Completam esta semana os 100 primeiros dias do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Com movimentos em direção ao Banco Central e disputa pela taxa de juros versus inflação, foco em restabelecer relações políticas internacionais e retomada de programas sociais como o Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida, o ex-metalúrgico também experienciou ataque sem precedentes aos Três Poderes na primeira semana de seu mandato, além de uma pneumonia que atrasou sua ida à China acompanhado por 200 empresários

Para analistas ouvidos pela IstoÉ Dinheiro, o destaque vai para a área econômica, com Fernando Haddad e Simone Tebet sob os ministérios do petista, comandando a Fazenda e o Planejamento, respectivamente. Altos e baixos circulam os discursos e a proposta do governo federal sobre a nova regra fiscal sob a crítica do otimismo no aumento de receitas sem maior base no controle de despesas do texto que vai ao Congresso. 

A aguardada regra fiscal

“Demonstra a disposição do governo de ter algum tipo de controle fiscal. Só o fato de se aceitar um controle, ainda que ele seja um tanto flexível, denota uma disposição do governo de ter cuidado de ter responsabilidade fiscal. Isso vai se refletir muito em breve em termos de juros mais baixos e também, mais adiante, na possibilidade de se pensar um círculo virtuoso para a economia”, defende Mauro Rochlin, coordenador do MBA de Gestão Estratégica e Econômica da Fundação Getúlio Vargas.

O anúncio veio na última semana de março. A esperada proposta desenhada pela equipe econômica, já com aval de Lula, trouxe promessas de superávit primário já em 2025 e redução dos juros da dívida pública de até R$360 bilhões até 2031, entre outras metas.

Gilberto Braga, economista e professor do IBMEC RJ, avalia os rumos que o governo pode ter ao focar em retomar seus antigos programas sociais, além de quando e como será a prioridade da responsabilidade fiscal tão cobrada na agenda política.

“É preciso entender o novo governo com essa característica, de que será necessário acomodar essas chamadas prioridades dentro da regra fiscal em discussão e de outros planos de governo”, explica. 

Rinha com o Banco Central 

Outro ponto batido por Lula nos três primeiros meses de 2023 foi o Banco Central: o mandatário mirou na taxa de juros a 13,75% e acertou em Roberto Campos Neto, presidente da entidade. 

“Se brigou muito para ter um Banco Central independente, achando que ia melhorar o quê? Eu posso te dizer com a minha experiência, é uma bobagem achar que o presidente do Banco Central independente vai fazer mais do que fez o Banco Central quando o presidente era que indicava”, afirmou o presidente em entrevista.

Chegou a chamar de “vergonha” o relatório do Copom sobre a manutenção da Selic em dois dígitos. Defendendo uma inflação de 4%, Lula mantém sua crítica aos juros do país. Vale lembrar ainda que a redução da Selic pode ser um braço importante na meta do arcabouço fiscal do governo. 

“Entendo que a autonomia do BC o resguarda de pressões; vimos isso claramente no final do governo Bolsonaro, quando o antigo governo tentou, através da política fiscal, ter uma influência maior sobre o resultado eleitoral. Também vimos que o BC, exatamente por conta dessa autonomia, foi capaz de manter uma política monetária bastante rigorosa e alinhada inclusive com a irresponsabilidade fiscal que vimos acontecer no final do governo Bolsonaro”, defende Rochlin. 

Amizade com EUA e ausência na China

De olho em boa relação com outros países, Lula foi aos Estados Unidos e acertou com Joe Biden o investimento em área verde. “Eu discuti a necessidade de os países ricos assumirem a responsabilidade de financiar os países que têm florestas”, declarou o presidente brasileiro. Acordos de paz e agenda climática também foram tratativas no encontro em Washington.

Os planos do presidente para ir a China estreitar laços com o governo asiático foram interrompidos por uma broncopneumonia. A prioridade era a busca de uma relação que, no plano do comércio internacional, amplie possibilidades de exportações para empresas brasileiras. Com Lula, estavam confirmados mais de 200 empresários, especialmente do agronegócio do país.

Para Braga, o adiamento da viagem só teve impacto negativo em primeiro momento. “Nada que não possa ser revertido com a confirmação da visita em abril, cuja reprogramação rápida pelo governo da China demonstra apreço pela diplomacia do governo Lula, reconhece a retomada de uma linha diplomática histórica do Brasil e abre espaços para novas perspectivas de colaboração comercial”, acredita o professor.

Desafio do governo está em suas próprias fileiras

O governo de coalizão ainda é, para Braga, uma dificuldade de construção. “Há uma grande dualidade entre o projeto do PT puro sangue, mais a esquerda, e um projeto de governo, mais de centro. Essas 2 grandes tendências ainda estão se acomodando no Planalto Central e há acenos do presidente da República para os dois lados”. Para Rochlin, os interesses dentro do Partido dos Trabalhares ainda prejudicam a gestão federal. 

“O maior desafio do governo está paradoxalmente, nas suas próprias fileiras. Há setores do PT propondo juros subsidiados, assim como há outros no partido fortemente empenhados em aumento de gastos. Esses setores repudiam o próprio arcabouço fiscal e entendem que o estado deveria ‘gastar a rodo’ para promover crescimento. Isso é tremendamente arriscado. As próprias propostas acabam gerando ruídos na comunicação, o que aumenta a aversão aos risco dos agentes econômicos, tendo impacto negativo na taxa de juros”, finaliza.