No Brasil, o microcrédito sempre fez jus ao nome. A concessão de empréstimos para pequenos empreendedores, em geral informais, começou a ser praticada em comunidades carentes do Nordeste. O produto recebeu um impulso em 2003, quando o governo obrigou os bancos a conceder o equivalente a 2% de seus depósitos à vista nesses empréstimos. Mesmo assim, em fevereiro, dado mais recente disponível, o total concedido foi de R$ 5,1 bilhões, uma fração do total do País. No dia 28 de março, o Conselho Monetário Nacional (CMN) alterou as regras para estimular essa modalidade.

Pelas novas regras, o limite dos empréstimos subiu de R$ 15 mil para R$ 21 mil. O CMN também ampliou o faturamento máximo do tomador de R$ 120 mil para R$ 200 mil e elevou o endividamento em 100%, que foi para R$ 80 mil. “Os valores anteriores não eram corrigidos desde 2011, e as mudanças incorporaram a inflação acumulada no período”, diz Cleofas Salviano, consultor do departamento de regulação do Banco Central (BC). As mudanças não devem, contudo, causar grande impacto. “Os recursos para o microcrédito vêm dos depósitos a vista, que não crescem muito, e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que também é limitado”, afirma Salviano. “Esses parâmetros não mudaram na nova resolução”.

O microcrédito é uma das ferramentas mais transformadoras do sistema financeiro. Fornecer capital para os empresários da base da pirâmide permite que eles ampliem suas atividades, gerando emprego e renda. Essa ideia nasceu nos anos 1970, a partir de experiências do economista bengali Muhammad Yunus, criador do Grameen Bank e ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006. Por aqui, a escassez de recursos sempre foi um entrave para esse mercado, que nem a destinação obrigatória de recursos conseguiu resolver.

CALOTE Outro problema é a inadimplência. Segundo o BC, o percentual de empréstimos problemáticos era 3,1% em fevereiro, queda de 0,3 ponto percentual em relação ao mesmo período de 2018. A estrutura do microcrédito impede que o calote saia do controle. Em alguns casos, os tomadores são grupos solidários. Várias pessoas tomam empréstimos em conjunto, e o grupo responde pela incapacidade de pagamento de algum dos participantes. Outro fator é o gênero: 70% dos tomadores são mulheres, que controlam melhor as finanças que os homens.

Jerônimo Ramos, especialista em microcrédito : “Há 40 milhões de empreendedores que são clientes em potencial” (Crédito:Carlos Della Rocca)

Como os tomadores não têm vínculos formais com o sistema financeiro, em geral a concessão é realizada com a ajuda de agentes comunitários, que fazem a ligação entre clientes e os bancos. Pessoas como o ex-bancário Jerônimo Ramos, que durante 18 anos foi o responsável pela área de microcrédito no Banco Santander Brasil. Ao deixar a instituição, em junho passado, ele trocou de lado. Atualmente, Ramos presta consultoria voluntária para os empreendedores da comunidade de Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo, onde tem um programa em uma rádio comunitária. Para ele, o calote pode se tornar um problema. “Os bancos terão de desenvolver modelos para definir quanto vão poder emprestar para cada empreendedor”, diz ele. “O total emprestado tem de ser compatível com o faturamento.”

Outros profissionais do setor concordam. Segundo Nicolau Jorge Neto, presidente da Associação Brasileira das Sociedades de Microcrédito (Abscm), tentativas anteriores de estimular a atividade acabaram ampliando o calote. Ele afirma que cobrar os devedores é muito difícil, pois não costuma haver muito a ser recuperado. “A inadimplência precisa ser combatida na hora da análise, que em muitos casos é subjetiva”, diz.

O aumento no teto do faturamento promovido pelo CMN tende a atrair clientes que ainda precisam de condições mais vantajosas para seu negócio, mas que logo devem passar a demandar outros produtos bancários. Em reuniões em Brasília para discutir os caminhos do microcrédito junto ao governo, o pleito dos bancos era de que o limite de faturamento fosse para R$ 360 mil. “Quanto mais próximo o empreendedor estiver do topo da pirâmide, mais necessidade ele terá de usar outras ofertas nas prateleiras dos bancos”, diz Ramos.

POTENCIAL Outra mudança importante é a redução de visitas dos agentes comunitários aos tomadores. Pela norma anterior, cada liberação de empréstimo dependia do comparecimento do agente na empresa. Agora, esse ritual só será exigido na contratação. As parcelas subsequentes poderão ser liberadas digitalmente. “Ainda será preciso comprovar que essa mudança é uma melhoria”, diz Ramos. O Programa Nacional de Microcrédito recomenda aos bancos que “desenvolvam uma relação de confiança e orientação com os empreendedores”, diz Ramos. Já Salviano, do BC, avalia que a mudança é só uma atualização tecnológica. “Os empreendedores usam smartphones para gerenciar seus negócios”, afirma.

A elevação do faturamento máximo para R$ 200 mil oferece duas vantagens. Ela torna o programa mais sólido e facilita a inclusão financeira. “O empreendedor que ganha mais tem menos risco de não conseguir honrar suas dívidas”, afirma Salviano. “O empresário que fatura mais tem uma probabilidade maior de se transformar em um cliente convencional dos bancos”, diz Ramos. Ao pleitear as mudanças, os representantes dos bancos defendiam elevar esse limite para R$ 360 mil. Dados do Sebrae e do Banco do Brasil apontam para um universo de aproximadamente 40 milhões de empreendedores informais no Brasil. “Esse é o tamanho da oportunidade a ser absorvida pelo sistema financeiro”, afirma Ramos.