A plataforma de vídeos YouTube sempre foi terra fértil para produção de conteúdos exclusivos, experimentações, uso de linguagens alternativas e fonte para publicação e consumo de temas plurais. Um ambiente democrático, que ganhou adeptos ao surfar ondas gigantes ao longo dos seus 15 anos de existência. Cada um com sua propagação e amplitude, os movimentos mais marcantes foram a explosão dos youtubers, a disseminação dos games e a divulgação dos esportes (e aqui incluem-se os e-sports). Agora, com a quarentena, a mais nova crista do YouTube são as lives de bandas e cantores, que fazem a empresa americana controlada pelo Google ganhar ainda mais popularidade e bater recordes de espectadores, principalmente no Brasil. Mais usuários significa maior interesse das empresas em divulgar seus produtos nessa mídia e, consequentemente, mais anúncios para engordar a receita da empresa, que fechou 2019 com faturamento global de US$ 15 bilhões, o que representa 9,25% de todos os negócios da holding Alphabet, conglomerado de todas as companhias vinculadas ao Google. “É como música para os ouvidos do Youtube”, diz à DINHEIRO a diretora do YouTube no Brasil, Patricia Muratori. Segundo ela, a companhia tem adotado desenvolvimento mais estratégico na quarentena.

Patricia afirma que as prioridades não mudaram, apenas se intensificaram nessa crise. “As pessoas estão vivenciando novas experiências”, destaca a executiva. O fato é que, o começou como simples entretenimento, para saciar a vontade dos artistas em mostrar seu trabalho e dar calor e conforto aos brasileiros que estão em casa, virou um grande negócio. Das cinco lives com maior audiência da história da plataforma no mundo, incluindo todas as modalidades, entre games, esportes e música, quatro são de artistas brasileiros. E todos os recordes foram conquistados neste momento de isolamento social. A apresentação ao vivo da cantora sertaneja Marília Marília lidera o ranking, com 3,3 milhões de usuários simultâneos conectados. Seria o mesmo que lotar 42 estádios do Maracanã, que tem capacidade para 78 mil torcedores. Jorge & Mateus (3,1 milhões), Andrea Bocelli (2,8 milhões), Gusttavo Lima (2,7 milhões) e Sandy & Junior (2,5 milhões) completam a lista. O aumento da procura por lives aumentou 4.900% no YouTube Brasil desde março, segundo a companhia. E os recordes alcançados pelo público brasileiro ocorrem porque é um povo que já tem vocação para consumo de material audiovisual e a aproximação com seus ídolos, que já era forte, se intensificou na busca por opções de diversão domiciliar. Além disso, é de graça, por enquanto. “Juntou a vontade com a necessidade. E a forma de viver essas experiências mudou”, afirma Patrícia.

ADAPTAÇÕES O YouTube já tinha expertise em lives de games e esportes e afirma já que estava preparado para grandes audiências. Mas precisou fazer adaptações para absorver uma multidão virtual em curto espaço de tempo. Para atender ao novo território da música, foi necessário agilizar a aplicação de produtos e soluções que já estavam prontos. Duas ferramentas entraram em cena: o superchat, para uma participação mais ativa dos internautas, em que eles podem pagar para ter seus comentários expostos com maior destaque (mais uma forma de receita do canal), e o Live Content ID, um scanner de conteúdo para proteger os direitos autorias das canções – com ele foi possível derrubar transmissões clandestinas. De maneira geral, também houve crescimento na busca por outros conteúdos na plataforma, como “exercícios em casa”, que aumentou cerca de 200%, e “receitas caseiras”, com interesse 50% maior.

Aumentou inclusive a busca por “estude comigo”, espaço em que os alunos procuram companhias para estudar, ainda que o internauta do outro lado da tela fique apenas em silêncio.

Se rendeu visibilidade ao YouTube, também deu resultados para as marcas patrocinadoras das lives. A Riachuelo, que está com todas suas lojas físicas fechadas, intensificou ações em canais digitais. Fechou parceria com Marília Mendonça e Gusttavo Lima nas apresentações feitas em 8 e 11 de abril, respectivamente. Não por acaso, no período de 4 a 12 de abril, a empresa aumentou em 124% as vendas pelo e-commerce. Também registrou volume 56% maior no tráfego do site, observou 50 mil novos downloads do aplicativo e as vendas triplicaram. “Nesse novo cenário, queremos manter a proximidade com os nossos clientes, algo já tão presente em nossa história”, diz Elio Silva, diretor da Riachuelo. “Fomos os pioneiros do segmento a acreditar que este formato seria uma bom canal de comunicação, pois é uma forma natural de atingir quem está em casa, gerando identificação e reforçando nossas principais mensagens”. Já Ricardo Dias, CMO da Ambev, patrocinadora de grandes lives, afirmou, em entrevista ao canal Meio & Mensagem, especializado sobre o mercado de comunicação, que a integração de entretenimento com produto, com mensagem positiva, leva “algo diferente para a casa das pessoas e entrega o propósito de forma genuína e impactante”.

Outra realidade“As pessoas estão vivenciando novas experiências”, diz Patricia Muratori, diretora do YouTube. (Crédito:Divulgação)

EXCLUSÃO O YouTube tem como um de seus pilares a responsabilidade sobre os vídeos divulgados. O começo da pandemia foi crítico com relação a conteúdos em desacordo com o preconizado pelas autoridades públicas brasileiras e pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como a divulgação de remédios sem eficácia comprovada. Por isso, houve mudança na política de uso da plataforma, a primeira alteração realizada desde 2005, quando foi criada. Tudo o que não respeitava as definições de órgãos oficiais era excluído, tanto por robôs, que mapeavam os algoritmos, quanto pelos colaboradores da plataforma. “Intensificamos esse olhar”, diz Patricia Muratori. Passado o momento mais complicado, agora a empresa observa aumento de 75% na procura por informações jornalísticas e notícias oficiais sobre a Covid-19. O YouTube, inclusive, tem direcionado os usuários para acesso mais fácil e direto a vídeos governamentais.

Com os shows cancelados durante a quarentena, os artistas mais uma vez tiveram de se reinventar. Esse coletivo cultural, que enfrentou e superou num passado recente a proliferação dos produtos piratas, encontrou nas lives seu sustento provisório. Mas as apresentações ao vivo pela internet vão continuar no pós-pandemia? Paulo Junqueiro, presidente da Sony Music Brasil, acredita que sim. Com ressalvas. “É um momento inédito e histórico. Estamos construindo o barco com ele navegando. Estou vendo as lives com bons olhos, mas tem de ser estabelecidas regras. Talvez no formato pay-per-view, com uma maior gestão cultural”, disse o executivo, em sua participação na Rio2C, que debate durante esta semana as tendências e dinâmicas do mercado musical. Toni Garrido, cantor, compositor, apresentador e ator, corrobora, ao afirmar que é preciso rentabilizar o artista. “É uma vertente a mais que teremos para trabalhar. Mas os artistas não podem fazer lives grátis”, disse o vocalista da banda de reggae Cidade Negra.