O espanhol Vicente Benedito Francés deixou oficialmente a presidência do BBV brasileiro com um discurso emocionado na terça-feira 24. Agradeceu aos colegas, disse que sentiria falta do Brasil mas, como é de praxe nessas ocasiões, estava partindo para um novo desafio, a direção da área de seguros e previdência do grupo. Encerrou, assim, quase três anos à frente da instituição, permanência abreviada por disputas de poder interno que culminaram com sua saída ? juntamente com as de dois dos seis vice-presidentes do banco basco no País. Francés deixou a operação brasileira, a terceira do grupo no mundo, para assumir na Espanha um cargo de menor prestígio, onde continuará no organograma a três cargos de distância dos presidentes, Emílio Ybarra e Francisco González.

A volta do advogado Francés para a Espanha não era esperada. Quando desembarcou no Brasil, em 1998, ele tinha na bagagem um contrato estipulando que ficaria, no mínimo, cinco anos no País. E dava sinais de que pretendia passar mais tempo do que o previsto. Construiu uma bela casa com piscina em um bairro nobre de São Paulo e matriculou os dois filhos no colégio Miguel de Cervantes, tradicional reduto da elite espanhola. A um colaborador próximo confidenciou que pretendia renovar ad infinitum seu contrato de permanência no País. Francés tinha tudo pronto para passar uma longa temporada por aqui, mas seus planos foram abalados por desentendimentos com seus subordinados mais diretos. Os vice-presidentes, todos espanhóis, não foram escolhidos por Francés, mas indicados pela matriz. Não fosse só isso, cada um vinha de uma facção política distinta e freqüentemente disputavam espaço. Pior, tinham aquele tipo de estabilidade no emprego que só as alianças internas garantem.

As discussões mais ásperas foram travadas entre Francés e o vice-presidente de varejo, Carlos Bedia. Enquanto o presidente defendia campanhas publicitárias ao gosto dos brasileiros, o vice insistia em importar campanhas da Espanha e traduzi-las para o português, entrando em confronto com seu superior. A faceta mais conhecida dessa briga, da qual Bedia saiu vitorioso, foi uma campanha veiculada em 1999, na qual o BBV oferecia um kit cama, mesa e banho para atrair depósitos em poupança. Numa época em que até shopping centers de subúrbio sorteavam automóveis, o BBV premiava novos depósitos com jogos de toalhas, lençóis ou panelas. ?Foi a piada da vez no mercado financeiro?, recorda um executivo de um banco concorrente. Hoje o carro-chefe de sua campanha é o sorteio de um carro por dia para quem aplica em um determinado fundo de investimentos.

Os atritos com Bedia chegaram ao fim quando ele foi transferido para a Venezuela, uma operação muito menor que a do Brasil, em meados do ano passado. Outro executivo, o vice-presidente de tesouraria, Alfonso Camaño, também está de malas prontas para voltar para a Espanha. E há rumores de que mais dois seguirão a mesma trilha. A recente reorganização do comando do BBV na Espanha, com a aposentadoria precoce de 27 membros da diretoria executiva ? um deles ainda na faixa dos 50 anos ? acabou sendo o estopim de mudanças nas operações na Venezuela, Colômbia e Brasil (na matriz, o nome do banco é BBVA, resultado da fusão do BBV com o Argentaria. Mas no Brasil, por causa de uma disputa jurídica envolvendo a marca, continua sendo apenas BBV).

O resultado da filial brasileira contribuiu para desestabilizar o homem forte do BBV no País. Enquanto em 2000 os bancos colhiam os melhores resultados de todos os tempos, a instituição espanhola teve uma rentabilidade sobre o patrimônio líquido de 9,3%, contra 28,7% no ano anterior. Fechou o ano com lucro de R$ 68 milhões, raspando a meta estipulada pela matriz, de R$ 67 milhões ? no mundo corporativo, sabe-se, cumprir tabela não pavimenta o sucesso de ninguém. O lucro, 62% menor que o obtido em 1999, foi recebido em Bilbao como uma má notícia. José Carlos López, vice-presidente financeiro, diz que há uma explicação para o resultado. ?O BBV abriu 178 agências, ao custo de US$ 223 mil cada, um investimento cujo retorno só virá daqui a 24 ou 30 meses?, raciocina. O problema é que os acionistas não gostam de ouvir esse tipo de explicação. O Santander, grande rival do banco basco na bolsa espanhola, fechou a operação brasileira com lucro de R$ 108 milhões mesmo depois de haver adquirido o Banespa ? num leilão do qual o BBV desistiu de participar.