Um projeto de lei para ampliar a multa de empresas que praticam discriminação salarial contra mulheres aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro. O Congresso Nacional levou mais de 11 anos para aprovar a proposta, que prevê o pagamento de indenização à empregada prejudicada, no valor de até cinco vezes a diferença de remuneração em relação ao homem que ocupa a mesma função.

Protocolado em novembro de 2009 na Câmara dos Deputados, o texto tramitou por dois anos até ser aprovado na Casa em dezembro de 2011. Desde então, a proposta estava dormindo nas gavetas do Senado Federal.

Após tentativas fracassadas de reavivar a discussão em 2018 e 2019, o relator no Senado, Paulo Paim (PT-RS), e a bancada feminina da Casa, liderada por Simone Tebet (MDB-MS), conseguiram levar o projeto ao plenário na última terça-feira, 30, quando foi aprovado e encaminhado para sanção presidencial.

Desde 1999, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) tem dispositivos que condenam explicitamente a discriminação por gênero, raça, idade ou situação familiar nas contratações e políticas de remuneração, formação e oportunidades de ascensão profissional. A punição, porém, é branda: os valores das multas oscilam entre R$ 547,45 e R$ 805,07. Além disso, o pagamento é devido ao governo, não à trabalhadora lesada pela prática da empresa.

As evidências sobre diferenças salariais entre homens e mulheres são vastas. Uma pesquisa publicada no ano passado pelos economistas Beatriz Caroline Ribeiro, Bruno Kawaoka Komatsu e Naercio Menezes Filho, do Insper, comparou a remuneração de trabalhadores segundo gênero, raça, escolaridade e tipo de instituição de ensino frequentada (público ou privada). Um homem branco que concluiu o ensino superior em instituição pública teve média salarial de R$ 7.891,78 entre 2016 e 2019, contra R$ 4.739,64 no caso de mulheres brancas na mesma situação, R$ 4.750,58 de homens pretos e pardos e R$ 3.047,01 de mulheres pretas e pardas.

Em uma análise por ocupação, a equipe do Insper detectou que médicos brancos ganhavam mais que o dobro de médicas brancas. O padrão se repetiu, com diferentes proporções, em outras áreas, como engenharia e arquitetura, professores, administração e ciências sociais. Em geral, a situação da mulher negra é ainda pior em termos de remuneração.

“Não tem sentido homens e mulheres receberem diferentes salários. É como se todo mês, no contracheque, a mulher pagasse, além dos encargos previdenciários e descontos tributários, uma contribuição discriminatória pelo fato de ser mulher”, criticou Simone Tebet, uma das articuladoras da votação da proposta. “Essa aprovação é um tributo à justiça, à igualdade.”

Políticas de trabalho

A proposta ainda deve ser analisada pelo Ministério da Economia, responsável pelas políticas de trabalho e emprego no País, para identificar eventuais impactos no mercado de trabalho e como a medida poderia ser fiscalizada pelos auditores.

A advogada Fernanda de Avila e Silva, uma das fundadoras do “Me Conta Direito”, projeto que busca esclarecer mulheres sobre seus direitos, avalia que a aprovação do projeto é um passo importante para melhorar a representatividade das mulheres no mercado de trabalho. Na pandemia, a taxa de participação das trabalhadoras, que já era inferior à dos homens, caiu a 45,8%. Isso significa que menos da metade das mulheres estão em atividade, seja trabalhando, seja buscando emprego.

O maior desafio, segundo Fernanda, é provar que a discriminação existe. Primeiro porque muitas vezes os trabalhadores não sabem como produzir essas evidências. “A gente sempre orienta a fazer tudo por escrito, por e-mail, gravar conversas estratégicas. E pode gravar, só não pode divulgar em redes sociais, por exemplo”, explica.

Segundo, diz a advogada, há um pré-julgamento consolidado entre parcela dos empregadores de que mulheres são menos produtivas porque, em geral, são as principais responsáveis por tarefas do lar, cumprindo dupla ou até tripla jornada.

“As empresas sabem que as mulheres estão sobrecarregadas e criam a visão de que ela é menos produtiva. Mas isso não é verdade. Mulheres não têm produtividade menor, pelo contrário”, diz Fernanda, que vê nisso um pretexto para pagar menos às mulheres, semelhante ao que ocorre devido à licença-maternidade. Para ela, o projeto pode ampliar a conscientização de empresas contra a discriminação, embora uma “ala mais conservadora da sociedade” possa alegar que “por isso não contratam mulheres”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.