Estudar, trabalhar e buscar aprendizado constante sempre fizeram parte da rotina do advogado Maurício Maluf Barella, de 42 anos. Especializado na área de imóveis, ele também está terminando a faculdade de psicologia. E ainda se inscreve em cursos paralelos, lê livros, escreve resenhas para o blog que mantém, se exercita. Além de dar atenção à família, claro. De onde vem tanta empolgação, que faz o dia de pessoas como ele parecer ter 48 horas? E como esses supermotivados estão neste período de pandemia?

Para especialistas, a principal chave para esse ânimo redobrado é desenvolver o autoconhecimento para descobrir atividades que tragam felicidade. Força de vontade, proatividade e otimismo também ajudam.

“Meus irmãos são como eu. É incentivo, criação, questionar, buscar respostas e entender as coisas”, diz Barella. Ele fala que não consegue dormir enquanto não tem a resposta para suas dúvidas.

O advogado conta ainda que acha importante desenvolver o autoconhecimento para manter a motivação. “É achar uma atividade que seja prazerosa, estimulante. E parar um tempo do dia para fazer”, sugere. Outra meta para ele é ser útil e ajudar outras pessoas.

O depoimento de Barella revela vários tipos de motivações. Sim, no plural, como explicam especialistas. Cesar Bullara, diretor e professor do departamento de gestão de pessoas e professor de ética nos negócios no ISE Business School, cita três tipos: intrínsecas, extrínsecas e transcendentes.

“Os estímulos nos chegam e provocam impactos de formas diferentes. Falar de motivação é falar de aspectos muito profundos do ser humano”, afirma Bullara. “Algo que vem de fora é a motivação extrínseca, que estimula a fazer algo pelo qual você está sendo cobrado, exigido, que é necessário. Um exemplo disso é o trabalho, que traz um benefício econômico.”

Já a motivação intrínseca, segundo ele, tem a ver com o autoconhecimento. “Vem de dentro da pessoa. Se você gosta do que faz, o trabalho é uma razão de motivação”, exemplifica. A transcendente, por sua vez, está ligada ao impacto positivo que você pode ter nos outros. “Ocorre quando a pessoa sente que aquilo que faz tem um propósito, indo além de si mesma.”

A psicóloga Priscila Yara Haddad, que trabalha com mapeamento e desenvolvimento humano, acrescenta que o tipo de motivação intrínseca é fácil de identificar. “Há uma administração de emoções. E a pessoa não perde o objetivo”, explica. “Existe a vontade de fazer e de ser o seu melhor. A proatividade e o otimismo estão ligados à motivação, isso está relacionado à inteligência emocional.”

Vontade de ajudar. Professor de educação física, Renan Cardozo, de 33 anos, é outro desses supermotivados. E também tira parte desse ânimo da vontade que sente de ajudar.

Ele é casado com a personal trainer Mônica Luiz, de 31 anos, igualmente motivada e dedicada a várias atividades, como o projeto social que ambos querem tocar na zona norte de São Paulo. “O Tênis na Rua tem por base o projeto de um amigo em Paraisópolis (na zona sul)”, diz o professor. “Nossos projetos não giram só em torno de nós mesmos, mas também de outras pessoas.”

Os dois iniciariam o projeto social em março, promovendo aulas de tênis um domingo por mês. Mas a covid-19 chegou e, com a doença, a impossibilidade de desenvolver esse trabalho presencialmente. O adiamento não desanimou o casal. “Acabando a pandemia, queremos dar andamento. Essa parada nos deu a oportunidade de sentar e centralizar nossas ideias”, diz Cardozo, que, junto com a mulher, aproveita para tocar vários outros projetos, pessoais e coletivos.

Contágio positivo. Segundo os especialistas ouvidos pelo Estadão, uma pessoa motivada pode, sim, “contaminar” o parceiro, como ocorre com o casal Mônica e Cardozo. O mesmo vale para grupos da escola ou do trabalho.

“Somos seres sociais. Viver com uma pessoa que motiva te dá uma referência”, explica Monica Heymann, especialista em desenvolvimento humano. “É possível incentivar o outro para que ele encontre sua motivação interna. Isso é contagiante. Mas há também a parte de cada um, do indivíduo. Só se leva a pessoa até determinado ponto, o restante depende dela.”

A psicóloga Priscila concorda, mas acrescenta que o efeito oposto também pode ocorrer. “Todas as emoções, positivas ou negativas, são contagiantes”, diz. “Se alguém segura minha onda quando não estou bem, pode me ajudar e me contagiar positivamente, ressignificando as coisas e fazendo a diferença. Assim como ter pessoas desmotivadas à sua volta pode provocar um impacto no seu desempenho.”

Pela arte. Pai e avô, o professor de música Denne Oliveira, de 53 anos, não se cansa. Ele dá aulas em escolas de música, tem uma banda de maracatu, promove congressos educacionais, participa de um projeto para orientação de vestibulandos, estuda filosofia e faz pinturas no tempo livre. Fora da quarentena, ainda toca em bares.

“Eu me satisfaço em ver as pessoas pensando e aprendendo. Um sorriso para mim já é uma realização”, afirma o músico, que pretende oferecer um projeto cultural com aulas de teatro, música e dança após a pandemia. “Moro próximo de uma comunidade e vejo muitas crianças se perdendo. Quero ver o mundo diferente.”

A mulher dele volta e meia pede uma pausa para que consigam ficar um tempo juntos, mas todos na família se orgulham da sua dedicação e apoiam seu jeito de viver intensamente.

Especialistas explicam que a motivação é muito positiva, mas dizem que os superanimados também precisam redobrar a atenção para manter o equilíbrio. “Se o que eu estou fazendo com finalidade externa tiver ganchos emocionais com a minha motivação intrínseca, é o melhor dos dois mundos”, diz a psicóloga Priscila. “Tem aderência com o que eu sinto, é prazeroso, é algo que liga a mente e a emoção.”

Monica, que além de especialista em desenvolvimento humano faz coach de carreira e para executivos, lembra que é sempre preciso dosar. “Se eu tenho uma mente proativa e muita motivação, o que isso me traz? De onde isso vem? É bom desde que não atrapalhe a rotina, quando há equilíbrio”, afirma.

No início. Ainda no começo da carreira, Felipe Moreira, de 21 anos, já tem uma rotina cheia de responsabilidades. O estudante de publicidade e propaganda trabalha com edição de vídeos e documentários e produz clipes. Também faz freelas fotográficos e de filmagens.

O jovem diz que estar sempre construindo algo novo dá uma sensação de realização. “Também tem algo de identidade. Sou uma pessoa que vem da periferia. Quando a gente vem desses lugares, precisa fazer mais para chegar a outros lugares, alcançar nossos objetivos”, afirma o universitário. “É uma das coisas que me motivam a ir além.”

Rua Virtual

A preparação começou cedo, por volta das 5h30 daquele domingo, 5 de abril. Fernando Oliveira, de 34 anos, acordou sem demora. Na véspera, já tinha separado a roupa, o energético, a garrafa de água e os apetrechos que usaria na corrida. De moto, gastou cerca de 15 minutos para ir de casa até o trabalho, ambos no bairro do Ipiranga. Ao chegar, fez exercícios de aquecimento e às 6h40 iniciou, na garagem do prédio da empresa, sua primeira maratona, no horário e no dia em que teria participado da largada da Maratona Internacional de São Paulo. Oliveira e outros milhares de corredores estavam inscritos na tradicional prova, adiada para novembro por causa da pandemia.

“Foi um baque”, resume ele, quando ficou sabendo que não haveria o evento. Fazia quatro meses que treinava regularmente – apesar de sua rotina puxada como estoquista de dia e entregador de pizza à noite – para enfrentar o maior o desafio de um corredor. Para não perder os treinos e levantar o ânimo, recorreu a uma prova virtual: fez o cadastro em um aplicativo e se inscreveu na corrida de 42 quilômetros.

Com um relógio de GPS, Oliveira cronometrou o tempo em que percorreu a distância. Mandou os dados para o aplicativo, que validou o seu desempenho e o recompensou com uma medalha. “Foi a medalha mais importante das 26 provas que fiz”, diz. Ele tatuou a conquista da primeira maratona na panturrilha esquerda e postou fotos da medalha nas redes sociais.

Oliveira gastou 4 horas, 55 minutos e 55 segundos para completar o percurso. Foram 840 voltas na garagem sob o sol intenso. Na plateia, apenas o vigia da empresa e alguns moradores do prédio vizinho. Durante a prova, ouviu música e podcast para quebrar a monotonia. Imaginou que estava numa prova de rua e tentou reproduzir os rituais da maratona. Ao completar 41 km, por exemplo, tomou uma dose de cerveja para comemorar a “quase” missão cumprida, como é tradição. “Isso me deu motivação para terminar.”

Assim como Oliveira, muitos corredores estão se inscrevendo em provas virtuais por causa da pandemia. E o aumento da procura foi sentido pelas empresas do setor. O aplicativo brasileiro 99RUN, por exemplo, registrou crescimento de 300% no número de participantes de corridas virtuais depois da covid-19.

“Quando começou a pandemia fiquei com muito receio de qual seria o impacto e esperava até que fosse negativo, porque as pessoas não estavam treinando”, conta Daniel Ludwig Pawel, criador da plataforma brasileira. “Mas tivemos um boom de inscrições.”

No aplicativo, o número de corridas virtuais, feitas em esteiras, escadarias de prédios ou quintais, aumentou 40%. Até a corrida estacionária, que antes era apenas um exercício de aquecimento, as pessoas hoje estão fazendo por até uma hora seguida.

Virtual. Quatro anos atrás, quando começou a plataforma, a intenção de Pawel, que também é corredor, era criar um aplicativo que facilitasse a vida dos atletas que viviam fora dos grandes centros e não tinham acesso às provas.

Depois, conseguiu conquistar os que faziam provas de fim de semana e também queriam competir durante a semana. “Com a pandemia e o isolamento, as provas foram canceladas ou adiadas e muitos que tinham preconceito passaram a experimentar as provas virtuais.”

Mario Sérgio Andrade Silva, fundador e diretor da Run Fun, uma das primeiras consultorias especializadas em treinamento de corredores e de ciclistas, confirma esse quadro. Diz que antes da pandemia já se fazia tentativas de provas virtuais. Mas poucas pessoas participavam. Mas o cenário mudou. Ele cita dois exemplos de provas tradicionais que pela primeira vez, recentemente, ganharam versões virtuais: o Ironman, que realiza competições de Triathlon, e o Comrades, a ultramaratona realizada na África do Sul, um circuito de até 92 quilômetros.

Ultramaratona

Acostumado a correr longas distâncias ao ar livre e em condições nem sempre fáceis, o executivo Alexandre Martinez, de 44 anos, viu sua rotina intensa se resumir a treinos dentro de casa durante a quarentena. Quando soube que provas de ultramaratona estavam sendo adaptadas aos novos tempos, resolveu participar e se inscreveu logo na corrida de 150 km.

No novo formato, a corrida é feita ao longo de dez dias, e percurso e tempo têm de ser comprovados pelo atleta e validados diariamente pela organização – o corredor é desclassificado se quebrar a rotina.

“A divisão da corrida em vários dias dá a impressão de que é mais fácil do que se fosse de uma só vez, mas não é verdade. Você tem a sua rotina de casa e trabalho, que não parou, e seu corpo reage de forma diferente ao longo dos dias. É tão desafiador quanto”, afirma. “Muito disso tem a ver com motivação. Tenho três filhos, que estão acostumados a me ver fazendo grandes corridas e desafios, mas neste momento quis mostrar para eles que é possível, mesmo com um monte de restrição, fazer coisas grandes.”

Sócio-fundador da Foco Radical, Christian Schmidt explica que os organizadores de provas presenciais estão migrando para corridas virtuais por meio de parcerias com plataformas existentes ou por conta própria. “O modelo da corrida virtual é o que se apresenta como possível neste momento, mas é um mercado novo”, pondera.

Iniciativa própria. Enquanto os organizadores de provas se articulam para virar a chave do mundo real para o virtual, amantes de corridas fazem por iniciativa própria suas provas a distância. Informalmente, eles usam redes sociais e dispositivos de videoconferência para reproduzir o que até pouco tempo atrás acontecia nas ruas.

Atleta há 26 anos, Marta Bréscia, de 61, acumula nada menos do que 14 maratonas no currículo. Assim que o isolamento social começou, ela não queria nem poderia interromper sua rotina de treinos. Asmática, Marta vê nas corridas uma forma de preservar a saúde. Foi assim que decidiu começar a correr dentro do apartamento mesmo, em Perdizes, zona oeste de São Paulo.

Uma experiência que ela decidiu usar para organizar uma corrida virtual com o grupo que costuma treinar no Parque da Água Branca, na mesma região. “Achei que o meu grupo estava meio paradinho.”

A corrida ocorreu no fim de maio e seguiu todo o ritual de uma prova física. Com a adesão de mais de uma dúzia de companheiros de treinos, ela criou um grupo de WhatsApp dos participantes. As postagens começaram na véspera, com as fotos do uniforme pronto. No dia, pontualmente às 8 horas, foi dada a largada, com o áudio da contagem regressiva de uma prova de rua, que teve até trilha sonora do filme Carruagens de Fogo.

“Foi maluco aquilo, veio uma emoção e comecei a chorar”, lembra a professora de educação física Maria Alice Zimmermann, de 51 anos, uma das participantes. Cada um correu no local que tinha à disposição: dentro de casa, na garagem, na quadra do prédio.

Na opinião da professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e psicóloga do esporte Katia Rubio, ao realizar provas virtuais os corredores tentam buscar, a fórceps, a situação de normalidade perdida nos últimos meses. A especialista destaca que muito mais do que praticar o esporte, a intenção é manter os ritos de uma atividade essencialmente social. E a medalha, que é o reconhecimento, atesta isso. “A pandemia tornou mais visível a sociabilidade promovida pela corrida. Se havia dúvidas de que essa atividade é de grupo, agora não há mais.”

Idosos precisam de propósito

Pertencentes a um dos grupos de risco da covid-19, os idosos estão ainda mais submetidos ao isolamento por causa da pandemia. Muitos deles encontravam motivação em atividades em grupo como ginástica, universidade para terceira idade e atividades culturais, que hoje estão suspensas. Como lidar então com esse cenário e encontrar ânimo para levantar todos os dias?

Para Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil, que dirigiu por 14 anos o Programa Global de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), não estamos diante de um problema exatamente novo: a solidão, diz ele, já era enfrentada por 4 milhões de brasileiros antes da pandemia.

Em entrevista ao Estadão, Kalache comenta sobre a resiliência que os idosos costumam ter durante crises como a que estamos vivendo e destaca a importância da sociabilidade para o envelhecimento saudável. “Mais importante ainda é ter um propósito, para não sentir que a vida está vazia”, afirma. Um dos lugares em que idosos podem encontrar essa motivação é no trabalho voluntário, sugere.

A seguir, confira os principais trechos da entrevista.

Quais são os principais impactos que a pandemia pode causar nos idosos?

A covid-19 não forjou nossas mazelas, ela apenas está deixando-as escancaradas. A pandemia traz à tona questões muito antigas. O isolamento de idosos não é uma questão apenas deste momento: cerca de 4 milhões de idosos vivem sozinhos no Brasil, e são pessoas que mesmo antes da pandemia estavam habituadas a viverem só. Muitos idosos enfrentam essa solidão com muita dificuldade, porque não foi por opção – são pessoas que, por exemplo, não tiveram filhos ou os filhos vivem longe. Há também a questão do abuso e dos maus-tratos ao idosos, cujos registros têm aumentado no disque-denúncia. Mas, como sempre, em um país com tantas desigualdades, os efeitos da pandemia são bastante variáveis, dependendo da caixinha em que você está. Há pessoas idosas que têm recursos tecnológicos e sabem usar as ferramentas, o que faz com que elas estejam isoladas sem estarem sozinhas. Ao mesmo tempo, existem idosos que estão preocupados se vão ter o que comer hoje.

Como os idosos costumam lidar com situações adversas?

Em geral, eles costumam ter bastante resiliência. Como o idoso já passou por muitas e boas, ele consegue ver que há uma luz no final do túnel, enquanto uma pessoa jovem facilmente se desespera, entra em ansiedade e fica com medo da situação. O idosos olha para trás e lembra que já viveu outras adversidades que passaram. A resiliência é você dispor de reservas internas para vencer as dificuldades, os traumas e até as perdas que uma vida mais longa pressupõe. Entretanto, apesar de idosos serem mais resilientes, eles estão sentindo hoje a perda dos dias sem poder ver os netos, os amigos e sem poder passear. E eles sabem que essa é uma grande proporção da vida que lhes resta.

Muitos idosos que se dedicavam a atividades fora de casa tiveram uma mudança de rotina agora na pandemia, com o confinamento. Que efeito isso pode trazer para eles?

Fazia parte do dia a dia de muitos idosos frequentar espaços que promoviam atividades lúdicas, culturais e físicas. Alguns frequentavam programas de universidades para terceira idade também, e passavam a semana inteira esperando a hora de ir para aula, para aprender e conversar. Muitas vezes frequentar essas atividades significa encontrar pessoas: não é só ir fazer a ginástica, tem uma troca e você está participando e mantendo as suas relações. Muita gente deve estar sentindo falta disso. É uma geração que, mesmo que tenha adquirido o básico em questão de tecnologia, não tem a mesma versatilidade e também não acha tão fácil seguir uma aula de alongamento pelo celular, por exemplo. Isso tem um efeito físico, já que idosos perdem massa muscular mais rapidamente, e também um impacto emocional, que pode se traduzir em um sentimento de solidão.

Qual é a importância da sociabilidade nesta fase?

Existem alguns fatores que, se acumulados, podem ajudar você a envelhecer com qualidade de vida e a se tornar um idoso vivo e ativo. Primeiro, há os capitais de saúde: acho que todo mundo concorda que se a saúde vai embora, a qualidade de vida também vai. Há também os capitais de conhecimento, porque é importante aprender constantemente para não se tornar obsoleto. Um outro fator é justamente o capital social, mantendo amigos e relacionamentos. A sociabilidade é inclusive um fator de proteção, como ter alguém que cuide de você caso surja alguma doença. Por fim, há o capital financeiro, que não resolve tudo, mas ajuda no envelhecimento. Contudo, esses capitais sozinhos não são suficientes: eles não adiantam se você não tiver um propósito de vida, se não souber por que acordou e se vai levando a vida sentindo que ela está vazia.

É comum que idosos percam esse propósito na velhice?

Isso acontece sobretudo com os homens idosos, que ao longo da vida se acostumaram a depositar todas as fichas na profissão. Quando eles se aposentam de repente, ficam perdidos. O trabalho voluntário é uma boa opção para encontrar propósito. Encontre uma causa e faça o bem para alguém. Em um país com tanto problema social, tem muita gente precisando da sua ajuda.

O senhor acha que é possível manter a sociabilidade durante a pandemia?

Temos depoimentos de pessoas que estão agradecendo que existe chamada de vídeo para poder falar com seus netos. A tecnologia, para quem pode utilizá-la, está sendo uma ferramenta salvadora.

É importante o idoso manter desafios e metas?

Estabelecer metas e desafios é algo importante durante a vida toda. A vida é um curso: você não se transforma de repente aos 70 anos. Quanto mais cedo você começar a se preparar para a tal da velhice, tendo metas e objetivos, melhor. Se você não começou aos 20, comece aos 30, ou então aos 50. Você vai precisar de metas, disciplina e determinação para lidar com esse tempo maior que surge com a velhice. A vida antigamente era uma corrida de 100 metros, mas hoje é uma maratona. É importante a cada dia atingir uma meta e fazer um pouco mais para si a fim de chegar bem no final maratona.

Qual conselho o senhor daria para um idoso que está solitário e angustiado agora durante a pandemia?

É possível manter desafios agora, podem ser objetivos bem triviais, como se propor perder alguns quilos se você estiver precisando emagrecer. Pode ser uma meta também manter os amigos e manter o espaço de casa limpo. Faça com que esse lar em que você está confinado seja um ambiente agradável, abra a janela para arejar essa vida que está com bolor. Abra também aquele armário que está entulhado de coisas e separe o que precisa jogar fora e o que pode doar. Essa limpeza tem de ser no espaço físico, mas também na alma e no coração. A pandemia está mostrando o quanto a vida é frágil. Aproveite o confinamento para pensar em pedir perdão, para resolver mágoas. Tente fazer a vida mais leve, com bom humor. Olhe para o seu envelhecimento como uma tremenda conquista.

Adolescentes driblam tédio e rotina restrita

Não é fácil ser adolescente. Muito menos um adolescente que só está em contato com os amigos pelas redes sociais e passou de uma hora para a outra a fazer aulas a distância, enquanto vê no noticiário o avanço da covid-19. Mesmo assim, Rafael continua com suas aulas de dança, driblando o pouco espaço na sala de casa. Paolo, depois de vencer o coronavírus, cuida do físico e da cabeça. E Manuela tem se revelado uma bela escritora.

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Eles são alguns dos milhares de adolescentes que precisaram se adaptar a novas rotinas. E tudo isso sem o bônus das conversas no recreio, das festas ou das tardes de videogame com colegas. Mas eles vão encarando essa realidade e reconhecendo em si o que gostam e o que poderiam fazer diferente. Equilibram a angústia com encontros virtuais, séries, livros e várias horas no TikTok.

“Os adolescentes estão sentindo falta dos amigos, de se ver não só pelos aplicativos. Todos estamos dando conta de elaborar essas faltas e achar substitutos”, explica a psicanalista Luciana Saddi, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. “Temos recursos para isso. E os adolescentes, também.”

Manuela Paulino, de 14 anos, se arrepende de não ter se despedido como gostaria dos amigos no último dia de aula antes da quarentena. Achava que apenas fariam uma pausa de duas semanas. A ficha foi caindo aos poucos, com a divulgação da programação de aulas.

A saudade dos amigos é o que bate mais forte. “Depois de um tempo, consegui criar um ambiente para mim, filtrar as notícias que chegam do mundo de fora”, diz a aluna do 9.º ano, que escreveu um texto sensível e maduro sobre a quarentena para um sarau online de sua escola, em São Paulo.

Escrever, aliás, é algo que ela faz sempre que se sente inspirada. Esse texto da escola nasceu das observações que vai anotando em seu diário, à mão, com a letra redondinha. Para aplacar a falta dos amigos, tem escrito sobre eles. E, como qualquer adolescente, está passando muito tempo conectada e no TikTok.

Busca pelo foco. Como Manuela, Maria Luiza Salvatori, de 17, vem tentando se proteger de notícias pesadas. Conta que tem seguido páginas mais positivas na internet. “Sinto um medo constante”, diz. “Eu sei que se eu pegar, vou ficar bem e me tratar, mas me preocupo com meus avós, com meus pais, com as pessoas do prédio. Sinto empatia, sabe?”

Malu está às vésperas do Enem e tem sentido dificuldade de se concentrar. “Em casa, é tudo mais flexível e me pego procrastinando. Adoro ler, mas não tenho conseguido focar em nada”, diz a estudante, que quer cursar ciências políticas.

De acordo com a psicóloga Edna Oliveira, a família pode ajudar a motivar os adolescentes neste momento. “Claro que não é fácil, mas é preciso abrir um caminho do qual você, pai, faça parte”, sugere. “Posso chamar esse adolescente para uma atividade ou pedir a ajuda dele.”

Essa proximidade, com todos ficando mais em casa, é uma oportunidade para a família se conhecer melhor. “Muitos pais não sabem o que motiva os filhos”, diz Edna. “Esse é o momento de perguntar.”

Após o coronavírus

Paolo Carrenho, de 16 anos, também achava que seria fácil se tratar, caso ele pegasse o coronavírus. E sua quarentena começou bem, na euforia de poder ficar em casa, na Vila Mariana, na zona sul de São Paulo. Estudante e jogador de futebol, ele continuou fazendo exercício e foi tocando a vida. Viu o tédio se aproximando, até que no dia 14 de maio os primeiros sintomas da covid-19 apareceram.

“Sempre tive uma boa saúde e achei que os efeitos não seriam tão absurdos se eu pegasse. Mas o coronavírus é muito silencioso.” Paolo teve os sintomas intestinais e torceu para não sofrer com a falta de ar.

Durante a doença, o garoto viu séries e filmes. Ainda leu Felicidade: Modos de Usar, de Leandro Karnal, Luiz Felipe Pondé e Mario Sérgio Cortella. “Agora, estou tentando manter o físico e não atrofiar o cérebro.”

Irmão de Paolo, Rafael, de 14, passou a temer a covid-19 quando precisaram de se isolar. “Tive medo que ele piorasse e fosse internado. Agora, temo que alguém mais pegue e eu não consiga me despedir”, diz Rafael.

A psicanalista Luciana explica que muitos jovens vêm ficando angustiados por estarem sendo confrontados, pela primeira vez, com a morte. “Muitos pais não sabem falar disso com os filhos”, afirma. “As pessoas precisam conversar mais sobre a morte, sobre o medo de morrer. Assim, a angústia passa a ser nomeada e nos tranquilizamos.”

Rafael, por exemplo, ficou mais em paz quando se deu conta de que o medo não era só dele. Na quarentena, o garoto continuou fazendo de casa suas aulas de dança. Também se aproximou da cozinha. “Descobri que sei fazer algumas coisas.”

Mesmo com as dificuldades, a psicanalista Luciana acredita que, de modo geral, os adolescentes estão se saindo bem durante a quarentena. Muitos conseguem ser criativos, estudar e ocupar o tempo, na opinião dela. A psicanalista sugere uma relação mais equilibrada entre pais e filhos, sem pressão demais ou proteção exagerada.

É necessário, no entanto, ficar atento para casos mais sérios, quando o medo acaba paralisando o jovem. “Então, é preciso procurar ajuda.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.