Para o presidente da Câmara Espanhola de Comércio no Brasil, a crise em decorrência da pandemia não afetará a relação entre Brasil e empresas do país europeu, mesmo que seja necessário rever estratégias e diminuir a velocidade dos investimentos.

Ex-executivo de multinacionais como Fiat, Mercedes-Benz e Santander, o presidente da Câmara Espanhola de Comércio no Brasil, Marcos Madureira, não parece muito preocupado com a retração recorde do PIB brasileiro no segundo trimestre, de 9,7%. A despeito da recessão sem precedentes, as empresas espanholas pretendem investir mais de R$ 220 bilhões no País neste ano, com a geração de 240 mil empregos diretos. O executivo santista de 68 anos, que assumiu a presidência da entidade há quase um ano, acredita que o País tem potencial de recuperação, mas precisa trabalhar um marco regulatório claro e repensar a cobrança de impostos para garantir uma economia que priorize a produtividade. “A reforma tributária é fundamental porque o Brasil possui impostos altíssimos que penalizam as empresas, a sociedade e não são suficientes para o governo. É óbvio que existe alguma coisa errada aí”, afirmou Madureira, em entrevista à DINHEIRO. Mas ele se diz confiante de que o pior já ficou para trás.

DINHEIRO – São previstos mais de R$ 220 bilhões em investimentos diretos neste ano, no Brasil. Quais são os setores de destaque?
MARCOS MADUREIRA – A onda de investimentos espanhola no Brasil começou na época da fundação da Câmara de Comércio, há 65 anos, quando houve uma imigração grande de espanhóis para o Brasil. A Câmara foi fundada para isso, ajudar esses empreendedores no novo País. Há outro fator importante que foi a abertura da economia brasileira, no governo Fernando Henrique, na década de 1990. Grandes empresas espanholas, como Santander e Telefonica, perceberam essa oportunidade, que se tratou de uma ação estratégica, e entraram fortemente no País. Sentimos, também, a participação muito forte de empresas de energia e construtoras. Elas já eram, e devem continuar sendo, a razão de grandes investimentos.

Quais foram os setores mais atingidos pela crise?
A pandemia no Brasil apresentou uma característica um pouco diferente do que aconteceu na Europa, por exemplo. Lá houve um pico de crescimento muito forte e muito rápido, e também uma saída muito rápida. No Brasil a curva foi diferente, com um início mais alongado e praticamente se mantendo no pico. Então, naturalmente, as implicações na economia também serão diferentes. O setor mais afetado no Brasil, sem dúvida, foi o de serviços. Temos associados na Câmara dos setores de aviação e turismo e eles também foram fortemente afetados.

Para eles, como será a retomada?
Vai depender muito dessa curva, das fases de liberação. Por outro lado, temos associados em um dos setores menos afetados, que é o agronegócio. As exportações se mantiveram e isso garantiu, ao setor e ao País, resultados positivos.

“Temos lideranças no Congresso que estão prestando um serviço impressionante para o País, como é o caso do Rodrigo Maia” (Crédito:Andressa Anholete)

O PIB teve queda recorde de 9,7% no segundo trimestre. Como as empresas espanholas instaladas no Brasil estão lidando com esse cenário?
Mesmo com a queda recorde no PIB, a confiança no Brasil continua. Não se pode olhar a presença de empresas estrangeiras em um país, a sua estratégia de investimento, apenas pela ótica do curto prazo. Obviamente que uma crise te obriga a rever o aumento e a velocidade de investimentos, mas essa queda resultante da crise deste ano não seria uma razão para as empresas espanholas deixarem de seguir a sua linha de investimentos. Por outro lado, existem outras circunstâncias que são muito importantes. O Brasil, hoje, está discutindo não só a questão dos ajustes que devem ser feitos no combate às consequências da pandemia, mas também algumas coisas que são importantes para o cenário geral, como a discussão sobre o teto de gastos e a reforma tributária.

Uma reforma que não sairá como deveria…
A reforma é fundamental porque o Brasil possui impostos altíssimos que penalizam as empresas, a sociedade e não são suficientes para o governo. É óbvio que existe alguma coisa errada aí. A Câmara Espanhola vê com muita esperança essa discussão no Congresso Nacional porque a reforma tributária é discutida no Brasil há 30 anos e nós nunca tivemos um momento tão propício para conseguir executá-la como agora.

As reformas, no entanto, não têm ocorrido na velocidade esperada…
Existe um fator que eu considero importante que é o fato de termos, no Poder Legislativo, uma consciência muito grande da necessidade dessas reformas, principalmente porque algumas delas não são tão populares, como a reforma da Previdência. É difícil conseguir explicar para uma parcela da população brasileira que tem menos acesso à informação e menos acesso ao conhecimento que essa reforma é fundamental.

O senhor é otimista, então?
Hoje temos lideranças no Congresso que estão prestando um serviço impressionante para o País, como é o caso do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Sem ele, dificilmente a reforma da Previdência teria passado, e é ele também que está capitaneando a questão da reforma tributária. Também temos, no executivo, um ministro que está propondo medidas que visam realmente acertar a economia brasileira e permitir que ela possa crescer. Esses pontos são bem mais importantes para as empresas espanholas do que os resultados em meio à pandemia.

Essa confiança permanece mesmo com a turbulência no Ministério da Economia,
e com a recente debandada de quadros estratégicos?
Obviamente, algumas pessoas que saíram talvez tenham ficado decepcionadas com a velocidade que imaginavam que as coisas iriam acontecer e a velocidade que está acontecendo. Não podemos deixar de voltar na pandemia. O que está acontecendo no País, e no mundo, seria algo impensado seis meses atrás. Além disso, o governo funciona diferentemente da iniciativa privada, as coisas são mais demoradas, exigem mais cuidado, mais negociação. Talvez a expectativa fosse de fazer no governo o que se faria em uma empresa, mas eu não vejo isso como um grande problema. Lógico que eram pessoas muito capacitadas, mas entrarão outras pessoas igualmente capacitadas.

Qual seria o problema?
O que é importante para mim é a manutenção da linha. Hoje a reforma tributária é fundamental, você falar em privatização é fundamental. É preciso deixar o conceito, a ideologia, e ver o que é melhor para o País. Será que o Brasil precisa ter uma distribuição de energia? Será que tem de produzir e distribuir petróleo? Será que tem de ter um banco? Isso tem de ser discutido. O País tem, sim, que dar as diretrizes, regular, administrar e controlar. Fazer tudo, não.

No início da pandemia, o senhor estava confiante com o cenário econômico dos setores agrícola e de infraestrutura. E agora?
Não tenha dúvida, o setor agrícola brasileiro é extremamente competitivo e não somente pela questão de extensão territorial, mas também pela tecnologia. Hoje, a China é nosso grande parceiro comercial, muito maior que qualquer outro. Até por isso nós precisamos tratá–la bem, principalmente na questão de commodities agrícolas. E isso não pode mudar. A tendência, inclusive, é crescer mais.

E na infraestrutura?
O setor vai continuar sendo a necessidade do País. Juntamente com o agrícola , será o gerador de empregos durante essa retomada. Aqui não estamos falando em furar o teto de gastos, o teto de gastos é a bíblia, é um negócio que temos de prezar. Esses setores podem atrasar dois meses, um ano, mas possuem uma perspectiva excelente.

“O setor agrícola foi um dos menos afetados pela crise. As exportações se mantiveram e garantiram resultados positivos para o País” (Crédito:Albari Rosa)

Quais setores devem mudar após a crise?
Os setores de entregas e de fornecimento de internet tiveram um crescimento fortíssimo. Eles vão manter isso? A gente não sabe, mas vai haver mudanças mais tênues, ou não, dependendo do comportamento da sociedade. As reuniões da Câmara, antes presenciais, estão sendo feitas on-line, evitando o deslocamento de vários CEOs de outros estados e do embaixador de Brasília. Temos que nos questionar se é realmente necessário. Não digo não fazer nenhuma reunião presencial, mas também não realizar todas as reuniões presencialmente, obrigando o deslocamento de todo mundo.

O Brasil voltou a ser listado, em 22º lugar, como um dos países mais confiáveis para o Investimento Estrangeiro Direto, depois de ter ficado de fora do ranking no ano passado. Como o mercado espanhol vê  essa parceria?
Isolando países como China e Índia, que são um caso à parte por possuírem culturas totalmente diferentes e regimes políticos que não transmitem confiança política tão grande, e Estados Unidos, que distorcem qualquer comparação, pergunto: onde você encontra um país continental com 210 milhões de habitantes, uma base de serviço boa, e que tem o agronegócio mais competitivo do mundo? Se fizermos uma análise desapaixonada, não há razão não pensar no Brasil para investimentos.

O que falta?
O Brasil possui todas as condições, mas precisa dar aos investidores um marco regulatório claro, a confiança de uma economia onde a produtividade seja importante. Houve queda muito grande em produtividade.

O receio de uma segunda onda do coronavírus na Europa deve prorrogar investimentos no Brasil?
A questão dessa pandemia é que ela é inusitada, seja na questão da cura, seja na saída. São coisas novas que aprendemos conforme caminhamos. A queda de renda das pessoas afeta diretamente o consumo, então é um momento em que as empresas e as pessoas pensam muito antes de investir. Não é o momento de grandes investimentos, mas sim de muito estudo do mercado para ver cada necessidade, dentro de cada estratégia.

É possível acelerar essa recuperação?
Vamos nos recuperar, economicamente falando, mas vai depender muito do que estamos fazendo hoje. Na crise espanhola de 2008 foram feitas reformas duríssimas e necessárias para retomar o crescimento do País. Esse crescimento foi mantido até o início da pandemia.