Votar na Califórnia não se resume a escolher entre Trump e Biden. Os moradores deste estado do oeste dos Estados Unidos precisam se posicionar sobre uma grande quantidade de decisões em uma série de referendos e eleições de funcionários – de juízes a conselhos escolares.

O presidente republicano, Donald Trump, tentará se reeleger diante do rival democrata, Joe Biden, nas eleições da próxima terça-feira. Mas na Califórnia, o estado mais populoso do país, também serão celebrados cerca de 380 referendos e vários cargos serão renovados.

“Normalmente chego na cabine de votação, leio um pouco (as opções) e voto de uma forma ou de outra. No meio do caminho, me sinto culpada por não entender realmente do que se trata”, admitiu Kathy Otterson, uma gerente de telecomunicações que mora na californiana Berkeley.

“Mas este ano, tenho muito tempo e votarei de casa. Meu marido e eu nos programamos para isso, então fomos almoçar e o revisamos (tudo)”, contou à AFP.

Otterson precisa tomar 45 decisões diferentes – incluindo em 25 referendos – em uma cédula de votação com sete páginas, além de um grosso folheto de manifestos escritos em letra pequena.

Quase 750 milhões de dólares foram destinados para financiar as campanhas dos 12 plebiscitos estaduais na Califórnia, conhecidos como “propostas”, fazendo deste o segundo exercício mais caro dos Estados Unidos, depois das eleições presidenciais.

– Labirinto de cédulas –

Com uma economia maior do que a de Grã-Bretanha, França e Itália, a política da Califórnia é um assunto sério e está fortemente influenciada por poderosos grupos de pressão.

Este ano, a votação da chamada ‘Proposta 22’ será acompanhada de perto em todo o país e no mundo. Determinará se os motoristas de Uber e Lyft são “terceirizados independentes” ou funcionários assalariados, um debate-chave para a economia moderna.

Os outros referendos variam de questões sobre aluguéis, regulamentações para clínicas de diálise, a pesquisas com células-tronco e o direito de votação para presos em liberdade condicional e para os jovens de 17 anos.

Com muita gente sobrecarregada com a eleição, alguns grupos oferecem guias sobre como votar, segundo as inclinações políticas individuais.

A combativa Liga de Eleitores Irritados ensina os progressistas de esquerda de San Francisco como revisar a cédula, qualificando cada opção em algum lugar entre “Definitivamente sim”, “Definitivamente não” ou “Discutível”.

“É claramente de esquerda, mas tinha informação justa e baseada em direitos sobre cada proposta e cada candidato”, disse Dawn Rose, de 30 anos.

“Eram umas 20 páginas de informação ao invés de 200!”, exclamou.

O companheiro de Rose, Dave, disse que votar de forma informada através do labirinto das cédulas é um importante dever cívico depois do primeiro mandato de Trump, que polarizou a sociedade americana.

“Já delegamos muito do nosso poder a nossos representantes estaduais”, disse. “Me reconforta sentir que tenho voz e voto sobre o mundo em que vivemos”.

Mas a democracia na Califórnia também é apontada por estar aberta à exploração por parte de empresas decididas a proteger seus interesses ou a burlar as leis.

A votação da Proposta 22 responde a uma nova lei estadual, que obrigaria as plataformas, como Uber, a registrar seus motoristas como funcionários e pagar a eles benefícios sociais.

– Lobbies em ação –

A campanha pelo “sim” à isenção das empresas já gastou quase 200 milhões de dólares em sua causa.

O referendo será o mais caro da história no estado, superando o de 1998 sobre o direito a abrir cassinos em territórios de povos originários, segundo David McCuan, professor de Ciência Política da Universidade de Sonoma.

“Para conseguir o voto do ‘sim’, é preciso gastar antecipadamente e com frequência”, disse, acrescentando que a maioria dos referendos é rejeitada.

Mas “se a campanha se eleva e se torna visível e forte na Califórnia, há um efeito dominó para outros estados, e isto é importante”, indicou.

Para garantir apoio do público, os lobbistas fazem grandes esforços: e-mails e redes sociais estão saturados de mensagens como “Mães contra os motoristas bêbados apoiam o ‘Sim’ à (Proposta) 22”.

Mas, apesar de tudo, poucas campanhas têm sucesso. Conhecida como um reduto liberal, a Califórnia votou duas vezes contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, em 2000 e 2008, antes de o tema se tornar algo comum depois de uma longa batalha nos tribunais.

Para Eric Schickler, professor de Ciência Política da Universidade da Califórnia, a via do referendo, criada como alternativa ao Parlamento, considerado corrupto em um momento em que a indústria ferroviária operava com força, é “problemática” atualmente e “é usada em excesso” no estado.