Todos os contribuintes, sem exceção, estão convencidos de dois fatos. O primeiro é que pagam muito imposto. O segundo é que os demais contribuintes pagam menos do que deveriam. Daí a dificuldade que sucessivos governos tiveram e continuam tendo para fazer avançar as propostas de reforma tributária. Com suas cerca de 5 mil leis e normas, a estrutura fiscal brasileira precisa de mudanças urgentes. Os impostos são elevados, o que estimula a sonegação. São regressivos, ou seja, pesam mais para quem está na base da pirâmide. E incidem em cascata, o que afeta a competitividade da economia. No entanto, para mudar essa situação, o Leão tem de passar a cravar suas presas em setores da economia que até hoje estiveram livres de suas mordidas, o que gera resistência e dificulta o processo. Por isso, a primeira parte da proposta de reforma, enviada pelo governo ao Congresso na segunda-feira (21) ficou aquém das expectativas.

As mudanças no Imposto de Renda (IR) são parte de uma reforma maior do sistema tributário que o Ministério da Economia está correndo para aprovar em cinco capítulos antes da eleição presidencial do próximo ano, como parte da agenda liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes. Mas, à medida que as eleições se aproximam, as chances de uma reforma mais ousada diminuem.

A primeira frustração veio na tributação dos proventos. A ideia original do Ministério da Economia era deslocar o imposto cobrado das empresas para seus acionistas. Assim, deixaria de existir o pagamento de proventos por meio de Juros Sobre o Capital Próprio (JCP), em que os acionistas pagam 15% de IR. Restariam apenas os dividendos, hoje isentos, e que passariam a pagar os mesmos 15%.

Parece que nada muda, mas não é o caso. A principal diferença é que, atualmente, o JCP, uma jabuticaba 100% brasileira, é contabilizado como um custo e é usado pelas empresas para reduzir o imposto a pagar. Os dividendos, que são distribuídos a partir do lucro líquido, não têm essa vantagem para o empresário. Daí a preferência de pagadores habituais, como os bancos, por JCP e não por dividendos. Na prática, a mudança reduziria o incentivo para as empresas distribuírem proventos e estimularia o reinvestimento dos lucros, fortalecendo a economia. Para compensar a perda desse resultado fiscal, o IR sobre as empresas cairia dos atuais 25% para 20%.

SERGIO FREITAS

“A proposta caminha na direção mais correta de tributar mais os investidores e menos as empresas, mas o problema é que ela aumenta a tributação do investidor sem reduzir a da empresa” Lavinia Junqueira Sócia do escritório Junqueira Ie Advogados.

A ideia original era que isso valesse para todas as empresas. Porém, pela intervenção direta de Jair Bolsonaro, essa mudança valerá apenas para as companhias que aderiram à tributação pelo lucro real. Na prática, isso representa um aumento da arrecadação para as empresas. Um cálculo da advogada Lavinia Junqueira, sócia do escritório Junqueira Ie Advogados, confirma isso. Analisando os resultados de 2020 das dez companhias abertas mais representativas do Ibovespa, Junqueira calculou que a redução de cinco pontos percentuais na alíquota do IR faria essas empresas pagarem R$ 3 bilhões menos de imposto.

No entanto, se não pudessem deduzir os juros sobre capital próprio pagos aos acionistas, como propõe o Governo, elas teriam pago R$ 7 Bilhões a mais. Na ponta do lápis, a proposta elevaria a carga tributária em R$ 4 bilhões, o que reduziria o capital para reinvestir na atividade. “A proposta caminha na direção correta de tributar mais os investidores e menos as empresas, mas ela aumenta a tributação do investidor sem reduzir o da empresa”, disse Junqueira.

Não haverá mudanças para as empresas inscritas no Simples e nas tributadas pelo lucro presumido, que são a vasta maioria. Além disso, o Planalto inseriu uma faixa de isenção para os dividendos. A tributação começa para quem receber R$ 20 mil por mês ou R$ 240 mil por ano, o que deixa de fora os pequenos investidores, o que deve reduzir a eficácia da medida.

ISENÇÃO Também foram propostas mudanças na tributação das pessoas físicas, com o aumento da faixa de isenção do IR. Atualmente são isentos os contribuintes que recebem rendimentos tributáveis até R$ 1,9 mil por mês, e a proposta é elevar esse limite para R$ 2,5 mil por mês. Também haverá a correção das faixas de tributação superiores, que devem ser elevadas em R$ 1 mil. O Ministério da Economia calcula que essa ampliação pode dobrar o número de contribuintes isentos, dos atuais 8 milhões para 16 milhões de trabalhadores no total.