O Ministério Público Estadual (MPE-SP) deve oferecer denúncia por homicídio contra policiais militares envolvidos na ação que terminou com nove mortos em um baile funk de Paraisópolis, na zona sul da capital, em dezembro. Para a promotoria, os agentes teriam assumido o risco de as vítimas serem pisoteadas, ao fechar as rotas de fuga e provocar tumulto durante a dispersão.

A investigação do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) ainda não foi concluída, mas a acusação afirma já haver evidências para apontar a responsabilidade dos agentes. “A minha convicção está formada de que houve dolo eventual”, afirma a promotora de Justiça Luciana Jordão, da 1ª Vara do Tribunal do Júri, responsável por acompanhar o inquérito da Polícia Civil.

Esse tipo penal é aplicado para casos de assassinato em que, embora o autor não tenha intenção direta de matar, assume o risco do resultado – como, por exemplo, ao dirigir embriagado.

Estima-se que havia cerca de 5 mil pessoas no Baile da Dz7 naquela noite. Na visão da promotora, o dolo eventual estaria caracterizado porque os PMs teriam encurralado os frequentadores do pancadão, ao fechar a rua Ernest Renan entre as esquinas com as ruas Rodolf Lotze e Hebert Spencer, deixando apenas duas vielas como rota de fuga. Lá, as vítimas morreram por asfixia mecânica, segundo os laudos, e outras 12 pessoas ficaram feridas.

Testemunhas acusaram os policiais de truculência durante a dispersão. Ao Estadão, uma jovem que estava em uma das vielas disse que a PM atirou bombas nesses locais, piorando o tumulto.

“Eles (policiais) têm o dever de proteger a população que está ali e de auxiliar para que todos saiam em segurança. E não de causar tumulto e agir com violência, de forma que essas pessoas tiveram de ir para uma saída que não comportava”, argumenta Luciana Jordão.

Após a tragédia, o governo João Doria (PSDB) chegou a afastar do serviço operacional 31 policiais do 16º Batalhão envolvidos com a operação. O número de agentes denunciados pelo MPE-SP, no entanto, deve ser menor. “Nem todos se aproximaram da esquina, alguns ficaram fazendo a segurança dos veículos, então a conduta deles é diversas nesses locais”, afirma a promotora.

O MPE-SP tem expectativa de conseguir individualizar a conduta dos policiais – ou seja, apontar o que cada agente fez especificamente no dia da operação. Entretanto, ainda faltam diligências para concluir essa etapa da investigação.

MP discorda da Corregedoria

No fim de janeiro, a Corregedoria da Polícia Militar concluiu, em inquérito próprio, que a morte dos jovens aconteceu também em virtude da ação, mas que os agentes não deveriam ser punidos porque teriam agido em legítima defesa. O Ministério Público, contudo, pediu novas informações e a investigação seguiu aberta.

Segundo a versão da PM, policiais que estavam nas proximidades de Paraisópolis teriam sido surpreendidos por suspeitos em uma moto que teriam atirado contra a guarnição. Em meio à perseguição, os criminosos teriam se infiltrado no Baile da Dz7 e dado início ao tumulto. Ouvidos pela Corregedoria, os agentes relataram ter sido agredidos com garrafas, paus, pedras e outros objetos por pessoas que estavam no fluxo.

“Há a certeza de que as mortes, fatalmente, aconteceram em virtude de uma ação na qual os agentes de segurança pública participaram, pois há probabilidade de que suas condutas provocaram o resultado”, escreveu o capitão Rafael Oliveira Casella, que assina o documento da Corregedoria. “No entanto, fica claro em todos os depoimentos e vídeos que houve agressão por parte daquela multidão contra os militares que tentavam apoiar as primeiras motocicletas.”

A conduta dos policiais, acrescentou o oficial, é amparada pela excludente de ilicitude da legítima defesa. “As ações praticadas pelos policiais se revestiram de licitude, portanto foram observadas técnicas procedimentais adequadas, apesar de ter culminado na morte de nove pessoas, as quais foram devidamente socorridas por seis equipes policiais, denotando total comprometimento daqueles agentes públicos.”

A promotora Luciana Jordão discorda da interpretação. “Eu não vejo isso (legítima defesa). Por varias questões. Por mais que digam: ‘Ah, mas jogaram pedra’; eles sabem como é o baile, conhecem aquela circunstância e sabiam o que ia encontrar quando chegaram ao local. Por isso que eu digo, eles provocaram o tumulto.”