Os gigantes dos empréstimos em criptomoedas, que iniciaram a atividade visando a competir com os bancos tradicionais, enfrentam agora junto a seus clientes a ruína financeira devido a seu apetite pelo risco e pela escassez de barreiras reguladoras.

A Celsius Network, que suspendeu as retiradas de fundos em meados de julho, tinha alertado dificuldades para conciliar as taxas de interesses: cobrava apenas 0,10% por empréstimos e pagava mais de 18% pelos depósitos.

Semanas depois, depósitos que totalizavam 11,8 bilhões de dólares continuavam congelados.

“De uma forma ou outra, a Celsius cairá na bancarrota”, avaliou Omid Malekan, professor da Universidade Columbia. “Embora recupere 98 centavos por dólar para seus poupadores, ninguém vai querer usá-lo” novamente, acrescentou.

Desde então, outros operadores tiveram um destino similar, da CoinFlex a Babel Finance, que também tentou a sorte com empréstimos e teve que congelar os saques, enquanto a Voyager Digital teve que limitá-los.

Estas plataformas virtuais permitiam aos clientes depositar criptomoedas e receber juros ou pedir emprestado dinheiro digital utilizando suas economias como aval.

“É realmente uma pena que as coisas tenham chegado a este ponto”, afirmou um usuário da Celsius contactado pela plataforma Reddit, segundo quem tinha 350.000 dólares congelados.

“Claramente a Celsius deveria ter se preparado para este tipo de cenário”, criticou o usuário, que pediu para não ser identificado.

A sequência devastadora começou com a forte queda das criptomoedas, incluindo o bitcoin, que perdeu quase 60% de seu valor nos últimos seis meses.

A queda abrupta do valor – que foi caindo à medida que a inflação global se acelerava e a invasão russa da Ucrânia sacudia a economia mundial – provocou uma reação em cadeia e forçou as empresas a oferecer novas garantias financeiras ou devolver imediatamente os empréstimos.

Algumas entidades financeiras como a Three Arrows Capital, de Singapura e que quebrou, não conseguiram dinheiro suficiente para responder a seus credores e então congelaram as contas dos clientes.

“A maioria destas companhias concediam empréstimos sem garantias ou com garantias baixas”, disse Antoni Trenchev, cofundador da Nexo, outra plataforma de criptoativos. Trenchev sustentou que sua companhia evitou este problema mediante regras estritas para a concessão de créditos e com uma “gestão prudente do risco”.

– “Profunda necessidade de regulação” –

Diferentemente dos bancos, estas financeiras não são obrigadas a guardar reservas de dinheiro para se proteger de empréstimos impagáveis.

“Espero que seja aplicado um pulso firme em todos os âmbitos”, manifestou Malekan. “Há muita porcaria aí para que os governos persigam”, sentenciou.

Apesar das turbulências, a maioria dos observadores esperam que as criptomoedas se recuperem dos atuais problemas de empréstimo e não acreditam que isto suponha o fim deste tipo de empréstimos.

“Não é a pior crise que as criptomoedas enfrentaram”, avaliou Charles Jansen, da S&P Global Ratings.

Malekan disse que a situação dá a oportunidade de eliminar as empresas mais frágeis.

Alguns, como Trenchev, esperam uma grande consolidação no setor, com operadores sadios que absorvam os problemáticos.

O episódio evidencia os riscos provocados pela falta de controles governamentais.

“Há uma profunda necessidade de regulação. É algo no qual todo mundo está de acordo”, disse Jansen, cuja empresa compete para ser reconhecida como assessora de riscos no mundo das criptomoedas.

Na falta de um marco regulatório específico, a Comissão de Valores e Bolsa dos Estados Unidos (SEC) – reguladora da bolsa – tomou a iniciativa, mas em grande parte com medidas punitivas.

Nos últimos meses foram apresentados vários projetos de lei no Congresso que apontam para uma supervisão maior. Uma proposta bipartidária no Senado da republicana Cynthia Lummis e da democrata Kirsten Gillibrand vem ganhando impulso.

O projeto foi bem recebido pela comunidade de criptomoedas, especialmente porque faculta ao regulador preferido do setor, a Commodity Futures Trading Commission (CFTC), no lugar da SEC.

Alguns críticos acreditam que a proposta é complacente demais.

“É bipartidário no sentido de que senadores de diferentes partidos estão dando à indústria das criptomoedas bastante do que quer”, avaliou Hilary Allen, professora do Washington College of Law da American University, em sua conta no Twitter.

“Dá à CFTC jurisdição maior sobre os ativos em criptomoedas para o que não tem mandato e muito menos recursos da SEC”, acrescentou.