O olhar exausto de Nver Gasparian delata as noites sem dormir e dor incessante. Neste outono, o armênio de 20 anos foi gravemente ferido nas pernas durante a guerra em Nagorno-Karabakh.

“Não quero lembrar. Pelo contrário, quero esquecer tudo o mais rápido possível. Apagar imagens e sons da minha memória”, disse à AFP, de um hospital da capital armênia, Yerevan, especializado no tratamento de soldados feridos em combate.

Como milhares de outros, Gasparian não voltou ileso após as seis semanas entre setembro e novembro de 2020 que durou o conflito entre Armênia e Azerbaijão.

Esses confrontos, que causaram mais de 6.000 mortes, terminaram em uma derrota humilhante para a Armênia, que cedeu a cidade simbólica de Shusha e territórios importantes ao redor da região separatista de Nagorno-Karabakh.

O desastre também levou a uma crise política aguda na Armênia, com vários protestos exigindo a renúncia do primeiro-ministro Nikol Pashinyan, que chegou ao poder após uma revolução pacífica em 2018, mas que agora é acusado pela oposição de ser o maior responsável pelo fracasso militar.

Pashinyan, que reúne milhares de pessoas em seus comícios, afirma ter evitado uma derrota ainda pior.

Nver Gasparian, ferido na batalha por Shusha, sente-se longe dessas especulações políticas. Ele afirma “não pensar no amanhã” e não sabe quando poderá recomeçar os estudos.

“Só penso em ser capaz de me curar e recuperar a mobilidade nas pernas”, diz, usando um dispositivo com pedais para fortalecer os músculos.

– Pesadelos e insônia –

O médico militar Roman Oghanian sofreu ferimentos por estilhaços na perna quando uma explosão atingiu a ambulância em que viajava, matando um de seus amigos a bordo.

“Deus me salvou da morte certa em duas ocasiões. Portanto, não vou abaixar os braços”, diz o jovem, de 25 anos, que não se lembra dos momentos após o ferimento.

Ele não sabe quem o tirou da ambulância em chamas e ele recuperou a consciência apenas no hospital.

“Agora quero voltar ao meu trabalho na sala de emergência e ajudar as pessoas”, destaca.

De acordo com o Ministério da Saúde da Armênia, quase 600 soldados feridos em Nagorno-Karabakh estão incapacitados e cerca de 150 precisam de próteses.

Vários centros de atendimento especializados fazem todo o possível para tratar os traumas físico-psicológicos.

“Nós os ajudamos a entender as mudanças que ocorreram em seus corpos, a tomar consciência dessa nova condição e tentamos motivá-los a continuar vivendo”, explica Lussine Poghossian, médica do Centro de Recuperação dos Defensores da Pátria em Yerevan.

“Eles não devem apenas aprender a viver sem braços e pernas, ou cegos, mas também a tratar seus danos mentais. Porque esses meninos entre 18 e 20 anos viveram e viram coisas horríveis”, continua, destacando episódios de insônia e pesadelos recorrentes em muitos casos.

Alguns caem em silêncio absoluto, outros falam excessivamente e nervosamente.

“Realmente, estou com pressa de viver, tenho projetos, minha querida namorada está me esperando. Pretendemos ficar noivos em dois meses”, confidencia Sarkis Harutiunian, um recruta de 20 anos, que estava desmobilizado há alguns meses quando a guerra estourou.

Em 28 de outubro, devido a uma explosão, ele perdeu as duas pernas.

Originário de uma aldeia que permaneceu sob controle armênio em Nagorno-Karabakh, ele planeja se reunir com sua família lá, assim que aprender a conviver com próteses.

“Você não precisa olhar para trás”, afirma. “Nada acontece em vão”, conclui.