Em 2001, o então CEO da Microsoft, Steve Ballmer, classificou como um “câncer” os programas de código aberto, que podem ser modificados e distribuídos gratuitamente. A fúria de Ballmer tinha sentido. Esses programas representavam uma ameaça aos negócios da gigante americana que fez sua fortuna com a venda do sistema operacional Windows. Na semana passada, a desenvolvedora deu mais um sinal claro de que deixou essa filosofia para trás ao anunciar um acordo para a compra da plataforma de hospedagem de software livres GitHub. “Somos uma companhia voltada ao desenvolvedor”, disse Satya Nadella, que é CEO da Microsoft desde 2014, quando substituiu a Ballmer. “Ao unirmos forças, fortalecemos nosso comprometimento com a liberdade do desenvolvedor e com a inovação.”

Fundada em 2008 pelos americanos Tom Preston-Werner e Chris Wanstrath, a startup recebeu US$ 350 milhões em investimentos de fundos como Sequoia Capital e Andreessen Horowitz. Com esse dinheiro, o GitHub tornou-se a principal plataforma de hospedagem e compartilhamento de códigos-fonte (uma espécie de fórmula secreta dos programas) do mercado, cobrando assinaturas que custam entre US$ 7 e US$ 21 por mês. O serviço tem 28 milhões de usuários cadastrados e é usado por mais de 1,8 milhão de empresas – entre elas, gigantes como Apple, Amazon, Google e a própria Microsoft. A expectativa é de que o serviço ajude a Microsoft a impulsionar seu negócio de hospedagem em nuvem. “É uma ameaça para a Amazon, que compete com a Microsoft no mercado de computação em nuvem”, diz Alex Salkever, analista independente do Vale do Silício. De acordo com o Keybanc Capital Markets, em janeiro deste ano, o Amazon Web Services tinha 62% do mercado, contra 20% do Azure, da Microsoft.

A compra do GitHub não é um passo isolado na transformação que a Microsoft passa. Em abril deste ano, a empresa anunciou o lançamento de sua própria versão do sistema operacional de código aberto Linux. Chamada de Azure Sphere OS, a versão chega até o fim de 2018 e será usada em dispositivos de internet das coisas. “A Microsoft aprendeu a ir onde os desenvolvedores estão, em vez de tentar atrair eles para si”, diz Mark Driven, vice-presidente de pesquisas da consultoria Gartner. “A percepção de que a Microsoft é uma empresa contrária ao código aberto é antiquada.”

Não foi a percepção dos desenvolvedores, que demonstraram insatisfação com a aquisição e migraram para o GitLab, rival do serviço. Na segunda-feira 4, a plataforma que tem pouco mais de 100 mil usuários, viu sua quantidade de visitas aumentar em 10 vezes. “As pessoas temem que a Microsoft vá tentar ganhar dinheiro com o GitHub de forma agressiva, como fez com o LinkedIn”, diz Salkever. A Microsoft, por sua vez, anunciou que não vai realizar mudanças no serviço.