Mulheres nas portas dos quartéis impediam a saída de viaturas. Os policiais se mantinham nas casernas, e políticos – a maioria deles reunidos em torno da candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência – espalhavam notícias sobre crimes nas redes sociais. Assim foi o motim da PM capixaba, em 2017, que durou 21 dias e se tornou um marco da ação do bolsonarismo nos quartéis, estimulando motins contra os governadores.

Especialistas ouvidos pelo Estadão contam como uma parte considerável dos PMs se tornou um público fiel a Bolsonaro. Inclusive com a adesão de coronéis para os atos de 7 de Setembro em São Paulo e em Brasília. Um deles – o coronel da PM paulista Aleksander Lacerda – acabou afastado de seu comando no interior após convocar em rede social os “amigos” para o ato.

“Fui o primeiro governador que enfrentou um motim da PM que combinava uma articulação paroquial de políticos locais com uma articulação nacional”, conta o então governador do Espírito Santo, Paulo Hartung. A investigação de mensagens de redes sociais mostrou envolvimento da bancada da bala na greve. “Isso não é bom nem para o País nem para os brasileiros, que pagam a conta, nem para a instituição Polícia Militar nem para os policiais. Todos perdem”, diz.

Desde então, os políticos vinculados ao presidente justificam o apoio aos movimentos dos PMs repetindo o que o então deputado Bolsonaro disse em 8 de fevereiro de 2012, no plenário da Câmara: “O chefe do Executivo não pode se prevalecer da disciplina do militar para subjugá-lo”. Bolsonaro tratava da greve dos PMs na Bahia, Estado então governado pelo hoje senador Jaques Wagner (PT).

“Qualquer membro de qualquer corporação sempre vai procurar melhorias salariais e de condições de trabalho. É natural. O que não é natural é que alguém armado se insurja contra a sociedade que o armou”, afirma Wagner. O senador diz que a manutenção da disciplina não implica falta de diálogo com a corporação. A greve na Bahia em 2012 durou 12 dias. A exemplo do Espírito Santo, lá também tropas do Exército foram usadas para garantir a ordem.

Entre 1997 e 2021, as Forças Armadas foram mobilizadas 26 vezes para lidar com greves de PMs. A maior delas atingiu a PM de Minas e foi causada pela decisão do então governador Eduardo Azeredo (PSDB) de conceder reajustes salariais de até 20% só para os oficiais. Seis dias após o anúncio, a greve estourou entre os praças. No fim, o governador deu aumento de 48% aos praças.

Sensível

Para coronéis entrevistados pelo Estadão, o que aconteceu em Minas seria o símbolo da “insensibilidade” de governadores com as condições de vida dos PMs. Seguiu-se uma onda de motins pelo Brasil, acompanhados pela presença de políticos que tentavam explorar um novo eleitorado: os cabos e soldados, que só passaram a ter o direito ao voto com a Constituição de 1988.

Para o tenente-coronel da reserva da PM paulista Paulo Ribeiro, os governos assistiram passivamente a PM “perdendo a esperança em razão de uma condição salarial desumana”. Esse ponto seria explorado por Bolsonaro. “Esse desespero suscita a vontade de ser resgatado por um ‘messias’. Apareceu um com discurso raso, sem lastro, que, nada fazendo pelos policiais militares, consegue seduzi-los por meio de palavras de onipotência.”

Para o cientista político Leandro Piquet, policiais que querem ser candidatos estão aproveitando o clima atual no País. “Houve erros das lideranças políticas, como as inovações malsucedidas feitas pela esquerda no Rio Grande do Sul.” Segundo ele, Bolsonaro encontrou esse filão de insatisfação e o está explorando. Para Piquet, apesar disso, o risco de ruptura envolvendo as PMs seria inexistente.

Representante da bancada da bala paulista, o deputado estadual Coronel Telhada (PP), afirma que os atos do 7/9 devem ser pacíficos: “Estarei lá com minha família”. Para ele, “o pessoal da ativa não vai comparecer, pois vai obedecer o comando”. “Sou opositor do Doria, mas jamais usarei a imagem da tropa para fazer oposição. Quem está fazendo isso será candidato no ano que vem.”

Em São Paulo, o histórico de como a PM lidou com movimentos grevistas ajuda a conter a tropa. A última greve da PM paulista foi em 1989. E resultou em 157 PMs demitidos. “Eu estava no Regimento (de Cavalaria), que agiu rapidamente e salvou o comando”, lembra o coronel Rui César Melo, que depois comandaria a PM. Ao contrário de outros Estados, nenhum PM foi anistiado. Para Hartung, as anistias são um estímulo a novos motins. Em 2011, a presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou lei que anistiou PMs de 13 Estados e do Distrito Federal que se rebelaram entre 1997 e 2011. Entre os beneficiados estavam policiais de Minas e da Bahia.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.