O DataSUS divulgou um dado preocupante sobre o Brasil: nos últimos 20 anos os suicídios subiram de 7 mil para 14 mil, mais de um a cada hora, sem contar os casos que não foram notificados. O número é maior do que mortes por acidentes de moto no mesmo período. 

A situação do Brasil vai na contramão de boa parte do mundo, que viram os números de suicídio caírem nas últimas décadas. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o aumento da depressão e ansiedade na pandemia é um dos principais fatores que levaram a esse aumento. 

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Segundo a entidade, o número de casos de transtornos de ansiedade aumentou 25,6% e os de depressão 27,6% em 2020 no mundo. Solidão, medo da morte, luto e preocupações financeiras são alguns dos principais motivos para a depressão. 

De acordo com a psiquiatra do Hospital Sírio Libanês Carolina Hanna, é difícil traçar um motivo para esse aumento, já que vários aspectos psicossociais podem levar ao suicídio. 

“Vivemos hoje com muita privação social, aumento da pobreza, falta de perspectiva, descrença nos governos. Entre os jovens há uma cultura do imediatismo, falta um sonho mais longevo. Entre os mais velho o risco de cometer suicídio é ainda maior, porque envelhecer no brasil está longe de ser simples, é muita incerteza, muito desamparo, em uma população que já é mais vulnerável”, explicou. 

Brasil é o país mais ansioso do mundo

Outro ponto que pode levar ao suicídio é o quadro de ansiedade e de depressão.  A OMS aponta que, desde 2017, o Brasil é o país mais ansioso do mundo, com mais de 19 milhões de pessoas com o quadro do transtorno. A Universidade de São Paulo (USP) também realizou uma pesquisa onde mostrou que 63% dos brasileiros lidam com algum quadro de ansiedade e 57% com depressão. 

Como ajudar? 

Uma parte delicada de se conviver com uma pessoa com pensamentos suicidas é a ajuda. Quando e como ajudar é uma decisão que muitas vezes pode ser vital, mas há também a preocupação de falar o que não deve e no momento errado. 

A psiquiatra afirma que é necessário ter uma escuta empática sempre que se notar algum comportamento diferente em uma pessoa próxima, e que falar sobre suicídio, ao contrário do que se pensa, pode ajudar a preveni-lo. 

“Qualquer tentativa de suicídio prévia, alterações de comportamento, se a pessoa tem algum parente de primeiro grau que já cometeu suicídio, é um sinal de alerta. Para ajudar, tenha uma abordagem empática, essas pessoas em geral já se julgam, então é importante dar espaço para o sofrimento da pessoa sem julgamento. A pessoa falar sobre o desejo de morrer não aumenta o risco de suicídio, pelo contrário”, apontou Hanna.   

Qual o papel da pandemia? 

Apesar desses números já estarem em crescimento nas últimas décadas, a pandemia do Covid-19 pode ter piorado ainda mais esse quadro. Fatores diversos como o isolamento de família e de amigos, a morte de pessoas próximas e as dificuldades financeiras podem ter piorado ainda mais a situação da saúde mental do brasileiro. 

“O adoecimento mental em linhas gerais depende da interação de fatores individuais, genéticos, de história familiar e traumas que ocorrem ao longo da vida. Milhares de pessoas foram vítimas diretas e indiretas da pandemia por diversos motivos, seja por morte, desemprego, doença, excesso de trabalho, como no caso dos profissionais de saúde”, disse Hanna. 

Acesso à ajuda

O tratamento psiquiátrico precisa superar diversas dificuldades, como preconceitos quando se fala em remédios e tratamentos para depressão e ansiedade. Há ainda os que se recusam a procurar ajuda profissional por não se considerarem “loucos”.

Mas Hanna afirma que há um outro problema muito grande, principalmente no Brasil, que é o de acesso a tratamentos de qualidade, que muitas vezes são caros e não entram na lógica econômica dos planos de saúde. Além disso, o tratamento e distribuição de remédios via SUS muitas vezes são insuficientes. 

“Toda a dificuldade imposta em relação ao acesso a saúde mental é nociva em relação ao suicídio. A demanda por atendimento no Brasil é muito maior do que a oferta, especialmente no SUS e em profissionais de alguns planos de saúde. O tratamento da saúde mental é mais longo, o tempo de consulta é mais longo e exige mais atendimentos com mais frequência, ele não pode ser padronizado como uma consulta clínica que tem critérios objetivos e que a medicação muitas vezes é dada de uma vez e faz efeito pra não ter um ajuste tão breve”, comenta. “Os medicamentos psicotrópicos não começam a fazer efeito rapidamente e necessitam de um monitoramento mais de perto. Alguns podem até causar uma piora transitória do quadro no início do uso”, encerrou.