O Ministério Público Estadual (MPE) investiga 92 conselheiros tutelares da cidade de São Paulo por omissão, negligência e mau atendimento às crianças e adolescentes que buscaram apoio do órgão. Os exemplos vão desde a recusa em atender casos de menores em coma alcoólico a vítimas de tortura e cárcere privado. O número representa cerca de 35% dos 260 conselheiros eleitos, em 2016, com mandato de quatro anos.

Entre os casos investigados pelo Setor de Interesses Difusos e Coletivos da Promotoria da Infância e da Juventude está o de João Victor de Souza Carvalho, de 13 anos, que morreu em março após se envolver em uma confusão com seguranças do Habib’s, na Vila Nova Cachoeirinha, zona norte, e da menina M.J., de 10, que fugiu de casa em agosto de 2016 após ser espancada e torturada por quatro anos pela mãe e o padrasto (mais informações nesta pág.). O caso de M.J. foi divulgado pelo Estado.

Segundo a promotora Luciana Bérgamo, as investigações buscam punições no âmbito administrativo, independentemente da instauração de processos criminais. “O que mais nós temos aqui são casos de omissão, ou seja, o conselheiro deixa de aplicar medidas protetivas para tirar uma criança em situação de risco e/ou abandono.”

Para a promotora, o número de conselheiros investigados seria menor se a cidade tivesse uma lei municipal que permitisse a instauração de procedimentos disciplinares administrativos. “Hoje, se um conselheiro prestar um mau atendimento a uma criança em situação de risco ou não atender a um chamado para comparecer a uma delegacia para acompanhar uma ocorrência, o Município não pode fazer nada contra ele. Não há lei para isso”, explicou.

Para a Promotoria da Infância e da Juventude, resta sugerir uma carta de recomendação para que o conselheiro não repita o comportamento inadequado ou pedir a perda do cargo por meio de ação judicial. “São extremos. Não há previsão de suspensão, de desconto no salário ou uma advertência, por exemplo”, explicou Luciana.

Despreparo. O advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual da Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), explica que não há critérios ou pré-requisitos básicos para se eleger um conselheiro tutelar. “Na última eleição, em 2016, era necessário apenas ser alfabetizado. Há um despreparo total, não em todos, mas em boa parte dos conselheiros. Por isso, esse número expressivo de investigações”, avaliou.

Alves conta que presenciou diversos casos de mau atendimento e negligência. “Para diminuir essas ocorrências é preciso criar mecanismos sérios de fiscalização da atividade. O conselheiro tutelar precisa saber que é fiscalizado. Sem fiscalização, há o corporativismo”, afirmou.

Alves e a promotora Luciana defendem mudanças urgentes para melhorar o atendimento de crianças e adolescentes. “É preciso ter outros critérios de seleção. Não é razoável que uma pessoa que vai cuidar dos interesses de uma criança desprotegida não tenha o mínimo de qualificação”, afirmou Alves.

Os dois reclamam também que a forma de eleição dos conselheiros tutelares também favorece o apadrinhamento político. “Por isso, há dificuldade em aprovar leis de fiscalização das atividades”, disse a promotora. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.