Avenida Tucunaré, número 500, Barueri, Grande São Paulo. Em maio de 2017, o endereço em questão passou a fazer parte do roteiro de Luiz Fazzio. Com 36 anos de experiência no varejo, ele assumiu, na época, a presidência da Tok&Stok e começou a “bater ponto” no local, que abriga a sede da rede brasileira de móveis. A partir deste mês, no entanto, o executivo de 58 anos terá um outro destino, a apenas 800 metros dali. No número 125 da mesma avenida, está instalado o quartel-general da subsidiária do Walmart no Brasil. Na contramão da pequena alteração de percurso, a mudança simboliza um dos maiores desafios da trajetória de Fazzio: como novo CEO da operação, ele tem pela frente a missão de conduzir uma grande virada nos rumos da varejista americana no País.

A chegada do executivo, confirmada por fontes ouvidas pela DINHEIRO, mas ainda não oficializada ao mercado, tem a chancela da Advent, gestora americana de fundos de private equity. Há um mês, a empresa assumiu o controle do Walmart no Brasil, ao comprar 80% do negócio. Até segunda ordem, os 20% restantes seguem nas mãos da matriz da rede. O acordo obteve a aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) no fim de junho. Um histórico de prejuízos, de erros de gestão e de falta de autonomia dos executivos locais ajudam a explicar a mudança. Presente no País desde 1995, a varejista nunca conseguiu cair nas graças dos consumidores brasileiros. E vem, ano a ano, perdendo espaço para rivais como o Carrefour e o Grupo Pão de Açúcar (GPA), o que se refletiu na troca constante de CEOs. Desde 2008, quatro nomes já ocuparam o posto.

Mesmo antes da aprovação do acordo pelo Cade, Fazzio já era o favorito para a vaga. A bagagem acumulada em mais de três décadas o credenciou no processo. Ao longo da carreira, que teve início em 1982, como trainee na Mesbla, ele ocupou posições de destaque em importantes varejistas e ganhou fama pela capacidade de reestruturar operações. A Tok&Stok é o exemplo mais recente. Sob o seu comando, a empresa registrou um salto de 119% no lucro líquido, em 2017, para R$ 23,5 milhões, revertendo uma queda de 75% no indicador, um ano antes. “Ele é visto, muitas vezes, como um executivo duro, centralizador, de gênio extremamente forte, mas, na mesma medida, muito competente”, afirma um executivo que trabalhou com Fazzio em diferentes empresas. “Se pudesse resumi-lo, eu diria: missão dada é missão cumprida.”

Mais atacarejo: uma das estratégias de Fazzio será aumentar a presença bandeira Maxxi nos negócios do Walmart

A opinião é reforçada por outras pessoas que trabalharam com o executivo. “Fazzio é o nome certo e na hora certa para o Walmart”, diz um consultor do setor. Ele destaca o fato de o executivo ter passagens por empresas de diferentes segmentos do varejo, além de ter feito parte do conselho de administração de companhias, como a rede de farmácias Pague Menos. Essa boa reputação começou a ser construída na década de 1990. No período, ele alternou passagens por cargos de alto escalão no Makro, no GPA e no próprio Walmart, entre 1994 e 1996. Como diretor de operações, foi o primeiro executivo contratado pela varejista americana no Brasil. A estreia como CEO veio em 2002, quando foi nomeado presidente da C&A, cargo que exerceu por sete anos. Na varejista de moda, reduziu equipes, cortou regalias no alto escalão, implantou sistemas para mensurar a eficiência de cada ponto de venda e expandiu a rede, de 80 lojas para 180 unidades. “Ele trouxe uma visão mais crítica e pé no chão do varejo para a C&A”, diz outro executivo.

O principal cartão de visitas de Fazzio, no entanto, é a sua experiência como presidente do Carrefour no Brasil. O executivo assumiu o posto em 2009, em um período turbulento da varejista francesa no País, que acabara de descobrir um rombo de R$ 1,2 bilhão na operação brasileira, fruto de fraudes contábeis. O caso contribuiu para que a rede perdesse a liderança no setor para o GPA. Para recolocar a empresa no eixo, Fazzio fechou lojas e impôs uma rígida política de controle de custos. Ao mesmo tempo, impulsionou a conversão de hipermercados em atacarejos, um formato que ganhou escala no Brasil nos últimos anos. Esse é justamente um dos desafios do Walmart, que tem uma presença tímida no segmento, com a marca Maxxi. Entre os executivos da época, a visão é a de que sua gestão, que se estendeu até dezembro de 2013, foi fundamental para que o Carrefour retomasse, em 2014, a liderança perdida para o GPA. “Sem o Fazzio, essa virada não teria acontecido”, diz um deles. “Ele adotou algumas medidas impopulares, mas que são inevitáveis em processos como esse.”

Outro traço de Fazzio é seu caráter reservado. Ele, raramente, concede entrevistas. Ser fotografado, então, é praticamente impossível. Tanto que a imagem que ilustra esta reportagem foi retirada de seu perfil no LinkedIn. “O Fazzio não gosta de se promover. Para ele, os resultados só devem ser apresentados aos acionistas”, diz uma fonte. Essa abordagem remete à postura de Jorge Paulo Lemann e seus pares no 3G Capital. Mas, para pessoas que conhecem de perto o estilo de Fazzio, sua inspiração vem de outra fonte: a escola Pão de Açúcar, especialmente no que diz respeito ao acompanhamento da evolução do negócio e à transparência sobre o contexto da operação. Para Maurício Morgado, coordenador do Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getulio Vargas, essa característica será primordial para a reestruturação do Walmart no Brasil. “Esse perfil de gestor que cobra, mas, ao mesmo tempo, deixa claro o que espera das pessoas é fundamental, em especial no varejo, que é um negócio de detalhes”, afirma. “Todo mundo sabe o que é preciso ser feito no Walmart. O que falta é alguém com coragem para colocar isso em prática.”