Em um governo de coalização, como o presidencialismo que vivemos, é normal que o presidente precise fazer ajustes na cúpula do governo para agradar aliados e evitar o completo engessamento da capacidade de governar. Não seria diferente com Jair Bolsonaro. A lógica perversa disso tudo é que, quanto maior o problema, maior a barganha. Em seus dois anos e meio de mandato, o capitão reformado já precisou realizar 26 importantes mudanças entre ministros e secretários, número muito superior aos períodos mais problemáticos de seus antecessores Michel Temer (18), Dilma Rousseff (20), Luis Inácio Lula da Silva (11) e Fernando Henrique Cardoso (8). Mas as mudanças na alta cúpula do governo não devem parar nos atuais 26. No início de junho aliados do presidente no Senado teriam se reunido com Bolsonaro para pressionar por novos cargos. As Pastas na mira seriam a Casa Civil, Meio Ambiente e Turismo, e o argumento é bastante sensível ao chefe do Executivo, já que renderia apoio na campanha à reeleição, fortaleceria aprovações do governo no Congresso Nacional e poderia amenizar o impacto da CPI da Covid-19.

Há ainda uma atenção especial ao ministério das Comunicações, principalmente com a proximidade do leilão do 5G. Um dos aliados do governo no Senado, que falou com a reportagem sob condição de anonimato, disse ter participado do encontro com o presidente e que a busca por cargos não tem fins fisiológicos, mas políticos. “O presidente tem um time hoje com uma capacidade limitada de articulação no Congresso, e se ele quer avançar nas pautas, precisa melhorar este diálogo”, disse. A maior parte da pressão recai no atual chefe da Casa Civil, o general da reserva Luiz Eduardo Ramos, que tem sido fiel escudeiro do presidente Bolsonaro.

No caso do ministro Ricardo Salles, que chefia o Meio Ambiente, a pressão se apoia na promessa de uma melhora substancial nas relações diplomáticas e de imagem do Brasil. Além disso, aliados do presidente teriam alertado Bolsonaro que as investigações em curso da Polícia Federal sobre atuação de agentes públicos para favorecer madeireiras ainda irão piorar bastante, deixando o presidente exposto ao eventual envolvimento de Salles. Há alguns meses Bolsonaro chegou a defender publicamente Salles das acusações, mas tal posicionamento pode ferir a imagem do presidente a depender do rumo das investigações. O ministro do Meio Ambiente também tem sido um problema para as relações exteriores do Brasil, já que a condução da proteção ambiental já foi alvo de críticas de países como Alemanha, Estados Unidos, França, e Reino Unido.

Sem grandes aparições, o ministro do Turismo, Gilson Machado, é um dos palacianos que menos dão trabalho para Bolsonaro. Ele tem perfil discreto, é pouco afeito a entrevistas e faz aparições esporádicas em eventos específicos. O interesse do Congresso em sua vaga tem relação direta com a eleição de 2022, já que a pasta consegue levar recursos direto para as cidades e fortalecer as bases eleitorais dos deputados e, consequentemente, do presidente. O problema, nesse caso, é que Machado foi uma escolha pessoal de Bolsonaro, que não tem se mostrado aberto a negociar tal cargo.

SOB SUSPEITA Ação da Polícia Federal contra a extração e venda ilegal de madeira no Nordeste e no Norte do País coloca o ministro Ricardo Salles como investigado por favorecer madeireiras. (Crédito:Divulgação)

SENADO Com a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 instalada no Senado, os parlamentares da Casa encontraram o argumento para dizer que o governo precisa ter uma interlocução maior com os congressistas. Enquanto a Câmara se mostra mais aberta a negociações com as propostas do presidente, o Senado ainda é um mistério. Ao assumir um ministério como o da Casa Civil, essa tensão se dissiparia, pelo menos é o que acreditam os aliados. Hoje, a Câmara tem cinco deputados espalhados nos ministérios e o Senado não possui nenhum representante.

Entre os assessores de Bolsonaro não há qualquer sinalização de que uma troca deva ocorrer agora, mas nenhum deles descarta mudanças. Como Machado e o general Ramos possuem laços mais estreitos com o presidente, Salles seria o nome mais passível de uma alteração no médio prazo, mas sem datas previstas.

Luiz Carlos Recchin, consultor político que atua há 22 anos no Senado e auxiliou nomes como Renan Calheiros, Jaques Wagner, Jader Barbalho e Romero Jucá, entende que falta interlocução entre o governo e a Casa. “Há uma expectativa que o ministro da Casa Civil faça esse jogo de modo mais ágil, mas não é o que acontece”, disse. Outra reclamação é que o caminho contrário também tem sido tratado com desdém. “As demandas que surgem do Senado não chegam com a velocidade que deveriam ao presidente, esse é um erro de comunicação grave”, afirmou. Tradicionalmente, a Casa Civil é uma das Pastas de maior relevância dentro de um governo, tanto pela capacidade de implementação de projetos quanto pela proximidade com o presidente. “Esse cargo, geralmente, é ocupado por uma espécie de primeiro ministro, um conselheiro pessoal do chefe da República”, disse Rechhin.

E é por esta razão que talvez a saída do general não seja assim tão óbvia. Encontrar um nome de confiança para um presidente com mania de perseguição não será tarefa fácil, principalmente porque há receio do governo de mostrar fragilidade em seu núcleo mais próximo, já que este posto teve três ocupantes no mandato de Bolsonaro (Onyx Lorenzoni, que hoje é ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência e Walter Braga Netto, que agora chefia a Defesa). Mas não importa quanto Bolsonaro relute, a lógica perversa do presidencialismo de coalizão seguirá colocando seus ministros na linha de tiro.