O mercado brasileiro de instrumentos musicais, principalmente os de corda e elétricos como guitarras e contrabaixos, é dominado pelas importações (cerca de 90% dos itens no mercado) e apresentou queda de 80% nos últimos cinco anos, segundo dados da Associação Nacional da Indústria da Música (Anafima). O cenário, à primeira vista, sinaliza um segmento desafinado do ponto de vista econômico. Mas também é uma oportunidade para empreendedores que investem em negócios com o foco no conserto, manutenção, personalização e fabricação sob medida de instrumentos musicais – as chamadas luterias.

“Eu faço parte da mudança de paradigma em que as pessoas estão se voltando ao pequeno e à comunidade. Ganhamos com os detalhes que uma fábrica não consegue proporcionar. Por isso, à revelia das crises, este é um mercado que vem crescendo e ganha em cultura e conhecimento”, acredita o luthier e criador da marca Caracik Guitars, Lucas Caracik.

Para o presidente da Anafima, Daniel Neves, a luteria é um segmento que atua à margem do mercado de importação e ganha cada vez mais destaque justamente pelo valor agregado da customização e qualidade dos instrumentos construídos por pequenas fábricas e luthiers – são cerca de 700 em atividade.

O valor anual que o setor movimenta é de, aproximadamente, R$ 9,8 milhões, cerca de 10% de todo o mercado de instrumentos. “Neste valor estão contemplados violinos, guitarras, baixos, cavaquinhos, banjos, baterias e instrumentos conhecidos como handmade, que são os amplificadores e pedais elétricos. A qualidade dessa produção nacional é muito grande. Raramente um violonista clássico compra um violão pronto, por exemplo”, destaca Neves.

Para o professor da pós-graduação em gestão estratégica da inovação e competitividade da FAAP, José Sarkis Arakelian, o segmento é promissor e rentável. “A ‘singularização’ ganha valor atualmente, porque no ambiente digital estamos perdendo essa referência. A customização é uma realidade promissora. Neste segmento, restauração e conserto fogem da escala de preço praticada porque existe, geralmente, uma carga emocional em cima do objeto.”

Outro fator importante que impulsiona o mercado é a longa durabilidade do produto. Esse fato, em tempos de crise, reforça a opção pela reforma do instrumento, em vez da compra de um novo.

Escolha

Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Lucas Caracik iniciou sua história como luthier no segundo ano de faculdade, quando se matriculou em um curso da área. Pouco tempo depois, em 2012, abriu a sua primeira oficina na cidade de São Paulo e passou a se especializar ainda mais, estudando com luthiers de fora do Estado e até com um dos principais nomes internacionais, o luthier norte-americano Robert O’Brien.

“Além do conserto e manutenção, também comecei a desenvolver instrumentos com desenhos próprios. Gosto de ressaltar que não sou uma custom shop (não faz customização)”, afirma Caracik.

Seu principal plano agora é o fortalecimento da marca Caracik Guitars. Mas, para manter a sustentabilidade do negócio, o luthier também investiu na criação de cursos, que têm dois formatos principais. No intensivo, o aluno aprende todo o conteúdo em cinco dias e o termina com um instrumento em mãos, fabricado por ele sob tutoria de Caracik (o valor é de R$ 3.800, com a inclusão de todo o material utilizado). O outro formato é o extensivo, com duas horas de aula por semana no valor de R$ 400 mensais com apenas dois alunos por turma.

Após ser demitido da empresa em que atuou por dez anos, Renato Beolchi transformou o hobby em luteria em negócio, com a abertura da Major Tone Guitars, em 2017. Uma marca do seu trabalho é a construção de guitarras no modelo cigar box, feitas a partir de uma caixa de charuto.

“Comecei atendendo os clientes em casa, no fim de 2016. Mas, em setembro do ano passado, me instalei dentro de um estúdio de gravação. Foi um ótimo negócio, pois além do aumento de fluxo de trabalho eu adquiri um público qualificado”, conta. Além do modelo cigar box, Beolchi também constrói outros estilos e, atualmente, se dedica a “projetos desafiadores” do ponto de vista comercial e publicitário para fortalecer a marca.

“Abri mão da construção pela construção. Acabei de fabricar um contrabaixo a partir de uma foto. Isso representa não só o desafio do aprendizado e crescimento profissional, mas o potencial que isso tem para valorizar a minha marca. Abre a possibilidade para outros projetos parecidos. A seletividade me traz a possibilidade de negociar preços mais sustentáveis.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.