O empresário Constantino de Oliveira gosta de comentar com amigos que sempre utilizou uma única receita para ter sucesso no mundo dos negócios: manter os pés no chão e os pneus no asfalto. Trata-se de uma referência ao seu estilo espartano na administração dos negócios e do investimento quase obsessivo no setor de transporte rodoviário e urbano de passageiros. Pode-se perguntar, com certa dose de razão: mas quem é, afinal, Constantino de Oliveira para que alguém se detenha para ouvi-lo falar sobre receitas de sucesso no mundo dos negócios? Pois bem, vamos às apresentações: aos 78 anos, Nenê Constantino, como é conhecido, transformou-se, ao longo dos últimos 50 anos, no maior proprietário de ônibus do Brasil. Nesse período, ele colecionou cerca de 40 empresas, que juntas possuem mais de 10 mil ônibus. A cada mês, só na cidade de São Paulo, seus ônibus transportam cerca de 10% dos mais de 90 milhões de passageiros e embolsa o equivalente a 11% do R$ 120 milhões faturados por todo o sistema. Sua rede de transporte atinge mais de 100 cidades brasileiras e emprega cerca de 30 mil pessoas. Inclua também os negócios periféricos, como fazendas, concessionárias de veículos, empresas de engenharia, entre outros, e seu patrimônio chega, numa estimativa conservadora, a R$ 1 bilhão.

Agora, Nenê prepara aquele que parece ser o mais arrojado vôo de sua trajetória e que, de certa forma, desmente seu próprio lema de trabalho. O grupo Constantino está estudando a criação de uma empresa aérea no País. Não é exatamente algo de novo no ar. Grandes frotistas de ônibus parecem sofrer uma irresistível atração pelo setor aéreo. O mais ilustre representante dessa estirpe é Wagner Canhedo ? proprietário de empresas de ônibus em Brasília que, anos atrás, comprou a Vasp. Deu no que deu. Outro dos grandalhões desse setor, Camilo Cola, dono da Itapemirim, também tentou e se deu mal. O pessoal do grupo Constantino não gosta de falar sobre o assunto. Por intermédio de sua assessoria de imprensa, admite a existência de estudos, mas diz que o estágio de desenvolvimento é embrionário. Meia verdade. O projeto ainda não chegou ao Departamento de Aviação Civil (DAC), responsável pela concessão de linhas aéreas no Brasil. Mas o trabalho encontra-se em uma fase mais avançada do que procuram fazer crer as declarações da empresa. Um dos filhos de Nenê, Constantino de Oliveira Júnior, foi incumbido de tocar o projeto. Na semana passada, por exemplo, ele viajou a Londres para visitar algumas empresas aéreas nas quais pretende se inspirar. Com ele, estava o engenheiro José Mello, considerado um dos maiores especialistas no planejamento de desenvolvimento do setor aeroviário do País. Consultor de grandes empresas do setor, como a Infraero, Mello foi contratado pelos Constantino para auxiliá-los a fazer o negócio alçar vôo.

De acordo com os estudos iniciais, a nova companhia inauguraria um modelo de transporte chamado multimodal, ainda pouco explorado no Brasil. São pacotes que unem, na mesma tarifa, alguns trechos percorridos por avião, outros por ônibus. Esse modelo atrairia um público de cidades mais distantes e de poder aquisitivo menor, já que as passagens seriam mais baratas do que as das grandes companhias aéreas. Constantino até já elegeu um espelho no qual pretende se mirar: a chilena Avant Airlines, que, nos últimos anos, cresceu graças a esse tipo de operação.

A frota da ?Constantino Airlines?, como ironicamente foi batizada entre executivos do setor, seria composta por aviões usados como 727 e 737-200. Haveria a menor imobilização de capital possível. As aeronaves seriam alugadas ou adquiridas por leasing. A manutenção ficaria a cargo de terceiros, se necessário fora do País. Essa fórmula funcionaria como um antídoto contra um veneno comum nesse tipo de atividade: o peso dos custos fixos. No papel, os planos são perfeitos. Mas por que um grupo bem-sucedido se aventuraria em um setor marcado por incertezas. Hoje as quatro grandes companhias aéreas do País vivem uma situação dramática, acumulam dívidas de R$ 6 bilhões e prejuízos de R$ 400 milhões em 1999. No processo de enxugamento de custos, elas abandonaram os trajetos de menor rentabilidade e as localidades menores e mais distantes. Foi justamente aí que Constantino viu a oportunidade de ganhar dinheiro. Além disso, há uma superoferta de aviões usados no mercado mundial, o que tornaria a locação dessas aeronaves mais barata.

Haveria também um motivo intangível na criação da Constantino Airlines. ?O setor de aviação é charmoso e dá status aos acionistas, em oposição à imagem ruim dos empresários de ônibus?, diz um especialista nesse mercado. ?Atuar nesse setor equivale a uma espécie de ascensão social no mundo dos negócios.? Pode ser, mas é difícil imaginar Nenê Constantino tomando decisões empresariais à luz de possíveis escaladas sociais. Desde o início da carreira, Nenê demonstrou uma incrível capacidade de passar desapercebido, enquanto seus negócios cresciam vertiginosamente. A discrição é uma obsessão em sua vida. Fora do mercado de ônibus pouco é conhecido. No entanto, mantém relações próximas com políticos de Brasília e das diversas cidades onde possui negócios. Em São Paulo, por exemplo, o centro nevrálgico de suas atividades, ele e os filhos são amigos do vereador Brasil Vita, um dos mais antigos da cidade.

Na década de 70, Constantino mudou-se para Brasília. Ficou próximo do poder e dos órgãos responsáveis pelas concessões de linhas rodoviárias. Mora na Capital até hoje, na Península dos Ministros. Na casa ao lado vive Antônio Carlos Magalhães. Um pouco mais adiante, Michel Temer. A residência de Constantino está localizada em frente a um largo, onde há apenas uma outra moradia. Mas tudo está em família. Na casa, mora uma de suas filhas. A não ser o local onde mora, mantém o comportamento de um homem típico do interior do País. Até alguns meses, circulava num Ford Galaxy. Vendeu o carro ? ?já estava meio velhinho?, disse a um amigo. Agora, desloca-se em um Santana Quantum já bastante rodado. Veste-se com simplicidade, até mesmo em eventos públicos. Nem nessas ocasiões coloca gravata. Alto, magro, Constantino possui um jeitão desengonçado de andar, balançando excessivamente os braços. Ainda carrega um forte sotaque interiorano e, em geral, suas frases terminam com um ?uai? ou ?sô?. Raramente Constantino levanta o tom de voz e costuma receber todos com um largo sorriso no rosto. Os cabelos permanentemente pintados de negro e um bigode cuidadosamente aparado revelam uma de suas poucas vaidades. Segundo adversários seus, esses traços, naturais de sua origem simples, tornaram-se uma poderosa arma de negociação. ?Ele percebeu que isso desarmava os interlocutores, que pensavam estar diante de um sujeito ingênuo?, diz um amigo. ?Quando se davam conta haviam sido engolidos.?

A afabilidade no trato permanece no ambiente de negócios ? mas só aparentemente. O começo foi na cidade natal, Patrocínio, no Triângulo Mineiro. Filho de um sitiante local, Constantino abandonou os estudos no primário para trabalhar no armazém de um irmão mais velho. Na boléia de um caminhão, viajava até São Paulo, onde comprava as mercadorias para abastecer o negócio. Anos depois, conseguiu a concessão da linha rodoviária entre Araguari, cidade próxima a Patrocínio, e Belo Horizonte. Ninguém a queria, pois as condições da estrada eram péssimas e todo o fluxo de negócios da região tinha a direção de São Paulo. Deu certo. Havia uma demanda reprimida e Constantino passou a atendê-la com um ônibus adquirido a prazo. A partir daí, inaugurou o modelo de crescimento que o acompanharia por toda a vida: a incorporação de empresas à beira da UTI. Nesse caso, havia um roteiro preestabelecido. Identificada a companhia, ele adquiria uma parcela minoritária do capital. A seguir, sugeria a renovação da frota. Como o sócio majoritário não possuía dinheiro para bancar o investimento, Constantino arcava com a compra dos novos veículos, mediante a cessão de um pedaço maior na sociedade. De renovação em renovação, conquistava o controle. Certas vezes, adquiria participações acionárias em troca de ônibus semi-novos de suas frotas. ?Ele comprou grandes empresas sem tirar um tostão do bolso?, conta um empresário do setor.

A cada negócio incorporado, Constantino designava uma pessoa de confiança, em geral um parente, para representá-lo na gestão. Amigos calculam que há cerca de 30 familiares empregados em postos chaves em suas diversas companhias. Outra vantagem de Constantino foi eleger o negócio de ônibus como prioridade absoluta. Embora seja proprietário de concessionárias Mercedes-Benz em Brasília e em São Paulo, ele adquire veículos de marcas concorrentes, como Scania, Volvo e Volkswagen. Essa política deixa os executivos da Mercedes irritadíssimos. Certa vez, um deles queixou-se diretamente a Constantino. A resposta: ?Uai, primeiro sou dono de empresas de ônibus. E depois sou concessionário?. O executivo nada mais falou. Afinal, estava diante não só de um concessionário, mas de um dos maiores clientes da marca no Brasil e no mundo. A taxa média de renovação anual de sua frota é de 10%. A cada ano ele adquire cerca de 1.000 veículos, ou cerca de 8% da produção da indústria brasileira. O investimento aproxima-se de R$ 100 milhões.

Uma característica do setor é o não pagamento de impostos. As empresas de Nenê em São Paulo aparecem como contumazes devedores de tributos e taxas. Só uma delas, a Viação Jaraguá, deve mais de R$ 40 milhões ao INSS. Encontra-se assim em lugar de destaque nas listagens de devedores da Previdência no País. As empresas alegam que o problema é a falta de repasse do dinheiro das passagens por parte da SPTrans, estatal responsável pelo gerenciamento do transporte público em São Paulo. De qualquer forma, essa dívida pode prejudicar os planos de Constantino na aviação, pois se trata de uma concessão pública. Hoje, Constantino está afastado do dia-a-dia dos negócios. Sua opinião, porém, é decisiva nas grandes decisões. Anos atrás, fez uma divisão entre os seis filhos ? duas mulheres e quatro homens. Os filhos dividem as tarefas no grupo. Constantino Júnior cuida das empresas urbanas de São Paulo e do projeto ?Constantino Airlines?. Joaquim comanda as companhias rodoviárias e algumas do litoral de São Paulo. Ricardo e Henrique são responsáveis pelas áreas mais técnicas. As decisões estratégicas são tomadas em conjunto. Foi uma exigência de Nenê Constantino. Só assim, diz ele, é possível desenvolver os negócios. Talvez o grupo Constantino precise muito mais do que isso para aterrissar com sucesso na aviação ? se é que o projeto realmente vai decolar.

Colaborou Luciano Dias