Pouco mais de uma semana após o ex-juiz da Lava Jato Sérgio Moro ir ao Senado anunciar posição contrária à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, três dos nove senadores de seu partido, o Podemos, votaram a favor do texto costurado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro. Diante da traição ao pré-candidato do Podemos ao Palácio do Planalto, houve constrangimento e desconforto na bancada.

É a segunda vez que Moro é “atropelado” por parlamentares do Podemos neste tema. Na Câmara, durante a votação da proposta que adia o pagamento dos precatórios – dívidas decorrentes de sentenças judiciais -, cinco dos dez deputados da sigla também haviam sido favoráveis à medida, no início de novembro.

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As principais críticas à PEC têm como argumento o fato de a proposta flexibilizar o teto de gastos públicos, regra que limita o avanço das despesas à inflação, considerada essencial para a credibilidade fiscal do País. O governo afirma que a iniciativa é necessária para pôr de pé o novo programa social do governo, o Auxílio Brasil, com valor mensal de R$ 400. A iniciativa abre espaço de R$ 106,1 bilhões no Orçamento, dinheiro que dá para encaixar o novo programa social, aumentar as verbas das emendas parlamentares e até o Fundo Eleitoral.

Apesar de ter sinalizado posição contra a PEC na semana passada, o Podemos liberou a bancada que votasse como quisesse. Os três senadores do partido de Moro que votaram a favor da proposta são Jorge Kajuru (GO), Marcos do Val (ES) e Flávio Arns (PR).

Kajuru chegou a postar nas redes sociais que, nem se “a mãe pedisse”, votaria a favor da PEC. Procurado, o senador de Goiás justificou a mudança de posição da seguinte forma: “Exclusivamente por ver minha Pátria com milhões passando fome! O vulpino governo Bolsonaro colocou tudo na PEC!”.

O líder do Podemos no Senado, Alvaro Dias (PR), tentou adotar tom conciliatório e disse entender os motivos que levaram os senadores a votar a favor do governo. “O texto mudou pra melhor. Houve redução do dano. Por isso liberamos”, afirmou ele.

Um dos responsáveis pela entrada do ex-juiz e ex-ministro da Justiça na política, Dias admitiu, no entanto, que as mudanças podem não ser aplicadas. Na prática, as alterações feitas pelos senadores em relação ao texto aprovado na Câmara devem acabar sendo fatiadas e enviadas para nova votação pelos deputados.

Pelo regimento do Congresso, apenas os trechos de comum acordo entre Senado e Câmara poderão ser promulgados neste momento. “Houve muitas alterações. Por exemplo: foi fechado o espaço para emendas de relator. Se houver fatiamento, a redução de danos será em vão, pois se fartarão no feirão das emendas”, argumentou Dias. “Por isso, dos 13 votos contrários, 6 foram do Podemos”, disse o senador, querendo mostrar o outro lado da moeda.

Ao discursar com senadores da bancada do Podemos, no último dia 23, Moro pregou a rejeição da PEC dos Precatórios e pediu que, em vez disso, fosse votada uma proposta alternativa para fixar um limite à verba que ultrapassasse o teto de gastos. “O Podemos não pode compactuar com o desemprego dos trabalhadores brasileiros e gerar situações ainda mais difíceis, sob o argumento de que isso seria necessário para combater a pobreza”, criticou o ex-juiz.