Em entrevista à DINHEIRO, o sócio e analista-chefe da Clear Corretora diz que o mercado já começa a reagir aos efeitos da crise provoacada pela pandemia de Covid-19.

Analistas europeus já falam em recuperação econômica liderada pela China. Já dá para pensarmos nisso?
Acredito que ainda é muito cedo para falar em recuperação econômica. Mesmo na China, onde a princípio a pandemia estaria controlada, vemos o retorno de novos casos e dúvidas sobre a realidade dos números apresentados de infectados pelo novo coronavírus no país. Ou seja, mesmo com a China informando estar com cerca de 70% ou 80% da capacidade normal de trabalho, vejo como necessário aguardar uma estabilização dos números de doentes no Ocidente para pensar em recuperação. Mais especificamente nos países desenvolvidos. Pela capacidade de estímulo e medidas apresentadas e já aprovadas, os Estados Unidos poderiam puxar essa recuperação global.

Como explicar as altas e profundas quedas do Ibovespa no mesmo dia?
A palavra que melhor define o momento do mercado é disfuncional. O mercado de ações perdeu as suas referências de curto prazo. Desde que a Covid-19 começou a progredir para outros países saindo da China e, diante de toda incerteza pela frente, é normal vermos movimentos bruscos como tem ocorrido ao longo das últimas semanas. Em momentos de crise, como o atual, muitos investidores buscam primeiramente liquidez, ou seja, ter os seus recursos em mãos, para tomar novas decisões à frente. Assim como estamos vivendo a história diante de tantos recordes (mesmo que negativos), em 2008, na crise financeira, também tivemos movimentos bruscos. Vale lembrar que foram cinco circuit breakers à época em um único mês (agora, foram seis em oito pregões).

São evenos similares?
Cada crise tem a sua história e, desta vez, o que mais chamou a atenção foi a velocidade do movimento. As incertezas que a pandemia traz não apenas ao Brasil, mas ao mundo todo, são as principais propulsoras da volatilidade: quanto tempo vai durar a epidemia, quantas pessoas serão contaminadas, quantas morrerão, por quanto tempo o sistema de lockdown vai vigorar, qual o tamanho do colapso social e econômico pós-coronavírus, que medidas e quais valores serão injetados pelos governos e bancos centrais de todo o mundo para mitigar esses impactos e para ajudar a área de saúde. Todas essas notícias, que chegam e mudam a todo instante, aumentam o cenário de incerteza, trazendo por sua vez, maior volatilidade ao mercado.

Como o mercado financeiro brasileiro deve reagir ao pico da pandemia no País?
Na verdade, já está reagindo. A bolsa de valores, ou mais especificamente o mercado de ações, costuma antecipar os movimentos da economia. Portanto, de 114 mil pontos no Ibovespa de 26 de fevereiro há uma queda que já mostra o quanto essa pandemia afetou o mercado [quarta-feira 1 o Ibovesoa fechou em 70.967]. Daqui para frente é necessário aguardar a estabilização dos casos e o encerramento do lockdown horizontal para ver como a economia voltará a reagir. Tudo isso ainda é uma incógnita e que, portanto, não significa que já chegamos ao fundo do poço. O tempo do confinamento poderá ditar todo esse novo rumo.

Qual a previsão de comportamento do mercado brasileiro para os próximos dias? Vamos acompanhar as tendências das bolsas europeias ou podemos sofrer novas baixas?
Da forma como está não há como prever o comportamento do mercado em curto prazo. Mas acredito que a onda de incertezas em relação ao avanço da pandemia continuará trazendo volatilidade. Sendo assim, o mais recomendável aos investidores é ter prudência e seguir suas respectivas estratégias de investimento. Para os que visam o curto prazo, seguir encurtando os stops de suas operações para não ser surpreendido. Já para os que olham a médio e longo prazos, sugiro comprar ações de empresas bem fundamentadas, com forte histórico de gestão eficiente, capitalizadas e que estão com baixo endividamento em sua estrutura de capital.

Para o investidor que já tem suas aplicações na bolsa, quais seriam as melhores ferramentas para serem utilizadas agora?
Sem dúvida alguma, a parte psicológica é a ferramenta fundamental neste momento. Cito isso pela possibilidade de decisões precipitadas poderem ser tomadas em momentos como este. Dessa forma, analisar friamente o mercado e suas oportunidades e manter suas estratégias é fundamental. Com conhecimento, disciplina, estratégia e um pouco de frieza, a tendência é obter melhores resultados.

O relatório do mercado de trabalho dos EUA pode ser sinal de recessão e, consequentemente, queda para a economia brasileira?
Para praticamente todas as instituições financeiras do País, a economia nacional irá apresentar crescimento negativo no segundo trimestre de 2020. Os dados de pedidos de auxílio-desemprego reportados na semana passada nos Estados Unidos apenas mostram a dimensão de curto prazo do que podemos enfrentar. Por outro lado, é necessário constatar que a legislação trabalhista de lá e daqui são bem distintas. Algumas autoridades norte-americanas citam a possibilidade de a taxa de desemprego subir para cerca de 30%, saindo de 3,5% no mês passado. Acredito que o mais prudente é aguardar. É cedo para fazermos projeções em relação ao rombo que teremos no desemprego e consequentemente na economia como um todo, seja nos EUA ou mesmo no Brasil.

Há alguma previsão de tempo para dizermos que o pior já passou?
Nenhuma. Ainda acho muito cedo e, segundo os médicos, não chegamos ao pico da doença no País. É necessário acompanhar o noticiário tanto brasileiro quanto internacional e aguardar uma estabilização dos casos pelo mundo ou algum “remédio” que venha para minimizar todo esse impacto que estamos visualizando.

Número da semana
0,5%

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que a produção industrial brasileira cresceu 0,5% em fevereiro, na comparação com janeiro. Com esse resultado, o setor marca o segundo avanço mensal consecutivo, eliminando uma parte das perdas registradas nos dois últimos meses de 2019. Na comparação com fevereiro do ano passado, houve queda de 0,4% – o quarto mês de resultado negativo seguido nessa base de comparação. Já a atividade industrial de janeiro foi revisada de uma alta de 0,9% para avanço de 1,2% ante dezembro. No ano, a indústria acumula queda de 0,6% frente ao mesmo período de 2019. Dentre os 26 segmentos da atividade industrial pesquisados, 15 tiveram alta em fevereiro, com destaque para a produção de veículos (2,7%), produtos químicos (2,6%), além de farmoquímicos e farmacêuticos (3,2%). Entre os setores que tiveram produção reduzidas em fevereiro, o que mais pressionou o índice foi o de coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (-1,8%). Também impactaram negativamente o resultado geral da indústria no mês os segmentos de equipamentos de informática, eletrônicos e ópticos (-5,8%) e outros equipamentos de transporte (-8,7%).