Em meio às resistências do Legislativo em torno do texto da reforma da Previdência enviado pela equipe econômica, o governo admitiu, na quinta-feira 6, aceitar mudanças apresentadas pelos parlamentares que flexibilizam o projeto. Cinco temas devem ser revistos: a regra de transição, as aposentadorias de policiais e militares, as pensões, a aposentadoria rural e o Benefício da Prestação Continuada (BPC), que abrange pessoas com deficiência e idosos de baixa renda. Para o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, as alterações devem aumentar o apoio à reforma na sociedade e no Congresso. “Os pontos de maior preocupação foram alterados”, afirmou Meirelles. Leia a entrevista que o ministro concedeu à DINHEIRO na quinta-feira na parte da tarde:

Uma sondagem feita pelo jornal O Estado de S. Paulo indicou resistência à reforma no Congresso Nacional e votos insuficientes para a aprovação. Qual é a estratégia para reverter esse quadro?
Em primeiro lugar, essa pesquisa reflete o estágio atual da discussão. No momento em que os parlamentares vão entrando em contato com os números, com os dados, eles começam a se convencer, a se conscientizar da necessidade da reforma. Portanto, a nossa expectativa é que essa mudança será gradual, o que é normal. No momento, é uma reforma que não tem o apoio da maioria da população. Esse é um processo em andamento, não só um diálogo direto com os parlamentares, mas também o esclarecimento para a sociedade. Em resumo, acho que isso é um processo normal e não há proposta de reforma da Previdência que tenha sido aprovada no mundo que já tenha começado com apoio, não existe isso. É um processo normal. Caminhamos de acordo com o previsto e acho que está indo bem.

O relator indicou mudanças em cinco temas. O que deve ser mantido para que a reforma não desfigure como um todo?
A mudança proposta pelo relator mantém a integralidade, os pontos relevantes, fundamentais da reforma. Alguma mudança na questão dos benefícios para deficientes, a questão dos professores e de policiais, ou a questão de mudar algo no rural, tudo isso tem um impacto menor.

O senhor está se referindo às mudanças comunicadas pelo relator…
Exatamente. Não é assim uma mudança no meio de várias. Não é isso, não. É a proposta do relator, que vai colocar isso no seu relatório. No momento em que fecha o relatório e ele é aprovado, aí fica muito mais difícil [de fazer as mudanças].

Entre as hipóteses que aparecem para as regras de transição, há uma que pressupõe um avanço gradual de idade mínima e outra um avanço da regra do pedágio, um pouquinho mais para trás, mas com um pedágio maior. Qual dessas duas é a mais viável?
Essa é uma questão que ainda vai ser discutida no Congresso. As duas são viáveis dependendo, de novo, dos cálculos aqui do Ministério da Fazenda. É importante que qualquer mudança esteja dentro desses parâmetros. Os cálculos levam em conta alguma mudança nas regras de transição.

A ideia inicial era que a transição estaria completa em 20 anos. Isso muda agora?
Não, em princípio é isso também. Em 20 anos, independente de mudar as regras de transição, a ideia é, de fato, completar em 20 anos. É a ideia geral. Pode haver alguma pequena mudança, mas nós avançamos nessa linha.

As alterações diminuem a resistência?
Acredito que sim. Às vezes, os problemas são esses pontos abordados, o idoso, o deficiente, o trabalhador rural, que ganhou pouco e não pode ficar igual ao trabalhador urbano, policiais, professores… Eu estive lá na Câmara, falei lá na Comissão da Presidência, com a bancada da oposição toda presente. Antes disso eu tinha falado com os principais partidos da base aliada, com o PSDB, com o PMDB, com o DEM, o PSB, PSD, PP. O que senti é que os pontos de maior preocupação foram esses que foram alterados.

Isso significa que os professores e os policiais terão uma regra própria?
Isso, exato. Como hoje já se propõe aos militares.

Com idades diferentes também, como é hoje?
Isso não está definido.

E o prazo de aprovação também muda? Muda agora o que vocês estão trabalhando para…
Essas mudanças são um passo importante para a aprovação. Elimina-se uma resistência muito grande. Esses são os itens que geraram maior resistência.

Qual é o prazo que o governo trabalha para aprovação do texto final?
Estamos fazendo um projeto para décadas. Então, se for aprovado em junho, que é a expectativa, ou se for aprovado pelo Senado em agosto, porque julho é férias, do meu ponto de vista não altera substancialmente. Não é um, dois meses que vão fazer uma grande diferença num projeto tão importante, tão profundo e que, na realidade, tem resultado no longo prazo.

Se o senhor fosse parlamentar e tivesse de prestar contas a sua base eleitoral, o senhor aprovaria a reforma da Previdência? Com quais argumentos?
Eu tenho tido essa discussão com os parlamentares em debates que, se somados, compreendem uns 200 parlamentares. O que tenho dito é o seguinte: no final, é mais importante para o eleitor a economia voltar a crescer, o emprego e a renda do que a Previdência, saber se vai se aposentar em um ano, dois anos mais cedo. Mais importante que isso é ele ter emprego e renda e é isso que a reforma da Previdência assegura, que o País possa voltar a crescer com solidez, com sustentabilidade. Então, no momento em que o País volta a crescer e entra em 2018 em um ritmo de mais de 3%, isso sim será fundamental para os parlamentares que apóiam o governo e apóiam a reforma da Previdência.

Conversando com alguns parlamentares, eles se queixaram da forma como foi comunicada a reforma.
Eles têm e não tem razão. Por quê? Todo mundo concorda com isso, e eu também. Não é esse o problema. O problema é que a Justiça proibiu a divulgação. Só que essa decisão da Justiça foi revertida, então a partir de segunda-feira 10, começa de novo a campanha intensa, na mídia, no rádio, na televisão da reforma da Previdência. Estava parado, então todo mundo concorda com isso, porque o juiz tinha bloqueado a divulgação da reforma. Só que agora a divulgação foi liberada e segunda-feira já começa.

O senhor vem repetindo que o País vai chegar a um ritmo de crescimento de 2,7% mais para o final do ano e de 3% no ano que vem. É possível manter esses números mesmo diante das incertezas rondando a reforma?
Sim, acredito que sim, porque o mercado já precificou uma reforma. O mercado já incorporou nos seus preços algumas coisas que já foram feitas. Tanto que o mercado reagiu com calma, não houve um estresse tão grande, reagiu normalmente. Eu acho que não há grande estresse, que a economia já está recuperando, o problema maior dizia respeito à questão da confiança, do problema do crédito, taxas de juros muito elevadas, inflação elevada, aquela crise toda. Hoje, com a inflação caindo e o Banco Central cortando fortemente os juros, não vai ser um, dois, três meses de Previdência para lá e para cá que vai alterar a taxa de crescimento. O importante é o mercado precificar que vai haver uma reforma da Previdência neste ano.

O que sustenta essa visão de que a recuperação está ganhando fôlego?
Nós já temos a produção de papelão ondulado para embalagem, o consumo de energia, tráfego nas estradas… Em resumo, existem diversos cenários mostrando que a atividade está melhorando. Recentemente saiu um número muito importante, de produção de automóveis, já com um crescimento relevante, grande em relação ao mês anterior, e em relação ao mesmo mês do ano passado. É um dado muito importante. Uma coisa é crescer em relação ao mês anterior, o que é bom, outra coisa é crescer em relação ao mesmo mês do ano passado, quando no ano passado inteiro houve uma queda. Isso significa uma recuperação muito forte e muito significativa.

O Congresso Nacional teve dificuldade de votar o Regime de Recuperação dos Estados…
Não, acho que foi normal. A expectativa é que seja votado na semana que vem, apesar de ser Semana Santa. Se não for votado na próxima semana, será na outra. É normal. Teria sido uma surpresa para mim se tivesse sido votado ontem.

Mas será preciso ceder em mais alguma das contrapartidas exigidas?
Não, acredito que não. O fato é que o relatório apresentado e que está em votação já rejeitou diversas coisas.

Um estudo da Firjan sobre a situação das contas estaduais avaliou como insuficientes as contrapartidas no regime de recuperação e alertou para o risco de que haja necessidade de uma nova negociação em pouco tempo. O projeto garante sustentabilidade?
Sim, é sustentável. As contrapartidas são muito fortes e não precisa mais do que isso, não, segundo todos os cálculos que fizemos aqui no Tesouro Nacional, em cima da situação crítica do Rio de Janeiro.

Além dos três Estados que já decretaram calamidade, o senhor vê interesse por mais algum governador?
Não, por enquanto não. Na realidade, o Rio de Janeiro já fez um acordo com a União, o Rio Grande do Sul está aguardando a aprovação da lei para iniciarmos as negociações para um acordo e o Estado de Minas Gerais já decretou [calamidade financeira], mas por enquanto está dizendo que não precisa fazer a recuperação fiscal. Então tá bom. Se eles precisarem, nós vamos aplicar a lei.

Os Estados querem inclui nessas negociações os recursos da Lei Kandir devidos pela União. Isso será levado em conta?
Não, não vemos como viável.

Foi feito um esforço muito grande para anunciar o contingenciamento sem aumento de tributos. Mas alguns analistas consideram inevitável alguma alta de carga tributária nos próximos meses. Este risco está descartado?
Na minha opinião, está descartado. Não vai haver. Acho que o contingenciamento é mais que suficiente. Acho que vai haver um aumento de arrecadação. É normal que as pessoas não tenham essa informação, mas, por exemplo, os precatórios. O que são precatórios? Causas que foram decididas pela Justiça contra a União e que a União depositou recursos no banco para pagar o beneficiário. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o beneficiário da causa tem dois anos para retirar o dinheiro. Então existe um número enorme, de 480 mil casos, em que as pessoas não retiraram o dinheiro. Já se passaram dois anos, está à disposição do Tesouro Nacional, e falta apenas agora que os presidentes de tribunais regionais liberem isso, em questão de meses. Não é um julgamento, apenas um processo formal de liberação. Só isso representa R$ 8,7 bilhões. Então o contingenciamento sai de R$ 42 bilhões para R$ 34 bilhões. Além do mais, se espera de leilões um valor razoável que não estava nas previsões. Então, esse número do contingenciamento já começa a chegar aí entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões, números bastante factíveis e realizáveis. Então, nós estamos trabalhando com a hipótese de cumprir a meta e é para isso que estamos trabalhando. Nós já fizemos todos estes estudos quando decidimos reonerar a folha de pagamento.