são descaracterizados, e deixam de cumprir a sua função constitucional. Eles só existem, e são financiados por todos os brasileiros, na medida em que agreguem diversidade ao debate ideológico no País. Se não agregam, não há ética na negociação. Os próprios parlamentares e quadros partidários afirmam isso.

Qual é a consequência?

Há um mercado persa para as alianças, para venda do tempo de televisão. Porque o tempo de televisão não é gratuito. É para o partido, mas é um custo elevadíssimo para o contribuinte. Essas negociatas estão sendo feitas com o chapéu alheio.

Qual é o seu estado de espírito diante desse processo tão relevante e tão delicado?

Muito cansado.

Doido para se livrar disso?

Não digo me livrar. Mas cumprir a minha missão, e voltar ao cotidiano dos processos que realmente me dão prazer. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.