Quem olha de fora a indústria do luxo tende a só ver o glamour de um mercado pautado pela experiência. Quem está dentro vive uma das maiores transformações da história desse setor, o mergulho no e-commerce totalmente acelerado pela pandemia da Covid-19. O paradoxo colocado à mesa é evidente: como manter no ambiente digital uma relação lastreada no personalismo e na exclusividade. Alimentar essa tão delicada relação com o consumidor se tornou o grande desafio do setor. A Michael Kors decidiu seu caminho, e deixou claro que se trata de uma estratégia sem cara de retorno. A marca fez uma movimentação ainda pouco vista no mercado brasileiro de artigos de luxo e lançou há três semanas o primeiro e-commerce próprio. Antes comercializada apenas por duas plataformas parceiras, a marca possui agora o prumeiro site exclusivo no Brasil e na América Latina. A julgar pela adesão média diária de 5 mil acessos, foi o lance mais acertado.

A movimentação feita no País é pioneira no Grupo Dorben – detentor, além da grife Michael Kors, de outras 15 marcas, dentre elas Carolina Herrera, Jimmy Choo, Tod’s e Tory Burch no Brasil. Para Marco Megiani, CEO da companhia no País, o lançamento mostra o potencial do mercado nacional para o segmento premium mesmo em ambientes digitais. Com um diferencial. “Existe um interesse do consumidor brasileiro pela experiência completa de cada marca”, disse. “E essa essência só é possível ser transmitida por meio de plataformas próprias.” Com exclusividade à DINHEIRO, Megiani anunciou que a marca Tory Burch também ganhará uma plataforma própria, prevista para ser lançada entre o fim do quarto trimestre deste ano e o início de 2022.

O novo posicionamento, segundo o executivo, ocorre em um cenário onde a experiência criada pelas marcas garantiu relação estreita com o consumidor, capaz de superar o fechamento das lojas. Bem. Em um País sem vacina, ou é isso ou é isso. Sem dar detalhes, Megiani adiantou que há chances de outras marcas do grupo receberem plataformas próprias. O sucesso do e-commerce não foi ocasionado apenas pelo fechamento, de março a julho, das 70 lojas da companhia localizadas em 12 países da América Latina. Com o dólar em alta, o consumo dentro do Brasil cresceu e foi fator decisivo para controlar a queda de aproximadamente 22% do faturamento da empresa durante o ano.

MERCADO DIGITALIZADO CEO do Grupo Dorben no Brasil, Marco Megiani aposta na participação do consumidor brasileiro para impulsionar a presença digital das marcas de luxo. (Crédito:Gabriel Reis )

Dois fatores foram categóricos para o resultado. Além da pouca diferença de preço entre o produto adquirido no Brasil e no exterior, contribuiu também um hábito bem nacional: a possibilidade de parcelamento. Felipe Dellacqua, especialista em e-commerce, afirma que independentemente do retorno ou não das viagens internacionais o fator dólar vai influenciar diretamente na relação de consumo do mercado brasileiro com o segmento de luxo. “Acredito que, pela primeira vez na história, conseguimos comprar um produto mais barato internamente do que no exterior”, disse Dellacqua. “Temos um caminho de demanda interna muito grande.”

RESILIÊNCIA BRASILEIRA O Grupo Dorben prevê que o consumo interno permaneça forte em 2021 e ajude, junto à reabertura das lojas e a atuação das plataformas próprias de e-commerce, na recuperação dos resultados financeiros da companhia. Em todo o setor, o País teve retração abaixo da média global no comparativo de 2020 com o ano anterior. Enquanto as operações globais do segmento totalizaram cerca de US$ 905 bilhões, recuo de 13,8% em relação a 2019, o Brasil apresentou queda de 11,4%, para US$ 5 bilhões. A China, maior mercado mundial, foi o único país com alta durante a pandemia. Segundo levantamento do Euromonitor International, o crescimento foi de 1,4%, para US$ 290 bilhões.

No caso do Grupo Dorben, haverá expansão também de lojas físicas, atualmente em 70 unidades. Marco Megiani afirmou que isso não significa tirar o foco do ambiente virtual. “Com o digital, podemos levar essa experiência para toda e qualquer cidade”, disse o executivo. “É algo que, pelas características do segmento e pelo tamanho do Brasil, jamais conseguiríamos alcançar.” A companhia está reestruturando sua sede na capital paulista para abrigar toda a operação logística e de transporte, vitais no e-commerce. Segundo o CEO, o projeto ficará pronto até a metade do ano e deve quadruplicar as operações no País. Na previsão dele, a participação das vendas digitais, que hoje representam 20% do total, devem saltar para 40% até o fim deste ano. Se as projeções do executivo estiverem corretas, a jornada de consumo não será afetada. De forma presencial ou pela tela de um computador, o segredo está na experiência personalizada.