A educação brasileira está em apuros. E a queda do ministro à frente de uma Pasta que negociava recursos para cidades aliadas do governo é só a ponta do iceberg. O problema é muito maior do que isso. Foram dois anos de ensino precarizado pela pandemia, que se deu em cima de outros seis ciclos consecutivos de reduções sistemáticas do Orçamento. Tudo isso envolto em uma métrica educacional consolidada na ditadura militar e que não se compromete como deveria na formação de cidadãos autônomos e pensantes. E isso tem um custo para o Brasil. E ele é alto. A redução da escolaridade dos brasileiros e falta de capacidade cognitiva ao sair do sistema educacional gera, em média, uma perda de R$ 42 mil por aluno ao longo de sua vida profissional. Isso empurra para baixo o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Quem fez essa conta foi o Insper, que mapeou em 2021 os impactos educacionais durante a pandemia, mas jogou luz a um problema mais antigo. Com 34,8 milhões de estudantes nas escolas públicas, as falhas no sistema de ensino brasileiro ficaram evidentes e o resultado disso pode ser um impacto de R$ 1,48 trilhão na produção de riqueza do País quando esses jovens chegarem ao mercado de trabalho.

O primeiro efeito já foi sentido em 2022. O Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, principal porta de entrada para o ensino superior, teve menos de 3,5 milhões de inscritos em sua edição de 2021, o número mais baixo desde 2005. A prova já chegou a ter 8,7 milhões de participantes. A evasão escolar no ensino médio saltou de 12% para 25% na pandemia.

DENTRO E FORA DA SALA Manifestação de professores contra os cortes de verbas e alunos despreparados. Um retrato do Brasil. (Crédito: Marcelino junior)

Tudo isso enquanto o Inep, órgão que desenvolve o Enem e outras métricas de avaliação de desempenho dos alunos, se vê envolto às tentativas de interferência do governo, mudança de comando e sistemáticos problemas denunciados por servidores. Dentro do governo, inclusive, o posicionamento com relação à educação tem sido sofrível. Desde o início do governo Bolsonaro foram quatro ministros empossados e zero avanços na área. O colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, deu lugar ao polêmico Abraham Weintraub, substituído pelo meteórico Carlos Decotelli que saiu com cinco dias para dar lugar a Milton Ribeiro, exonerado depois do escândalo envolvendo repasse de recursos para municípos por meio de pastores evangélicos. Agora, na quinta tentativa, as forças que compõem o governo Bolsonaro (leia-se centrão, evangélicos e militares) entram em disputa para ver quem assumirá a cobiçada Pasta.

Elisangela Marcondes, doutora em educação e pesquisadora da Unicef, afirma que o desequilíbrio entre investimento público e resultado prático é fruto de um paradoxo criado pelo Estado. “Ao dizer que todos são iguais, o Estado aprofunda as diferenças”. Um exemplo prático. Uma escola em São Mateus, na capital paulista, tem pela lei direito ao mesmo recurso proporcional de uma escola no interior do Sergipe. “Ainda que as condições sociais exijam atenções diferentes, a equidade acaba por desequilibrar essa balança.”E apesar de se colocarem em lados opostos na argumentação sobre como lidar com o Ministério da Educação, as três forças têm o objetivo de não mudar absolutmanete nada. Mas isso não é mérito do governo Bolsonaro. A última grande reforma estrutural do ensino público no Brasil aconteceu em 1973, ainda sob tutela da Ditadura Militar, e permanecemos sob as mesmas diretrizes desde então. Esse desenho envolve um grande volume de recursos dispersos entre cidades e estados, baixa autonomia das escolas, pouco controle do Poder Público e métricas de mensuração de resultado que não absorve as diferenças sociais no Brasil.

Marcelo Camargo I Mateus Bonomi I Marcello Casal I Valter Campanato

SOLUÇÕES JEFFERSON Casagrande, economista que trabalhou por dez anos na Unicef para estudar o mapeamento educacional em Cingapura, na Ásia, aponta outro problema. “A Ásia como um todo adotou uma política de aceleração dos estudos. Significa que os alunos recebem mais conteúdo anualmente quando comparado com o Brasil”. Mas para que isso fosse possível, as escolas foram estudadas individualmente, com métricas adequadas para se mensurar o potencial de cada grupo escolar e seu contexto social.

Na Noruega, outro exemplo. Durante a pandemia, as aulas de educação física e artes foram substituídas pelo estudo de formação cidadã. Entendimento do sistema político vigente no País, noções sobre as tensões que rodeiam o mundo e ensinamento sobre finanças domésticas. E, por lá, 75% dos alunos estão em escolas públicas ou associadas.

Mas para que esse tipo de movimento dê resultados práticos é preciso a junção do melhor uso dos recursos com o melhor orçamento possível. Hoje, ele é de R$ 137 bilhões. É preciso organização, governança e quebra de padrões. É preciso enfrentar os problemas como nenhum governo enfrentou desde a redemocratização do País. Enquanto as escolas ensinarem o cálculo da raiz quadrada sem falar de inflação, ou tratar a história do Brasil até 1985 sem mostrar como funciona e para que serve o regime democrático vigente, nada mudará. E a máxima do patrono do ensino, Paulo Freire, de que educação não é só transferir conhecimento, mas dar condições de sua própria interpretação, jamais se confirmará.