Qualquer prefeito que almeje fazer uma boa administração na maior cidade da América Latina precisará de muito mais do que boas intenções para obter êxito. Com 12 milhões de habitantes, São Paulo acumula problemas tão grandes quanto o seu próprio gigantismo. Nem mesmo o orçamento anual bilionário – estão previstos cerca de R$ 55 bilhões em 2017 –, tem sido suficiente para atender todas as demandas. Prestes a completar sete meses no cargo, o prefeito João Doria, que não gosta de ser chamado de político, percebeu logo nas primeiras semanas de mandato que um choque de gestão na máquina pública era uma questão fundamental, mas não suficiente para ganhar o jogo.

Com um rombo de R$ 7,5 bilhões no caixa, era preciso, por uma lado, atrair a iniciativa privada e, por outro, conhecer e adaptar as melhores práticas internacionais. Esses dois objetivos levaram Doria a uma viagem de uma semana à China, país em que a quantidade de recursos e habitantes parece infinita. Na noite do sábado 22, ao desembarcar no aeroporto de Dubai, para uma escala de seis horas rumo a Pequim (conhecida internacionalmente como Beijing), Doria manteve uma rotina incomum para qualquer político brasileiro, ainda mais em tempos de Operação Lava Jato.

Distribuiu acenos e abraços aos passageiros brasileiros que, ao reconhecê-lo no terminal, faziam questões de tirar selfies ao seu lado. Nesses momentos, invariavelmente, o prefeito de São Paulo ouve elogios e recebe pedidos para que seja candidato à Presidência em 2018, aos quais responde com um enigmático sorriso. Ao menos nos episódios flagrados pela DINHEIRO, que acompanhou Doria a convite do governo chinês, ele jamais confirmou nem negou a intenção.

Dois dias depois, ao visitar a Muralha da China, o tucano foi abordado por um casal de maranhenses. O empresário Rodrigo Marques, 40 anos, e a advogada Teresa Marques, 23 anos, tiraram fotos, fizeram com os dedos o símbolo “Acelera SP”, utilizado na campanha de 2016, e disseram que, apesar de serem de um Estado governado por um esquerdista (Flavio Dino, do PCdoB) e com forte influência do clã dos Sarneys (PMDB), apoiariam Doria em 2018. O tucano agradeceu as palavras, mas não prometeu nem descartou sair candidato.

Encontro com fãs: Doria posa com casal de brasileiros fazendo o símbolo de “acelera”, sua marca na eleição para a prefeitura de São Paulo (Crédito:Divulgação)

As referências diretas e indiretas a 2018 fizeram parte de seus compromissos nas cidades de Pequim, Hangzhou, Xangai (também conhecida como Shanghai) e Shenzhen, todas na região leste da China. Na visão de empresários e investidores locais, Doria não estava ali representando apenas São Paulo, mas o País inteiro. “Neste momento, não tem ninguém vendendo o Brasil no exterior”, afirma Doria. “Ao vender São Paulo, eu aproveito e falo, por exemplo, do agronegócio, o que ajuda a economia brasileira.” Com o suporte da Embaixada e dos consulados do Brasil, o tucano se deslocava nas cidades com veículos que traziam à frente a bandeira nacional.

Na lapela dos seus ternos, reluzentes broches do Brasil e da China, enquanto os chineses ofereciam tapetes vermelhos e faixas de boas vindas para recepcionar a delegação paulistana. Na segunda-feira 24, em visita à sede da Lenovo, em Pequim, os executivos da fabricante de computadores e celulares, que detém as marcas IBM e Motorola, pediram para o tucano assinar o nome num monitor que trazia a sua imagem com o adesivo da campanha de 2016 colado ao peito. “Que fique claro que não estou assinando 2018”, brincou Doria.

Em todos os encontros, seja com empresários, representantes de fundos ou executivos de bancos de fomento, o prefeito de São Paulo apresentava diversas oportunidades de investimentos na cidade, que incluem concessões e privatizações, num total estimado de, pelo menos, R$ 5 bilhões. Dentre os ativos, por exemplo, estão o Autódromo de Interlagos e o estádio do Pacaembu (ver destaques abaixo). Numa reunião às portas fechadas com a diretora do Banco de Desenvolvimento da China (CDB, na sigla em inglês), uma espécie de BNDES local, o tucano ouviu do vice-presidente, Wang Youngsheng, que “estava ali o político mais famoso do Brasil”.

Quando a agenda era na sede de companhias, o tucano ressaltava a difícil situação financeira da cidade para, em seguida, pedir e, claro, receber uma doação. “Não só não temos dinheiro como temos um buraco de R$ 7,5 bilhões no orçamento, herança da gestão do PT”, afirmou à DINHEIRO, numa entrevista concedida dentro do trem-bala, num trajeto de 189 quilômetros entre as cidades de Hangzhou e Xangai, na terça-feira 25. “Em vez de ficar chorando, nós buscamos soluções e aceitamos doações, sem contrapartidas às empresas.”

As companhias que fizeram doações admitem que a decisão tem, além do caráter social, o objetivo de tornar suas marcas mais conhecidas do consumidor brasileiro e abrir portas para futuras licitações. “A doação pode ajudar na licitação, mas nós temos responsabilidade com a sociedade”, diz Mario Ma, diretor da Hikivision do Brasil, maior empresa de equipamentos de vigilância do mundo, que doou um drone avaliado em US$ 100 mil e mil câmeras. A Dahua doou mil câmeras de vigilância e um drone avaliado em US$ 130 mil. A Lenovo, computadores para escolas municipais. A ZTE doou mil câmeras de vigilância e R$ 1 milhão em salas de aula inteligentes. E a BYD, quatro veículos elétricos (R$ 200 mil cada) e painéis de energia solar (R$ 600 mil) para dois hospitais.

A presença da comitiva paulistana na China despertou o interesse de muitas companhias e fundos que querem fazer negócios no Brasil. Para atender ao maior número possível de pedidos, a agenda muitas vezes começava num café da manhã e terminava com um jantar. A única coisa que realmente incomodava a comitiva era o calor intenso, que superou os 40 graus ao longo da semana. “Ainda tivemos de negar muitos pedidos por falta de tempo”, diz Julio Serson, secretário municipal de Relações Internacionais. “Se dependesse do prefeito, faríamos reunião até de madrugada.”

Na quarta-feira 26, por exemplo, um espaço foi aberto na agenda para conversar com a cúpula do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês). Conhecida como o banco do BRICS, a instituição tem um capital de US$ 100 bilhões formado por contribuições de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Outro convite de última hora partiu da diretoria do Fosun, um fundo de investimentos que é dono do Club Med e do Cirque de Soleil. Recentemente, o Fosun comprou a Rio Bravo Investimentos, que tem como um dos sócios o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco.

O prefeito de São Paulo aproveitou a viagem à China para trocar experiências com os governantes de grandes cidades, como Xangai, que tem o dobro de habitantes de São Paulo. Sua meta é transformar São Paulo numa cidade inteligente (smart city), com investimento em tecnologia nas áreas de transporte público, segurança, saúde e educação. Sem dinheiro em caixa, Doria aposta em financiamentos externos e Parcerias Público-Privadas (PPPs) para viabilizar seus planos. O prazo para concluir os principais projetos não muda: é 2020, mesmo que ele eventualmente não esteja mais na cadeira de prefeito a partir de 2019, caso renuncie para sair candidato a presidente.

Até lá, muita água deve passar sob as pontes do Rio Tietê. Os chineses, que nos últimos anos investiram bastante no Brasil, abriram mais o olho aos investimentos tupiniquins na semana passada, com a viagem do prefeito. “Eu gostaria de dizer algumas palavras, com as minhas impressões pessoais sobre o prefeito”, disse Zhao Xianming, presidente da ZTE, líder mundial em equipamentos de telecomunicações. “Nós estamos confiantes em investir mais em São Paulo e no Brasil graças a esse incrível líder chamado João Doria.”