Horas antes de desatar na segunda-feira, 23, em Buenos Aires, um pacote de nove medidas para ressuscitar a economia do país, o ministro José Luiz Machinea não tinha certeza sobre qual seria o tamanho da sua audiência. Sem boas notícias para dar aos argentinos, acostumado a rebater rumores sobre sua queda, ele cuidadosamente escolheu como palco o auditório do Banco de La Nación, um dos últimos redutos estatais da Argentina, mandou distribuir 500 convites aos principais empresários do país e, aliviado, teve casa cheia. ?Como empresários, vocês são parte vital da engrenagem que move a economia do nosso país?, afirmou Machinea. A sensação de apoio que sentiu, porém, se mostrou efêmera. O mercado esperava mais do que medidas de redução de impostos para empresas e incentivo ao consumo. A cerimônia soou maior que o gesto.

Após o anúncio, a Bolsa de Valores de Buenos Aires fechou em baixa de 2,3%, o indicador de risco elaborado pelo J.P. Morgan concedeu 815 pontos ao país, um recorde negativo nos 10 meses do governo do presidente Fernando de la Rúa, e o primeiro leilão de títulos públicos levou o governo a enfrentar taxas de juros de 9,2% para colocar no mercado US$ 250 milhões em letras do Tesouro. Duas semanas antes, para a mesma operação, a taxa era dois pontos menor. Na Capital e nas províncias, a população recebeu o pacote com indiferença. ?É a primeira vez que o governo baixa medidas em que a pressão fiscal sobre os que pagam impostos não aumenta?, reconhece o economista César Daniel Contino, diretor-financeiro na Argentina da empresa de recursos humanos Adecco. ?Mas, de maneira geral, todos por aqui esperavam medidas mais contundentes e eficientes para sair da profunda crise que atravessamos.?
?No curto prazo, a situação não está boa?, reconheceu à DINHEIRO o secretário da Fazenda da Argentina, Mario Vicenz. ?As transformações feitas agora surtirão o efeito esperado a médio e longo prazos. Quem acha que as medidas foram tímidas é porque não está na nossa posição de governo. Estamos otimistas.? O secretário Vicenz garantiu que não há mais medidas para sair do forno pilotado pela equipe de Machinea e, assim como o ministro tem feito com insistência nos últimos tempos, assegurou que não circula no primeiro escalão do governo a idéia de mexer no câmbio que faz um peso valer um dólar. ?Essa política é intocável. Em nenhum momento esse governo vai dar um salto no vazio.?

 

No vazio, porém, ainda que não possa reconhecer, a Argentina já está. Nenhum outro país industrializado do mundo mantém a-tualmente a política cambial de equivalência da moeda local ao dólar. Na América Latina, México, Colômbia e Brasil já percorreram esse caminho e ficaram aliviados com a escapada. Os argentinos, no entanto, sob o fardo de acumularem hoje 70% de seus depósitos bancários em dólar, temem que a opção da desvalorização do peso retire o que sobrou de apoio político ao governo De la Rúa depois do escândalo de compra de votos no Senado. Seria o caos. No outro prato da balança, as exportações do país não ultrapassam a barreira de 10% do PIB e, emparedada, a economia não se move. A pergunta é: até quando irá a agonia do peso entre a vida e a morte sob o manto do dólar?

Até o início do próximo ano, ao menos, a sobrevivência da atual política cambial argentina parece garantida. Um bom respiro foi encontrado na forma de um empréstimo de US$ 1,2 bilhão obtido pelo governo na quarta-feira, 26, em seis bancos locais, a ser pago em dois anos. Com o dinheiro, o ministro Machinea fez caixa suficiente para cobrir os compromissos da dívida externa do país até dezembro e entrar em 2001 com uma sobra de US$ 700 milhões. No plano interno, segundo dados da Secretaria do Fazenda, a Argetina somava um passivo financeiro de US$ 13,2 bilhões para um total de US$ 24,6 bilhões em ativos. Em recursos de Liquidez Internacional de Sistema Financeiro, os números oficiais apontavam na terça-feira, 24, outros US$ 32,7 bilhões. ?Temos cobertura para manter a paridade?, sustenta o secretário Vicenz.

 

As mexidas no vizinho fizeram o Brasil sentir o tranco. O dólar, aqui, ultrapassou a marca de R$ 1,90, as bolsas caíram e houve pressão de alta sobre a taxa de juros. O receio de alteração, para pior, nos sensores que medem o chamado risco Brasil, voltou à ordem do dia. Sem poder ajudar o vizinho com recursos, ainda assim houve solidariedade. Em Madri, onde foi receber um prêmio concedido pelo governo espanhol, o presidente Fernando Henrique Cardoso posou, sorridente, para fotos com seu colega De la Rúa, mas não havia nada a anunciar. Enquanto eles estavam na capital espanhola, em São Paulo, na sede regional do BNDES, uma delegação de técnicos argentinos reuniu-se com brasileiros para discutir aspectos do acordo automotivo no Mercosul. Igualmente não houve resultados a divulgar. Os parceiros que, na prática, sustentam o bloco econômico, parecem entender que, agora, quanto menos falar e mais esperar para ver como a situação se desenvolverá, melhor.