Executivo da gigante do setor de pagamentos eletrônicos aposta na continuidade do aumento das transações feitas por meios digitais, tendência acelerada no Brasil durante a pandemia.

A chegada do Pix no Brasil não é vista como um potencial rival pela Visa, uma das maiores companhias de pagamento eletrônico no mundo. Pelo contrário. A empresa pretende ampliar sua participação no segmento de tecnologia. “Já estamos prestando serviço para quem vem fazendo uso do Pix, seja de prevenção à fraude ou serviço de certificação”, disse Fernando Teles, presidente da Visa no Brasil. “Cada vez são geradas mais oportunidades de negócios.” Mesmo com o aumento da taxa de desemprego a partir da pandemia da Covid-19, que já atinge mais de 14 milhões de brasileiros, o executivo avalia que deve haver aumento no uso de cartões para transações financeiras, estimulada pelo recebimento do auxílio-emergencial. “Mesmo sem o auxílio, a renda do brasileiro vai retornar em 2021. Muitas pessoas aprenderam que transacionar de forma eletrônica trouxe benefícios. Por mais que haja chance de redução no volume de dinheiro, a mudança de hábito veio para ficar”, afirmou Teles. Outro foco da Visa é na mobilidade urbana. A empresa vem adotando tecnologia no sistema de transporte público. Pagamento por aproximação do cartão já é adotado no Rio de Janeiro. Em São Paulo, há projeto-piloto em 12 linhas, o equivalente a 200 ônibus. Além de testes em praças de pedágios em três estradas desses dois estados.

DINHEIRO — O momento é bom para empresas de pagamento eletrônico no Brasil?
FERNANDO TELES — É excelente. Pagamento eletrônico cresce na conveniência, à medida que você acrescenta novas tecnologias que tornam a vida do consumidor melhor. Também cresce na substituição do modelo antigo do pagamento em espécie. Hoje, pagar em dinheiro deixou de ser bacana, seja pelo risco de contágio da Covid-19, seja porque o dinheiro não dá forma de reconhecimento como cliente fiel, sem qualquer tipo de benefício, programas de fidelidade, cashback, e nem te dá agilidade. Além disso, [cartão] é inibidor da corrupção, pois as transações são rastreáveis.

Muita gente passou a usar meios de pagamento eletrônico a partir do recebimento do auxílio-emergencial. Como fica essa relação com a proximidade do fim do benefício?
Mesmo sem o auxílio, a renda do brasileiro vai retomar em 2021. As pessoas terão alguma forma de obter renda. E muitas aprenderam que transacionar de forma eletrônica trouxe benefícios. Além disso, trouxe a possibilidade de serem reconhecidas como consumidores. Por mais que haja chance de redução no volume de dinheiro, a mudança de hábito veio para ficar.

Mesmo com o aumento da taxa de desemprego e o aumento da perda de renda de boa parte desse contingente?
O desemprego certamente é um problema. Mas o pagamento eletrônico também permite criar formas de gerar receita, mesmo para quem está desempregado. Muita gente lançou pequenas lojas virtuais para vender seus próprios produtos. Isso acontecia no mundo físico. E agora a venda se transformou. Mas, para isso, é necessário ter acesso ao pagamento eletrônico.

“O desemprego certamente é um problema. Mas o pagamento eletrônico também permite criar formas de gerar receita, mesmo para quem está desempregado. Muita gente lançou pequenas lojas virtuais para vender seus próprios produtos” (Crédito:Divulgação)

O Pix pode ser coniderado o maior rival da Visa atualmente no Brasil?
É mais uma alternativa de transferência de recursos. E o grande benefício é poder fazer isso fora do horário bancário tradicional. Vejo como uma forma inclusiva e traz oportunidades para nós, que somos empresas de tecnologia, como prestação de serviços. Não acho que o Pix seja nosso rival. Nosso rival continuará sendo o dinheiro em espécie.

Quais as oportunidades do Pix?
Somos empresa de tecnologia e já estamos prestando serviço para quem vem fazendo uso do Pix, seja de prevenção à fraude ou serviço de certificação. Cada vez mais são geradas oportunidades de negócios.

Mas isso não significa que haverá menor participação no uso dos cartões?
Se for substituição do meio de pagamento, essa transação tem, sim, um impacto. Mas mesmo para essa transação há uma necessidade de estrutura de segurança, autenticação, conciliação de meio de pagamento. E tudo isso a Visa faz. No limite, posso ser o provedor de rede para essas transações. Hoje temos 3,5 bilhões de consumidores conectados no mundo, 60 milhões de estabelecimentos em 200 países e a gente processa 65 mil transações por segundo. Tudo isso feito de forma muito segura. Se, mesmo assim, o cliente decidir pagar com PIX em vez do Visa, meu alvo serão os participantes dessa cadeia.

Isso significa, então, que a Visa será cada vez mais empresa de tecnologia e menos de pagamento?
A gente já é uma empresa de tecnologia e de pagamento. Hoje, a tecnologia, que chamamos de serviços de valor agregado, representa dois dígitos percentuais baixos (menos de 20%) do nosso resultado mundial. E a gente vê potencial de crescimento grande. Na medida que eu começo a prestar esse serviço não só para minha rede mas para outras também, extrapolo minha capacidade de fazer resultado. Por exemplo, a gente vende serviço de processamento para terceiros. Se você tem uma rede de pagamento, eu posso fazer o seu processamento, ainda que não seja uma transação feita com Visa. Eu ganho ao prestar esse serviço.

O Open Banking também vai nessa linha de oportunidades para a Visa?
Esse é um processo em que o poder da informação passa das instituições para o consumidor final. A grande lógica do Open Banking é que você passa a ser proprietário de suas informações e ter direito sobre elas. A expectativa é de que haja mais instituições para participar desse fornecimento de serviços, uma fragmentação na oferta. E todo esse fluxo de informações nos traz oportunidades. O sistema traz novos participantes, como fintechs, que serão parceiras em arranjos de pagamentos. Existe um número grande dessas empresas trabalhando com a gente. Desde que montamos a área de novos negócios, são mais de 100 participantes que já se tornaram emissores Visa, seja de débito, crédito ou pré-pago.

Qual o balanço do programa de aceleração de startups da Visa?
Em 2020 o programa se tornou virtual, com reuniões e mentorias. A gente fazia viagem presencial com as startups para o Vale do Silício (EUA), para que entrassem em contato com investidores de lá. Agora, expandimos para Israel e outros locais. O objetivo é aproximar startups dos participantes do nosso ecossistema e identificar novas soluções. Esse ano são três no programa. Desde 2017, a Visa já acelerou 70 startups.

A empresa investiu em tecnologia para o transporte público. Como tem sido?
É uma linha de negócios que a gente chama de mobilidade urbana. O transporte público foi o pontapé inicial. Em Londres, uma em cada duas transações feita no sistema de transporte é com uma credencial de pagamento Visa. E esse pagamento é feito por aproximação. Uma das possibilidades é fazer com que esse pagamento seja eletrônico, sem a necessidade da utilização de dinheiro. Isso aumenta segurança, controle e velocidade, e reduz fraudes.

E no Brasil?
Desenvolvemos a tecnologia sem a necessidade de trocar validadores. Com isso, a gente consegue introduzir sistema de pagamento em operadores de transporte já em funcionamento. Começamos pelo metrô do Rio de Janeiro. E hoje já estamos nas barcas, no ônibus de integração com o metrô e o VLT carioca. Isso mostra que posso estar em vários modais.

“A gente trouxe para o Brasil o primeiro caso de integração de modais da América Latina. Isso significa que, no Rio de Janeiro, quem pega o metrô e depois o ônibus, do mesmo grupo, não precisa pagar duas tarifas e sim o valor da integração” (Crédito:Márcio R. Rocha)

Esse sistema permite a cobrança pelo mesmo valor da integração? É necessário pagar duas passagens?
Dentro dessa solução, a gente trouxe para o Brasil o primeiro caso de integração de modais da América Latina. Isso significa que, no Rio de Janeiro, quem pega o metrô e depois o ônibus, do mesmo grupo, não precisa pagar duas tarifas e sim o valor da integração, como uma espécie de Bilhete Único [sistema de São Paulo]. A tecnologia é tão evoluída que já lê que você está usando o transporte e sua tarifa é a reduzida, pela integração. Esse sistema quem fornece é a gente para o operador, inclusive se houver gratuidade ou desconto.

Já funciona em outras cidades?
A gente começou um projeto-piloto em São Paulo em outubro de 2019, com 12 linhas, o que representa mais de 200 ônibus. Com a pandemia, acabou dando uma recuada nesse projeto. O próximo passo é o pagamento do valor da integração e uma parceria com o serviço de metrô. Mas ainda são conversas.

Dá para avançar além do transporte público?
Também pode ser usada em pedágios, cancelas de estacionamento, estádios ou qualquer lugar de acesso. A gente trabalha muito na jornada.

No caso do pedágio, como funciona?
É um sistema semiautomático. Não é aquela credencial automática, com a tag. No nosso sistema, há uma leitora para aproximar o cartão, como a catraca do metrô, e a cancela abre. Isso permite tirar dinheiro da praça de pedágio e aumentar a velocidade de passagem. Está em sistema de piloto em pequenas estradas no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Pagamentos por aproximação não irão diminuir o uso de máquinas de cartões?
Nos países onde esse sistema está mais desenvolvido a gente viu substituição grande do pagamento em espécie. No Chile, 58% dos pagamentos são feitos por aproximação. E a gente se aproxima de 10%. O valor passou de R$ 50 para R$ 100 para que não haja necessidade de senha. Mas não precisa eliminar a máquina.