Especializada em informações de crédito, a Boa Vista Serviços pode se transformar em uma Google brasileira dos negócios. A companhia pretende criar uma operação para a produção dos mais variados tipos de algoritmos avançados para facilitar a tomada de decisão pelos clientes, que servirão para diversas aplicações além dos empréstimos. Os algoritmos são programas de computador que ajudam a entender o comportamento humano. Em instituições financeiras, eles possibilitam a concessão de financiamentos de forma personalizada, conforme o perfil de cada cliente. Seu uso pelos birôs de crédito permitirá obter informações cada vez mais precisas dos clientes.

Essa iniciativa vai ao encontro das modernas tendências do mercado. Birôs de crédito são uma coisa antiga. Surgidos para evitar que inadimplentes contumazes lesassem os comerciantes, atualmente os maiores ganhos dos birôs vêm da oferta dos chamados serviços para decisão. Soluções de análise e de marketing e relatórios de risco são alguns exemplos. Eles foram responsáveis por 89% da receita líquida da Boa Vista, de R$ 302,9 milhões, no primeiro semestre de 2020.

Além da investida nos algoritmos, está nos planos a aquisição de empresas que complementam o leque de produtos e serviços, outro caminho para a expansão dos negócios. A vantagem é não ter de desenvolver do zero uma solução já existente e em uso. Além disso, o banco de dados da companhia comprada é agregado ao da compradora. Dinheiro para isso existe. A abertura de capital (Initial Public Offering, IPO) realizado em Setembro deste ano captou R$ 2,17 bilhões. Desse montante, cerca de R$ 1 bilhão, referentes à oferta primária, serão destinados para financiar esses projetos. “Nosso objetivo é crescer, criar valor e devolver resultados aos acionistas”, disse o presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Alfredo Cotait. A Associação detinha o controle da Boa Vista antes do IPO.

APROVAR OU RECUSAR? Os tradicionais birôs de crédito estão se transformando em empresas de inteligência de negócios. (Crédito:Cris Faga)

ESTRATÉGIA O chefe de análise do banco digital Modalmais, Christian Lupinacci, vê com bons olhos a política de crescimento divulgada pela Boa Vista. “Quanto melhor a qualificação do crédito, menor o risco para quem empresta. A precisão reduz custos. É isso que torna interessante para um banco firmar parceria com um birô”, afirmou Lupinacci. Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos, também tem uma avaliação positiva. A experiência em análise de dados da companhia a qualifica para atender de instituições financeiras tradicionais a startups. “Faz sentido para uma fintech iniciante terceirizar sua análise de dados”, afirmou.

A Boa Vista como conhecemos hoje foi fundada em 2010. Mas sua história começou em 1955. Naquele ano, a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) criou o Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC). A ideia era aumentar a segurança das operações de crédito, com fornecimento de informações sobre os tomadores. Atendia, inicialmente, a demanda de lojistas. E tudo ficava registrado em fichas de papel. Eram necessários três dias para dar uma resposta ao cliente. O serviço só viria a ser informatizado em 1977. Foi para assumir essa operação separadamente da entidade de classe que a Boa Vista foi criada. O nome era uma referência ao endereço da Associação, ainda hoje instalada no nº 51 da Rua Boa Vista, centro velho de São Paulo.

A ideia atraiu investidores. Segundo Cotait, em 2011 a TMG Capital entrou como sócia da Boa Vista com 30% de participação. Depois veio a Equifax, com 15%. A ideia de abrir o capital surgiu no ano passado. Só não ocorreu no inicio de 2020 por causa da pandemia, tendo sido adiada para o fim de Setembro. Foi a única oferta bem sucedida no encerramento daquele mês. Outras quatro empresas – Compass, Nortis, One Innovation e 2W Energia – tiveram de adiar seus lançamentos por causa das condições adversas do mercado. Com a oferta na Bolsa, a participação da ACSP caiu para 30% e a divisão societária foi pulverizada. O mercado passou a deter 33% das ações. Cotait diz estar otimista. “As empresas que têm sucesso hoje são as de tecnologia. A base de consumidores delas é ilimitada. Nas tradicionais é limitada”, disse ele. Hoje, a Boa Vista é o segundo maior birô de crédito do País, atrás da Serasa Experian. Tem mais de 20 mil clientes ativos, entre fintechs, bancos e grupos varejistas, e 200 milhões de registros de pessoas físicas e 40 milhões de pessoas jurídicas.