“Estimado presidente Joe Biden, espero que essa carta o encontre com plena saúde e disposição para lidar com os desdobramentos da Cúpula de Líderes Sobre o Clima que o senhor convocou. Sua iniciativa de reunir lideranças globais para tratar de um tema tão relevante para o planeta merece os mais efusivos aplausos, especialmente vindo de alguém que calhou de suceder, na Casa Branca, o ex-presidente Donald Trump, famoso por negar as evidências científicas do aquecimento global. Tivesse Al Gore vencido a eleição de 2000, talvez o mundo hoje fosse outro. Mais cool. E, quem sabe, os Estados Unidos não tivessem abandonado o Acordo de Paris – ao qual coube à sua gestão sabiamente reatar.

Priorizar os esforços para reduzir (e futuramente zerar) as emissões de carbono e de outros gases geradores de efeito estufa é uma decisão corajosa. Infelizmente, como é sabido por todos, tal preocupação está longe de ser aventada pelo atual presidente brasileiro, cuja administração tem se caracterizado pelo total descaso com o meio ambiente. Como demonstram as cartas endereçadas ao seu gabinete às vésperas da Cúpula do Clima, o governo Bolsonaro tem promovido um desmonte dos órgãos de fiscalização e controle, estimulando a ocupação de terras indígenas, o desmatamento e as queimadas. Tudo isso é sabido, mas não combatido. A preocupação de empresários, governadores e artistas que tentam pressionar o seu governo a não compactuar com a política ambiental brasileira é legítima. Até senadores de seu partido, entre eles Bernie Sanders e Elizabeth Warren, já o alertaram sobre a falta de “interesse sério” de Bolsonaro em proteger a Amazônia do desmatamento.

Para que o Brasil cumpra o anunciado compromisso de zerar essa prática ilegal até 2030 é preciso convencer o governo de que, caso não comece a fazer isso já, ficará isolado. Bolsonaro já deu provas de ser incapaz de lidar com a questão climática de forma responsável, da mesma forma como não soube dar uma resposta à pandemia de Covid-19. Mas nós, brasileiros, não podemos ser confundidos com quem ocupa, de forma passageira, a Presidência da República. Merecemos, como nação, que as discussões que nos dizem respeito sobre o futuro do planeta sejam transparentes e que levem em conta não apenas os interesses de um grupo que chegou ao poder, ainda que democraticamente, sem preparo algum para lidar com a agenda ambiental.

“Para que o Brasil cumpra o anunciado compromisso de zerar o desmatamento ilegal da amazônia até 2030 é preciso convencer o governo de que, caso não comece a fazer isso já, ficará isolado”

Por isso eu apelo à sua sensibilidade. Junto-me às mais de 200 ONGs brasileiras que solicitaram ao seu governo que interrompa as negociações iniciadas a portas fechadas com os representantes do Brasil. A Cúpula do Clima, por mais louvável que seja, é apenas um capítulo da história que a sua gestão poderá deixar como legado para as futuras gerações. Alinhar compromissos climáticos com o governo brasileiro é fundamental, por mais que pareça difícil.

Ainda que a narrativa ambientalista possa ser distorcida com o propósito de parecer uma conspiração contra a soberania nacional, as ações de combate ao desmatamento não podem esperar. E elas só virão acompanhadas de vantagens econômicas. Ninguém melhor que o presidente dos Estados Unidos para indicar que dinheiro pode, sim, dar em árvore, desde que ela seja preservada. Se o objetivo da Cúpula do Clima não for tratar do aspecto financeiro, ela dificilmente trará algum resultado prático para o Brasil e para o planeta. Quem dera cartas como esta pudessem salvar o planeta… Como não é esse o caso, a esperança de todos reside nas decisões que o seu governo pode tomar.”

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO