As 590 mil mortes causadas pela pandemia de Covid-19 no Brasil durante o governo Bolsonaro são a face mais visível da destruição nacional iniciada há 1 mil dias pelo presidente. É impossível desconsiderar a parcela de mortes decorrentes de uma política sanitária negacionista, desorganizada e sobre a qual pesam fortes indícios de tentativa de corrupção na compra de vacinas indianas. O total de óbitos é assombroso. Mas não é só na saúde que o País piorou. Estamos muito piores na educação, na cultura, na diplomacia, no meio-ambiente – áreas que desde o início do atual governo estão sob comando da ala “ideológica” – e estamos  piores também na economia, por dois motivos.

O primeiro é que ela não avança sozinha quando há total falta de entendimento de um presidente sobre quais são prioridades de um governo. Se a a inflação, o dólar e os juros estão subindo, em grande parte é devido aos ruídos que Bolsonaro causa, seja em sua relação com os demais poderes, seja pelas mentiras que ele conta, seja porque jamais teve um projeto de futuro para o Brasil, exceto o de tomar e se manter no poder.

+ Inflação é o filho zero-cinco do presidente

E disso decorre o outro motivo para estarmos sofrendo as consequências econômicas de um governo ruim e que fará tudo para se autopreservar. O “custo Bolsonaro” para tentar se reeleger, em um cenário que aponta sua derrota para qualquer candidato no segundo turno em 2022, é o mais alto possível. O presidente e o ministro da Economia Paulo Guedes farão de tudo para aumentar o Bolsa Família, ou Auxílio Brasil, mesmo que isso signifique calote nos precatórios, pedaladas fiscais e estouro do teto. É dessa gestão temerária que decorre outra parte da falta de confiança de investidores.

Ou seja, se a economia não vai mal pelas sandices e mentiras que Bolsonaro diz, ela vai mal pela ameaça do que ele ainda pode fazer para se manter presidente. Enquanto isso, o Brasil paga a conta na forma de inflação descontrolada (setembro teve a maior para o mês desde o início do Plano Real), desemprego recorde e sem crescimento econômico.

Chega a ser patético que o presidente queira aproveitar o marco dos 1 mil dias de seu governo, com todas as estatísticas ruins que acumula em sua gestão, para promover um roadshow pelo País, antecipando a campanha eleitoral – da qual, aliás, parece não ter saído desde 2018. A agenda de obras que Bolsonaro pretende inaugurar inclui dois trechos de duplicação das rodovias BR 116 e BR 101, na Bahia. Somados, chegam a 10,4 km de asfalto, obras que têm a assinatura do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, um dos poucos que não governa sob o fanatismo bolsonarista e que parece saber alocar os recursos de sua pasta. A lista de inaugurações planejadas a partir desta segunda-feira (27) só confirma que Bolsonaro tem muito pouco a mostrar. E as inaugurações ainda dependem de ele não testar positivo para Covid.

Longe dos palanques nos quais pretende continuar governando até as próximas eleições, o presidente sem partido tem uma dívida que jamais conseguirá saldar com os brasileiros. Hoje, metade da população já não acredita no que o presidente diz, segundo o instituto Datafolha. A realidade que se impõe aos olhos de todos é que esse governo mente também por ser incapaz de lidar com a realidade. Prefere contá-la à sua maneira. Pena que sem o talento de uma narradora fascinante como a Sheherazade de “As mil e uma noites”. Nas mil e uma noites do Brasil sob Bolsonaro, o relato é uma tragédia.