O número de casas abandonadas e à venda na travessa Correntinos, no bairro do Tremembé, costuma aumentar logo após a temporada de chuvas a cada ano. O movimento de moradores nessa parte da zona norte de São Paulo é contínuo e seu principal problema, perene: qualquer chuva forte é suficiente para, em pouco mais de meia hora, deixar o asfalto e a calçada completamente alagados.

Logo após uma grande enchente em 2006, o administrador de redes Marcos Carmona, de 55 anos, sentou na calçada da Correntinos e chorou. A água invadiu sua casa e estragou dez computadores de clientes que valiam, à época, cerca de R$ 30 mil ao todo. Teve de fazer um empréstimo para cobrir o prejuízo. Nos 20 anos que mora ali, Marcos já teve o carro arrastado pela enxurrada três vezes.

“Eu sentei aqui e chorei igual criança”, ele conta. “Toda a água se concentra aqui, que é o ponto mais baixo, o rio é aqui embaixo. Vira uma piscina mesmo, vem peixe, vem tartaruga.”

O advogado Fábio Tommasi de Carvalho, de 60 anos, calcula que deve ter gastado, em reparos, o triplo do valor da sua casa. Morador da rua desde criança, ele lembra que antes da expansão urbana ao lado da serra da Cantareira, a chuva formava ali um pequeno espelho d’água. Com o asfalto e as calçadas de concreto, passou a se acumular água em maior volume e mais rapidamente.

Fábio conta que não foram raras as vezes em que ficou limpando o estrago de uma enchente até a madrugada para, no dia seguinte, uma nova chuva trazer a lama novamente. “É uma degradação psicológica”, ele resume. “O cidadão traz para si a obrigação que é do Estado, e não tem como vencer.”

Imirim

No bairro do Imirim, também na zona norte, uma das maiores enchentes na região em décadas deixou um rastro de estragos. Levados pela enxurrada, três carros ficaram empilhados em um córrego que inunda rotineiramente no verão.

Parte do problema é o lixo acumulado acima do córrego, que foi canalizado e coberto por concreto. Moradores instalaram uma grade por conta própria para impedir o descarte irregular de lixo.

“Se você deixar aberto, vira ponto de entulho”, diz o professor Carlos Rodrigo de Almeida, que visita a casa dos avós, ao lado do córrego, há 28 anos. “Depois que fez isso aqui, não tem mais cama, sofá, colchão.”

A um quarteirão de distância, alguns moradores acumulam nas garagens os eletrodomésticos estragados pela inundação. A diarista Maria Luciene, de 54 anos, mudou-se para o bairro há um ano para ficar mais próxima da família. Depois da enchente, porém, pensa em voltar para a favela onde vivia, na zona norte. O carro foi invadido pela água e já não funciona, as paredes perderam o reboco, e ela vive com medo de uma acordar e ver os móveis levados pela chuva novamente.

“Agora, a cada hora que o céu fica assim, nublado, você já começa a pensar”, diz Maria. “Imagina acordar boiando?”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.