Começa a se desenhar no cenário uma espécie de segundo capítulo da sucessão presidencial. Nele, os principais protagonistas da trama serão os ?segundos? de cada candidato, suas caras-metades,
os parceiros que o acompanharão na longa jornada país adentro
até o poder. O curioso é que, desta vez, a escolha dos companheiros
de chapa não se pauta predominantemente pela necessidade de armar alianças políticas ou de ganhar musculatura nos programas gratuitos
na tevê. Na era do marketing, cada aspirante ao Planalto está à procura de uma cara-metade com qualidades que compensem as próprias deficiências que assustam este ou aquele tipo de eleitor.
O vice hoje é um ingrediente fundamental na composição da
imagem do candidato.

A começar por José Serra. Reconhecido por seu mau humor e, digamos, certa ausência de charme e carisma, o candidato tucano encontrou na bela deputada Rita Camata a simpatia e alegria que faltavam em sua campanha. No papel de cara-metade mais charmosa das eleições, Rita reconhece que, mesmo com sua loirice e olhos profundamente azuis, seu papel de estrela é delimitado pelo script do candidato a presidente. ?O certo mesmo é que o vice não pode atrapalhar?, disse à DINHEIRO. Rita pode estar sendo rigorosa. Coincidência ou não, foi depois do anúncio de sua entrada na chapa que Serra voltou a subir nas pesquisas e se consolidar no segundo lugar. O entrosamento entre os dois vem do passado. Durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, em 1988, uma idéia de Rita ? mais tarde reconhecida como Lei Camata, o embrião da atual Lei de Responsabilidade Fiscal ? foi abraçada por Serra, que trabalhou por sua aprovação. Além disso, com seu perfil de centro-esquerda, Rita pode somar votos no terreno ideológico. ?Ela está desempenhando um papel importantíssimo nas costuras com o PMDB?, reconhece o próprio Serra, que não esconde um (raro) sorriso de satisfação a cada vez que escuta o nome da companheira de chapa. As credenciais de Rita hoje, porém, podem se tornar um constrangimento amanhã. Ao longo de sua carreira parlamentar, ela votou continuamente contra reformas que são as meninas dos olhos dos investidores estrangeiros, como o fim do monopólio nas telecomunicações e na exploração do petróleo. Rita também combateu outras propostas fundamentais para o equilíbrio fiscal, a exemplo do fim da estabilidade do servidor público e de mudanças na Previdência Social. Em algum momento, ela e, por tabela sua cara-metade Serra, podem ser cobrados por isso.

Se ainda não foram, podem agradecer à posição de Lula nas pesquisas. O candidato do PT monopoliza as cobranças a respeito de eventuais viradas bruscas na economia. Lula é talvez o único candidato a ter o direito a uma espécie de bigamia eleitoral, pois sua campanha necessita não de uma, mas de duas caras-metades. Uma delas econômica, e para isso precisa encontrar um nome insuspeito aos olhos do mercado financeiro. Não é à toa que tem crescido entre os membros do partido a necessidade de antecipar os titulares do Ministério da Fazenda e do Banco Central em um eventual governo petista. Poderia ser um banqueiro típico como Henrique Meirelles, atual presidente mundial do BankBoston, com quem Lula mantém um relacionamento respeitoso há anos. Ou gente como João Sayad e sua ampla experiência em governos. A seu favor, conta a convivência já estabelecida, e aparentemente pacífica, com a máquina do partido. ?A vacilação do PT em antecipar nomes se deve ao fato de se tratar de um tiro único?, diz um banqueiro ouvido por DINHEIRO. ?Se o nome não pega, não haverá segunda chance e a confiança do mercado jamais será recuperada.?

A segunda cara-metade de Lula é empresarial, e a aliança anunciada a semana passada com o PL garantiu ao ex-operário a companhia
de um empresário de perfil conservador, como o senador José Alencar. Lula pelejou para tê-lo a seu lado. Lula ficou em Brasília entre a terça-feira 18 e quarta 19 mergulhado em reuniões para convencer não apenas os grupos radicais do PT, mas também os chefes da Igreja Universal, com larga influência no PL, de que a coligação seria boa para os dois lados. ?Se vencermos, teremos braços do governo federal em todos os Estados?, argumentou ele em reunião decisiva, no apartamento de seu velho amigo Jair Meneguelli, com os caciques do PL.

Aos 70 anos, acionista majoritário do maior conglomerado têxtil do País, o grupo Coteminas, e com base política no segundo colégio eleitoral da Federação ? Minas Gerais de 16 milhões de votos ? , Alencar parece ter sido feito sob medida para emprestar traços novos à candidatura do ex-operário com fama de radical. ?Nossa chapa é a união do capital com o trabalho?, diz ele. ?Lula é o melhor político brasileiro do nosso tempo. Como vice, não quero mandar em nada, sou apenas candidato a substituto eventual do presidente.? Porém, quando o assunto avança para o programa de Lula, Alencar se entusiasma e mostra que, mais que um elemento decorativo na chapa, tem condições de incrementar o discurso do líder petista. ?É porque o País parou de crescer que a economia está vulnerável?, analisa. Com números na ponta da língua, ele admite até mesmo seguir modelos em moda nos Estados Unidos. ?Eles cobram do Brasil US$ 454 em sobretaxas para cada tonelada de açúcar que exportamos e elevaram em 30% os impostos sobre exportação de aço plano?, lembra. ?Um pouco de proteção à economia não fará mal a ninguém.?

?No capítulo cara-metade, Lula e Serra estão melhor do que Garotinho e Ciro?, crava o cientista político Gaudêncio Torquato. ?Enquanto Alencar pode dar a Lula votos do empresariado, do eleitorado à direita do PT e de Minas Gerais, Rita empresta a Serra o charme que ele não tem.? Ele não vê a mesma complementação no casamento do presidente licenciado da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, na chapa de Ciro Gomes. ?Paulinho pode, no máximo, agregar votos na área sindical em São Paulo. E só. No resto do Brasil, ele é um ilustre desconhecido.?

O que Ciro procurou em Paulinho
foi justamente presença em portas de fábricas e um canal de comunicação com os trabalhadores de macacão. Mais: trata-se de um contraponto à penetração de Lula junto à CUT, a arqui-rival da Força. Aos 45 anos, Paulinho exibe um único bem acumulado na vida, um sobrado geminado no bairro do Cambuci. Comprou-o há dois anos, por R$ 140 mil, após vender por
R$ 110 mil a velha casa que construíra com a mulher no bairro da Freguesia do Ó. Ele garante que nem mesmo automóvel tem. Há um ponto delicado na biografia de Paulinho, porém. Durante o governo Fernando Henrique, ele se envolveu até o pescoço no uso de verbas oficiais do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Há alguns escândalos federais envolvendo o uso dessas verbas, nenhum com Paulinho, ressalte-se. Contudo, é bom lembrar que passaram pelas mãos do metalúrgico verbas para treinamento de 600 mil trabalhadores e para arrumar emprego para outros 250 mil. Ele acredita que esses números sejam seu trunfo. ?Podem bater, não vão encontrar qualquer irregularidade?, afirma.

Paulinho entra na guerra com infantaria, cavalaria, artilharia ? e até com a intendência, aquele grupo de profissionais especializados em arrecadar dinheiro. Ele pretende fazer campanha paralela à de Ciro, com cada um pedindo votos num ponto diferente. Seus planos são de percorrer dez fábricas por dia. A Força Sindical controla 1.800 sindicatos em todo o País, uma base de 14 milhões de trabalhadores. Somados os familiares, a área de influência pode chegar a 45 milhões.

O número é uma amostra preciosa do papel que a cara-metade de um candidato pode desempenhar. Por isso, Antony Garotinho tem chegado às raias do desespero em sua busca por um companheiro de chapa. Manifestação pública desse estado ocorreu no início da tarde de segunda-feira, 18. Garotinho tentava atrair o economista Luciano Coutinho para a vice-presidência da chapa. Ele lhe daria o suporte necessário na área econômica, considerada pelos adversários a banda fraca do ex-governador. A cena ocorrida depois de uma palestra na Associação dos Dirigentes de Venda e Marketing (ADVB), no Clube Monte Líbano, em São Paulo, foi acompanhada pela reportagem de DINHEIRO. Não durou mais que meia hora. Visivelmente constrangido, Coutinho era bombardeado pelo candidato, por Arnaldo Vianna, prefeito de Campos, e outros dois assessores do presidenciável. Garotinho parecia bastante empenhado em convencer o economista a aceitar a proposta, mesmo porque essa era sua terceira tentativa de emplacar um vice. ?Essa é uma decisão pessoal?, disse Garotinho. O clima era tenso. Garotinho e seus aliados estavam empenhados em derrubar a relutância do convidado. ?Não quero ser obstáculo a nada?, dizia o economista. ?Você não é obstáculo. É solução?, respondeu Garotinho. Quanto mais a conversa se estendia, mais o professor da Unicamp ficava encabulado. Ao fim, Coutinho deu o veredicto: ?Gostaria de ajudar, mas não vou aceitar?. Decepcionado, Garotinho brincou que, ?quem sabe??, Coutinho poderia assumir o Banco Central ou Ministério da Fazenda. Depois da conversa, Vianna disse que Coutinho se colocou à disposição do candidato para que o indicasse ao ministro Malan como representante do PSB para acompanhar o período de transição no Banco Central. Pela importância que a cara-metade adquiriu nesta campanha, é bom Garotinho tratar de procurar um noivado, sob pena de perder espaço na corrida presidencial.