Segunda maior empresa global de alimentos, a JBS prefere agir a reclamar do governo federal pela ausência de políticas públicas ambientais.

Em meio a discussões em torno do aumento das queimadas na maior floresta tropical do planeta, a JBS decidiu criar o programa Juntos pela Amazônia. O projeto consiste em um conjunto de ações para garantir a preservação do bioma, por meio da criação de um fundo financeiro que poderá chegar a R$ 1 bilhão até 2030. Nos primeiros cinco anos, serão aportados R$ 250 milhões em programas para o desenvolvimento sustentável da região. “É hora de assumir nossa responsabilidade como agente transformador da sociedade”, disse o CEO da JBS, Gilberto Tomazoni.
“As pessoas esperam isso da gente.” Além disso, a companhia pretende aumentar o monitoramento para garantir que toda a cadeia produtiva seja 100% livre de desmatamento. Atualmente, a companhia garante o rastreamento de 50 mil fornecedores diretos e, até 2025, não irá mais comprar de quem não assegurar que o fornecedor indireto também garante a preservação ambiental. O próximo passo será olhar para o Pantanal. Tomazoni afirmou, ainda, que a recente alta de alimentos está relacionada à valorização do dólar e ao aumento da demanda pela China. Mas ele acredita que, a médio prazo, os preços se regularizarão. “Não vejo chance de desabastecimento”, disse o CEO.

DINHEIRO – Em um cenário pós-pandemia, como a questão da preservação ambiental será encarada pela companhia?
GILBERTO TOMAZONI – Temos um grande desafio, que é alimentar as pessoas, em um cenário em que teremos 10 bilhões de habitantes no mundo, em 2050. E quando a gente vê esse contexto de mudança climática, esse grande desafio fica ainda maior.

Por quê?
Não basta só alimentar. Temos de alimentar de maneira sustentável. A mudança climática é um desafio enorme para a humanidade. Se nada for feito, o impacto será terrível na população. Tivemos aprendizados importantes durante a pandemia. E vimos que prioridades da população trocaram de posições. Os consumidores querem que as empresas assumam seus papéis nessa transformação da sociedade. Doamos, globalmente, R$ 700 milhões, sendo R$ 400 milhões no Brasil, em ações para fazer frente à pandemia. E dentro desses recursos no País, a gente fez doações para a saúde, construímos hospitais, doamos ambulâncias, mais de 550 mil cestas básicas. A gente viu o quanto pode ajudar. Se a gente se envolve, consegue fazer uma transformação que nem sabia que era capaz de realizar.

Mas doações são sempre paliativos, não?
Agora, então, temos de gerar empregos e nos unimos a milhões de vozes que vêm alertando o mundo sobre o aquecimento global. É uma ação que não dá para fazer sozinho. O que vamos fazer nesta próxima década vai afetar muito o futuro das próximas gerações. Mas a questão da sustentabilidade na JBS não começou hoje. Temos mais de 10 anos com o compromisso de desmatamento zero.

“Temos um grade desafio, que é alimentar as pessoas, num cenário em que teremos 10 bilhões de habitantes no mundo, em 2050” (Crédito:Rogério Galasse)

E o que a JBS pretende fazer para garantir esse desmatamento zero?
No Brasil, a Amazônia é o grande desafio. Temos de garantir que toda nossa cadeia de suprimentos não desmate. Para que isso seja uma realidade, a gente monitora 100% dos nossos fornecedores diretos. São 50 mil fornecedores. E a gente monitora, por meio de imagens de satélite, mais de 45 milhões de hectares, o que representa uma área maior do que a Alemanha. Isso é um enorme trabalho preventivo. E temos auditoria, com 100% de compliance.

Quais efeitos práticos?
Temos 9 mil fornecedores bloqueados, porque estão em área de desmatamento, vêm de uma região de produção em área de reserva ou porque ocupam terras indígenas. Isso já está feito. Agora, lançamos um sistema baseado em blockchain que vai permitir que a gente seja mais agressivo. Com essa plataforma, estamos expandindo nosso monitoramento, não só com o fornecedor direto, mas também com os fornecedores dos nossos fornecedores. Tem o que cria o bezerro, o que recria e o que engorda. Mas agora vamos expandir o controle, para garantir que nossos produtos não venham de área desmatada. Isso é um grande avanço.

Quando o senhor acredita que essa plataforma ficará pronta?
Até dezembro. Porém, precisamos dos dados dos fornecedores e do resto da cadeia, para que a gente possa monitorar. É um trabalho de convencimento, que leva tempo. Uma mudança cultural. A Plataforma Verde, como estamos chamando, estará em funcionamento até 2025, mas acredito que é possível conseguir antes. O fornecedor da JBS que, em cinco anos, não tiver passado todas as informações, não irá mais vender para a empresa. Isso é outro grande avanço. Mas vamos além disso. Vamos ajudar na recuperação da floresta e desenvolver as comunidades que lá vivem.

E como será essa ação?
Decidimos criar um fundo, trazer gente que conhece, para nos ajudar a identificar os melhores projetos para o desenvolvimento do bioma. Seguramente, vamos impactar as pessoas. Tem muita gente que quer contribuir e não sabe como ajudar a Amazônia. Por isso, decidimos criar o Fundo JBS pela Amazônia, para que todos possam contribuir. A governança é independente da companhia. A gestora do fundo vai ser a Joanita Karoleski (que no início do ano deixou a presidência da Seara Alimentos, que pertence ao grupo). Eu já estava orgulhoso com o que estávamos fazendo em relação a ações humanitárias de combate à Covid-19. Agora, vamos fazer história e ser referência nessa questão do meio ambiente.

Por que é tão difícil rastrear o fornecedor indireto?
A grande questão é que essa cadeia não é integrada. E o GTA (Guia de Transporte Animal) não é um documento público. Foi desenvolvido pelo Ministério da Agricultura com fins sanitários. E essa informação não é passada. Não sabemos qual é o universo de indiretos e é isso que queremos descobrir. Mas isso só é possível com tecnologia. O nosso sistema blockchain dá transparência e garante a integridade dos dados.

Uma ação importante como essa da JBS não mostra que as empresas precisam tomar à frente quanto a políticas ambientais que deveriam ser responsabilidade do governo?
Todos nós vamos ter de resolver. O governo terá de fazer sua parte, assim como empresas e a sociedade. É uma união de forças. Só assim conseguiremos dar uma resposta adequada ao problema e que afeta, de uma maneira geral, a imagem do Brasil no mundo. Precisamos nos unir para dar conta disso. Em vez de cobrar, vamos propor soluções. Na questão ambiental, não podemos mais ficar esperando. Temos de sair da intenção para a ação. A ideia é ter R$ 1 bilhão no fundo, até 2030. Nos primeiros cinco anos, vamos garantir R$ 250 milhões. E vamos colocando mais, à medida que outros forem contribuindo. O fim das contas de tudo isso é não ter desmatamento na Amazônia.

“A ideia é ter R$ 1 bilhão no fundo até 2030. O fim de tudo isso é não ter desmatamento na Amazônia” (Crédito:Istock)

Dá para reverter a imagem ruim que o Brasil ficou com investidores estrangeiros por causa da má reputação do País em relação ao meio ambiente?
Nossas ações não são uma reação a isso. Estamos investindo no bioma por acreditar que vamos reduzir as emissões de carbono. Esse é um problema sistêmico. Vamos fazer o que acreditamos, com visão de longo prazo. As pessoas querem trabalhar em empresas que tenham um propósito claro, que atendam àquilo em que elas acreditam. Estamos fazendo o que acreditamos ser o certo.

Além da Amazônia, as atenções e as preocupações também têm sido direcionadas ao Pantanal. Há alguma ação para esse bioma?
É um bioma superimportante, mas agora priorizamos a Amazônia. Não dá para fazer tudo de uma vez. Estamos avaliando quais iniciativas poderemos adotar no Pantanal no futuro, mas não podemos abraçar o mundo agora. O aprendizado que certamente teremos na Amazônia podemos levar para outros biomas.

Os concorrentes também serão inseridos?
É um programa para todos. Não há concorrência nesse caso, quando falamos de preservação. As portas estão abertas a todos. Vamos fazer acontecer. E não apenas com discurso. Com ações.

Qual sua avaliação sobre o momento de alta dos alimentos, principalmente os da cesta básica?
Falando da cadeia na qual atuo, são dois fatores: o aumento da demanda internacional por causa da China e a valorização do dólar. Essas questões, em médio prazo, se regularizam. Tem a ver com a oferta e a demanda. A produção vem aumentando. Não vejo chance de desabastecimento. Sempre priorizamos o mercado interno.

Como a JBS sairá dessa crise?
Já geramos 15 mil novos empregos durante a pandemia. Isso aconteceu porque adaptamos nossos produtos à demanda e lançamos novos. Estamos
otimistas, mas estamos tristes com o momento que o Brasil vive pela Covid-19. A JBS tem feito tudo o que pode para cumprir seu papel neste momento. É hora de assumir nossa responsabilidade como agente transformador da sociedade. E as pessoas esperam isso da gente.