Há muitas formas de se perder em um labirinto. Quase sempre, a saída é uma só. E para que a busca pelo caminho certo seja eficaz, algumas características são essenciais. Inteligência, paciência e perspicácia são exemplos. Se pensarmos no dilema do preço do combustível em escalada no Brasil como o labirinto de Minotauro e Dédalo, podemos notar que as três pessoas que procuram uma saída (os presidentes da República, Jair Bolsonaro; do Senado, Rodrigo Pacheco; e da Câmara, Arthur Lira) são desprovidos de pelo menos uma dessas habilidades. No governo federal, a ideia é construir uma Proposta de Emenda Constitucional que acionaria gatilhos para redução de impostos quando o preço subisse muito, que significaria renúncia de R$ 100 bilhões em impostos. Na Câmara, o alvo também é o ICMS, recolhido pelos estados, mas com a ideia de fixar um preço para cobrança, independentemente do valor do barril do petróleo. Nesse caso, a renúncia fiscal poderia girar entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões. Na outra casa Legislativa, são dois planos paralelos: usar os dividendos da Petrobras para amortizar a cotação do petróleo ou criar uma “Lei da Compensação”, sem fonte definida, para bancar as oscilações. As três propostas visam baixar o preço a fórceps, mas não permitem controlar as flutuações internacionais e seus efeitos colaterais na economia do dia a dia: desvalorização do real e inflação alta.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, que sempre defendeu a liberdade de preços, agora admite que algo precisa ser feito. Segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP), na segunda semana de janeiro o preço médio do litro de gasolina no Brasil foi R$ 6,62, com picos de R$ 7. Por isso Guedes deve revelar na segunda quinzena de fevereiro uma medida para recalibrar impostos. Além do combustível, a ideia é aliviar também a conta de luz e do gás de cozinha.

Ettore Chiereguini

“Não há respostas simples na questão dos preços, mas estamos estudando alternativas” Paulo Guedes Ministro da Economia.

BARRIL A US$ 90 Ainda que a proposta não tenha saído nem do papel, é possível mensurar ao menos parte dos seus efeitos. Analistas já falam em uma renúncia de R$ 100 bilhões. No Credit Suisse, os economistas Solange Srour e Lucas Vilela estimam que os impostos dos combustíveis respondem por 0,8% do PIB, “e a redução poderia ter um enorme impacto nas já frágeis contas públicas”, dizem. Mais modesto, o banco ModalMais prevê perda de arrecadação de R$ 68,6 bilhões, mas os mesmos problemas. “O movimento intensifica a incerteza fiscal e pode, portanto, levar ao aumento das expectativas de inflação em vértices mais longos.” Para eles, o preço do combustível poderia cair em torno de 9%, mas depende do comportamento do preço do barril do petróleo. Na quarta-feira (26) o preço do barril Brent chegou a US$ 90,23 superando a marca dos US$ 90 pela primeira vez desde 2014.

O texto do Senado envolve realocar os dividendos da Petrobras que iriam para o Tesouro Nacional de forma a amortecer as variações da cotação internacional do petróleo. Sob a tutela do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o uso das receitas com dividendos poderia ser usado também para subsidiar o diesel e o gás de cozinha, mas a medida esbarra em questões importantes. A primeira delas, como explicou o especialista em petróleo e professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Isaías Nogueira, é usar um recurso constitucionalmente destinado ao Tesouro, órgão reponsável por financiar e socorrer estados e municípios. Para Nogueira, a medida equivale a enxugar gelo. “Se o dólar continuar subindo, não há dividendos suficiente.” Em 2021, a Petrobras adiantou para o Tesouro mais de R$ 31 bilhões em dividendos.

EXPLORAÇÃO E LUCRO Com a paridade internacional a Petrobras antecipou em 2021 mais de R$ 31 bilhões em dividendos à União. (Crédito:Divulgação)

Também circula no Senado uma proposta assinada pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN) que visaria conter aumentos como o de 44,3% registrado no valor do diesel e de 44,6% na gasolina em 2021, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O plano do senador é reduzir em até R$ 3 o litro do combustível, além de amortecer o gás de cozinha em cerca de R$ 20. O próprio parlamentar entende que haveria necessidade de usar recursos do governo em um primeiro momento. Mas, segundo ele, “uma solução justa” poderia ser buscada pela Casa no longo prazo. “Essa conta pode ser financiada com dividendos que a Petrobras paga ao governo federal, fundos estatais que têm superávit, reservas internacionais, royalties e participações governamentais e outras receitas petrolíferas”, disse. A ideia é que aqueles que “mais lucram com o petróleo” ajudem nesse fundo de amortecimento. Depois disso, o fundo iria se retroalimentar naturalmente. “Quando o barril do petróleo estiver com valores baixos, nós alimentamos o fundo com outros recursos. Quanto estiver alto, usamos parte desse lucro.”

PLANO MEIRELLES Na Câmara, o presidente Arthur Lira (PP-AL) quer pavimentar o caminho escolhido pelo governo. E para isso será preciso requentar medidas que já foram apresentadas por outros governos, mas nunca avançaram. A proposta messiânica se assemelha, e muito, à de um personagem bem conhecido dos brasileiros, o atual Secretário da Fazenda do governo paulista, Henrique Meirelles. Quando foi ministro da Fazenda, no governo Temer, ele propôs ao Congresso uma alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal. Se aprovada, desobrigaria a criação de contrapartidas para a retirada ou redução de impostos. É o que pretende o governo. Segundo assessores de Guedes, o plano atual cria um gatilho que seria acionado quando os preços flutuassem demais. Assim seria possível evitar altas em momentos delicados, como o atual, mas para isso é necessário alterar a Constituição por meio de uma PEC. Com essa medida Bolsonaro conseguiria também mexer em impostos que incidem na conta de luz, quando há grande pressão de preços de geração, como também ocorre agora. Só há um problema nessa equação. Na verdade, 27. Os governadores. Durante o governo Temer a rejeição dos estados à proposta foi imensa. Agora, ao lado de Doria, Meirelles reforça o coro contra a medida. Nas redes sociais, o ex-ministro afirmou que esse cabo de guerra entre estados e União é uma “cortina de fumaça”.

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“A proposta do fundo de estabilização do preço é uma forma de administração inteligente” Jean Paul Prates Senador (PT-RN)

Para tentar demonstrar isso, os governadores decidiram na quarta-feira (26) prorrogar por mais 60 dias o congelamento do ICMS que se encerraria em 31 de janeiro. Eles também cobraram uma mudança na política de paridade internacional nos preços dos combustíveis, praticada pela Petrobras, que coloca o combustível em linhas com os preços da commodity. Em carta aberta ao mercado, os governadores afirmaram: “A necessidade de prorrogação se dá pelo fim da observação do consenso e a concomitante atualização da base de cálculo dos preços dos combustíveis, atualmente lastreada no valor internacional do barril de petróleo”. A medida tomada ano passado e ainda em vigor comprovou que ICMS não é o responsável pelos aumentos, como o presidente quer convencer a opinião pública.

Enquanto o Legislativo e o Executivo batem cabeça para ver quem trará a solução mágica de baratear o preço do combustível em ano eleitoral, a percepção de economistas é que tudo isso é pouco. Sidinei Bargarolo, doutor em economia internacional e consultor independente no mercado de Petróleo & Gás explica que essa questão só será resolvida quando o governo fortalecer o real e a economia reagir. “A escalada do preço do barril no mundo não é de controle do governo, mas o comportamento do real pode ser.” Na opinião dele, além do tradicional processo de venda de reservas para fortalecer a moeda, que é mais custoso, algumas medidas simples podem ser tomadas.

Entre elas, um presidente que fale menos beteiras, se posicione melhor e não passe constantemente a impressão de que o País vive à beira do caos.

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Afinal, o que é o PPI?
O preço de paridade de importação (PPI) reflete os custos totais para internalizar um produto. É uma referência calculada com base no preço de aquisição do combustível (no caso do Brasil, geralmente o preço negociado em Houston, nos EUA), acrescido dos custos logísticos até o polo de entrega na bomba.

E por que usamos esta métrica?
O controle de preços praticados sobretudo durante governo Dilma Rousseff (PT) gerou prejuízos diretos de mais de R$ 100 bilhões. Em 2016, na gestão Michel Temer (MDB) houve a mudança. A escala dos preços gerou insatisfações que desencadearam, em 2018, na greve dos caminhoneiros, mas tem permitido que a empresa lucre mais (e assim também pague mais dividendos à União).

Qual motivo da alta no preço no mundo?
A reativação da economia com o arrefecimento da Covid estimulou o uso do óleo, mas não é só isso que pressiona os preços. A postura das empresas exploradoras do petróleo, com o corte da produção da Opep e uma queda na produção dos EUA acabaram por diminuir a oferta mundial.

Este ano vai melhorar?
A estimativa do mercado internacional é que o barril do petróleo Brant, que bateu US$ 90,23 na quarta-feira (26) pode chegar a US$ 100 ainda este ano, por isso pensar em soluções que não onerem a Petrobras e nem o consumidor está tão presente nos discursos políticos (principalmente em ano de eleição).

Onde estava o combustível mais barato do mundo em 2021?
Segundo a Oil Price, a Venezuela tinha em 2021 o combustível mais barato do mundo, custando em média US$ 0,06 o litro. Na outra ponta, o país que praticou o maior preço para venda de gasolina ao cidadão foi Hong Kong, com um valor médio US$ 9,20 o litro. A desvalorização do real frente ao dólar fez o Brasil figurar na nonagésima colocação do ranking (US$ 1,1 por litro).