Em 1871, as alamedas, as pontes e o sossego de uma cidadezinha ao norte de Paris chamaram a atenção de um grupo de amigos. Seu nome, Argenteuil. Claude Monet foi o primeiro a largar tudo, tomar um trem na Gare Saint-Lazare, coração da capital francesa, e saltar 15 km adiante para se estabelecer com mala, cuia e pincéis. Atrás dele, vieram Auguste Renoir, Edouard Manet, Eugène Boudin e outros. Pintando o que viam num estilo inédito de superfícies irregulares, inauguraram um dos mais belos movimentos artísticos da História, o Impressionismo. As paisagens bucólicas imortalizadas por Monet e seus colegas há muito não existem mais. Hoje, Argenteuil está mais para São Bernardo do Campo. Uma São Bernardo do Campo pertinho de Paris, é verdade. Mas ainda assim, uma cidade suburbana de pequenos comércios, moradias simplórias e gente do país inteiro: operários que dão duro nas mais de 80 fábricas instaladas ali. Numa delas, 1,5 mil homens continuam numa rotina diária de fazer o que chamam de ?obra de arte?. Concentração, silêncio, precisão. E no final da linha, eis um mito da indústria aeronáutica de combate: o Mirage 2000. Estamos no quartel-general da Dassault Aviation, uma das maiores fabricantes de aviões do mundo. Com vendas anuais de US$ 3,5 bilhões e dona de 20% da Embraer, ela é a favorita na concorrência que apontará o futuro fornecedor de 12 caças à Força Aérea Brasileira (FAB) ? um negócio de US$ 700 milhões também disputado por suecos, israelenses, russos e ingleses.

 

A planta da Dassault em Argenteuil tem 11 mil m2 e capacidade para preparar oito Mirages por mês. Parece pouco. ?Mas é muito?, corrige Patrick Mangin, responsável pela unidade de fuselagem da fábrica. ?Cada avião tem 10 km de cabos e 20 mil pontos de contato eletrônico. Eles são testados um a um três vezes.? Esses testes acontecem na fase final da montagem dos Mirages. Depois disso, eles seguem de caminhão para a região de Bordeaux (sudoeste da França), onde recebem as asas e são finalmente colocados para voar. Já fizeram este caminho mais de 2.300 aviões de combate que a Dassault produziu e vendeu para 36 países nos últimos 50 anos. Apesar da fama, os caças (o Mirage e seu irmão mais moderno e poderoso, o Rafale) representam a menor parte do negócio da companhia: 37%. O grosso do faturamento, 63%, vem da produção dos jatos executivos Falcon. Nessa área, a Dassault desbanca até a americana Boeing dentro de casa: é dona da metade do mercado norte-americano de jatos executivos. Somando as duas divisões, a empresa já vendeu 7.500 aviões para clientes em 70 países em cinco continentes. ?E temos encomendas de US$ 9,1 bilhões para entregar até 2006?, orgulha-se o coronel da reserva Jean-Marc Merialdo, ex-piloto de helicóptero da Força Aérea Francesa e hoje diretor internacional da Dassault.

A força desses números não é o único trunfo da companhia para bombardear o lobby adversário, dobrar a FAB e vencer a concorrência. A decisão final do Conselho de Segurança Nacional deve sair só em abril, o que favorece a Dassault. Motivo: apesar da pressão norte-americana para que a escolha recaia sobre os caças israelenses Kfirr, o governo do PT parece ser mais simpático à proposta dos franceses. Primeiro, porque se trata da concorrente com maior disposição de dividir os seus segredos tecnológicos com o Brasil ? critério que já ejetou da cabine a americana Lockheed Martin, fabricante do F-16. E segundo porque uma vitória da Dassault seria um passo importante na recuperação da área militar de sua sócia Embraer. Hoje, essa divisão representa 6% do faturamento da brasileira, e a meta é chegar a 20%. Fundada por Marcel Dassault, um pioneiro da aeronáutica desde o começo do século 20, a gigante francesa tem hoje sete fábricas em casa, três nos Estados Unidos e conta com 12 mil funcionários. No momento, a concorrência da FAB divide a atenção de seus executivos com o desenvolvimento de aeronaves de combate não tripuladas. Todos os anos, eles investem US$ 700 milhões em pesquisas e novos projetos. Uma montanha de dinheiro que de Monet e seus colegas impressionistas jamais sonharam em ganhar em Argenteuil.