Os anos recentes não foram só de ganho de produtividade e aumento do uso da tecnologia no campo. Ele também ficou mais feminino. Uma em cada três propriedades rurais do País tem mulheres ocupando funções de comando – há cinco anos, eram 10%. Quando não são as principais responsáveis pelas propriedades, elas atuam como administradoras, dividem as atividades com um familiar ou estão sendo preparadas para assumir essas funções.

Os dados são de uma pesquisa da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMRA) e antecedem o Censo Agropecuário, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que deve ficar pronto este ano. O levantamento foi feito ao longo de 2017, com 2.090 agricultores e 717 pecuaristas de 15 Estados.

Criada em uma fazenda de gado de São Sepé, no Rio Grande do Sul, Fernanda Costabeber, de 26 anos, nunca pensou em ser apenas a “filha do dono”. Ela e a irmã mais velha foram acostumadas desde pequenas a participar das atividades da propriedade de 1,6 mil hectares.

“O meu pai não é de uma família de pecuaristas tradicionais, começou tudo do zero e sempre disse que nos criaria para tomar conta do negócio no futuro, ensinando todas as funções que um filho homem teria de aprender”, conta. “Muitas meninas acabam ouvindo que não dariam conta de tocar uma fazenda. Acho que ter aprendido desde cedo que seria capaz de administrar o negócio foi uma das coisas mais importantes.”

Fernanda se formou em veterinária há cinco anos. “Já conhecia a vida no campo na prática e queria uma visão mais profissional, para tentar aprimorar o nosso negócio.” Ela chegou a trabalhar por um ano na indústria de alimentos, mas decidiu voltar. Há dois anos, substituiu o pai na função de gerente administrativo da fazenda.

Após assumir a gerência, o número de cabeças de gado subiu de 4 mil para 6,3 mil. “Conseguimos dividir funções e cada um oferece o que tem de melhor para a fazenda.” O pai de Fernanda negocia a compra e venda de animais, enquanto o marido dela, agrônomo, cuida da produção de ração. “As barreiras não desapareceram por completo para as mulheres, mas ficaram menores.”

Com o aumento do uso da tecnologia no campo, a força física deixou de ser uma barreira para muitas atividades, lembra Ricardo Nicodemos, coordenador da pesquisa da ABMRA. Elas também estão se preparando mais para assumir as funções. Uma em cada quatro mulheres tem formação superior. Entre os homens, um em cada cinco.

“Essa nova dinâmica do agronegócio faz com que as mulheres ganhem destaque. Embora os homens sejam a maioria dos entrevistados, para 81% dos agricultores e pecuaristas, a participação delas é vital ou muito importante”, diz Nicodemos.

Lavoura nada arcaica. A presença feminina à frente das propriedades rurais não é inédita. Mas a pesquisa da ABMRA mostra que elas ganham espaço nas pequenas, médias e grandes propriedades. “Existem ótimos exemplos de mulheres de gerações passadas que tocaram propriedades muito bem. Mas acho que, de forma geral, quando só havia filhas mulheres na família, a expectativa recaía mais sobre os maridos mesmo”, conta a veterinária Andrea Veríssimo, de 44 anos. Ela divide com o marido a administração de uma propriedade em Arambaré, também no interior do Rio Grande do Sul. Na fazenda, herança dos pais do marido, o casal integra lavoura e pecuária.

Formada na década de 1990, Andrea foi complementar os estudos com um mestrado na Nova Zelândia em 2001. “Trabalhei dois anos na propriedade do meu pai e fui buscar mais conhecimento. Era uma época em que os cursos de especialização na área eram raros.” Hoje, além da fazenda, ela cuida de uma consultoria de relações públicas voltada para o agronegócio.

“Essa é mesmo uma característica muito feminina, de querer se aprimorar sempre”, avalia a paulista Teresa Vendramini, primeira mulher a ocupar um cargo de diretora executiva na Sociedade Rural Brasileira (SRB). Ela está no cargo desde março do ano passado.

“A mulher antes acabava indo parar no campo quando ficava viúva ou quando perdia os pais. Foi assim comigo e ainda acontece bastante. Mas a importância crescente do agronegócio também veio acompanhada de uma revolução cultural. Os jovens querem ficar no campo, muitas mulheres não são mais criadas para ficar em segundo plano e esses novos agentes estão transformando a agropecuária. É um caminho sem volta.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.